Desviei de vários carros e virei em ruas aleatórias com um único objetivo: continuar vivo. Arrisquei olhar outra vez pelo retrovisor e sorri ao ver que eu tinha conseguido despistá-los. Meu carro rodou na pista e, mesmo que eu pisasse no freio várias vezes, o carro não parou. Ele rodou mais duas vezes antes de ficar na beira de um penhasco. O carro que antes nos perseguia bateu na traseira do meu, e isso fez com que eu caísse do penhasco. Depois de rolar e capotar algumas vezes, o carro caiu no lago.
Eu me sentei na cama em um pulo, meu coração estava acelerado assim como minha respiração, meu corpo estava suado e arrepiado, mesmo tendo me livrado das cobertas enquanto dormia. E mais uma vez um maldito pesadelo me deixou com uma forte dor de cabeça.
Perdi as contas de quantas vezes este sonho me assombrou, já fazia um mês que saí do hospital e as consequências daquela noite continuavam na minha mente. Por que estavam me perseguindo?
Se eu fosse uma daquelas pessoas paranoicas, diria que isso era um sinal, mas sabia que era apenas a minha distorcida memória querendo voltar.
Com muita preguiça, me levantei da cama e desci para a cozinha; podia ter passado por uma experiência traumática, mas ainda era um ser humano que precisava se alimentar.
Servi-me de uma xícara de café e fui para a varanda, estava cedo, e logo o sol ia nascer. Sentei-me na escada e fiquei olhando a paisagem.
— Aquele sonho de novo? — perguntou minha mãe ao se sentar ao meu lado.
Assenti.
— Talvez você precise conversar com um profissional — falou ela.
Suzan, minha mãe, sempre evitava conversar comigo sobre o dia do acidente porque, segundo ela, não me faria bem.
— Não gosto de ir ao psicólogo — falei.
— Sei disso, mas ao menos para ele te receitar um novo calmante — falou ela.
— Pensarei a respeito. — Tomei um gole do meu café.
Minha mãe não era uma mulher velha, mas também não era tão nova. Ela tinha 43 anos, mas, se lhe perguntassem, ela diria que tem menos, admitir a idade não era coisa que ela gostava de fazer. Era mais baixa que eu e diferente de mim, seus cabelos eram loiros, seus olhos não eram castanhos como os meus, e sim verdes, e eu sempre dizia que esse era o charme dela. Eu amava essa mulher.
— Preparado para reabrir sua biblioteca? — perguntou e tomou um gole do chá de camomila, seu favorito.
— Nem um pouco, estou com medo de aparecer alguma doida falando que eu sou pai do filho dela ou de alguém me bater por eu ter pegado a namorada dele. — Ela riu.
— Você não era esse tipo de garoto, Andrew — disse ela. — Aliás, você ainda pode contar com a Jessy e o Ryan.
— Não é como se eu me lembrasse deles, mãe. Eles estarem lá quando eu acordei não significa nada. — Terminei meu café.
No dia em que acordei no hospital, Jessy estava lá e minutos depois Ryan passou pela porta, ambos ficaram muito felizes em me ver acordado, e eu fiquei sem saber o que estava acontecendo. Jessy disse ser minha namorada desde a infância, Ryan se apresentou como meu melhor amigo, não era para me lembrar deles pelo menos? Mas eu não me lembrava deles, o pior de tudo foi quando Jessy me beijou e eu não senti nada por ela.
— Ocupar seu tempo vai ser bom para você, ficar muito tempo em casa vai te deixar maluquinho. — Ela me cutucou com o cotovelo e se levantou. — Agora sem enrolação, mocinho, você tem que trabalhar! — disse antes de voltar para dentro de casa.
— Sim, senhora.
Depois de tomar café, eu voltei para meu quarto, peguei no guarda-roupa o que eu pretendia usar, nada muito complicado, porque eu detestava isso. Optei por uma camiseta branca larga, um jeans surrado e um par de Vans. Havia sol, então eu peguei um moletom caso o tempo se revoltasse mais tarde. Rapidamente vesti o traje escolhido e fui para a frente do espelho arrumar meu cabelo; estava comprido, mas eu não queria cortá-lo, apenas me penteei com os dedos e deixei do jeito que estava.
Desci até a cozinha, e minha mãe ainda estava lá. Apesar de minha vontade ser ficar o dia inteiro em casa, eu precisava me distrair. Vendo pelo lado bom, já estávamos em outubro, e eu tinha muita esperança de que os dias passassem rapidamente.
— Vai ficar em casa hoje? — perguntei ao me sentar à mesa junto à minha mãe. Ela estava comendo enquanto via alguma coisa no celular, estava bem concentrada.
— Vou fazer meu cabelo, achei uns demônios brancos ontem e não gostei nada disso.
“Demônios brancos”, um nome legal para se dar aos fios de cabelo branco que se ganha quando envelhece.
Peguei uma maçã na fruteira e dei uma mordida, também roubei um pedaço da torrada que minha mãe deixou dando sopa no prato e bebi um gole de suco de abacaxi.
— Até mais tarde, mãe. — Limpei a boca e dei a volta na mesa para dar um beijo no rosto dela.
— Não se esqueça de levar o guarda-chuva, querido — falou.
Assenti, e ela me soprou um beijo e voltou a olhar para o celular.
A biblioteca era um pouco longe da minha casa, e. como a dona Suzan me proibiu de dirigir, peguei minha bicicleta e segui pelo caminho que Ryan me ensinou.
Desci da bicicleta e a deixei no lugar designado ao lado de fora da biblioteca, com vergonha ou medo de alguém me cumprimentar e eu não fazer ideia de quem fosse, abaixei a cabeça e segui meu caminho.
Assim que cheguei, eu comecei organizando os livros que estavam empilhados no balcão e depois cataloguei os novos que chegaram. Ainda estava cedo, mas as pessoas que realmente gostavam de ficar lá, assim que viram as portas abertas, se acomodaram nas almofadas em gota pelo chão. Minha biblioteca era bem moderna, tinha até local para leitura solitária, onde você podia ficar em um cantinho aconchegante coberto e fechado para que nada atrapalhasse. Tipo uma cabaninha, porém como uma casinha.
Uma coisa bem interessante que eu notei foi que, quando abri as portas, as mulheres começaram a chegar, e, quando eu digo mulheres, incluo idosas e adolescentes. Talvez meu charme as tivesse atraído.— Andrew? — O que eu temia aconteceu, fui reconhecido.Virei-me e encontrei Jessy me olhando curiosa. Quando me reconheceu, deu um gritinho estridente e me apertou com seus braços fofinhos.— Jessy, tem gente olhando — falei entredentes e ainda com a cabeça baixa, passar vergonha não era legal.— Deixe que olhem, eu não ligo. — Apertou minha mandíbula de modo que meus lábios formassem um biquinho e me roubou um selinho. Jessy não era muito alta e nem muito baixa, ela era maior que minha mãe e pouca coisa menor que eu. Enquanto eu tinha 1,78 metros de altura, ela tinha 1,71. Mas era fofa, isso eu não posso negar. Ela tinha o cabelo preto e muitas curvas, às vezes desconfiava de que ela tivesse mais do que 21 anos.— Eu ligo, não quero receber tanta atenção assim — falei tirando seus braço
Era dia 13 de outubro de 2011, uma manhã fria e quieta, eu invejava quem estava quentinho no conforto de casa enquanto eu enfrentava aquele frio, tudo que eu mais queria era voltar para casa e deitar na minha cama. As calçadas estavam cobertas de neve, e o vento estava cada vez mais forte, mal sentia os dedos dentro da bota.O caminho para o colégio era uma rua reta com muitos prédios e algumas árvores, apertei meus braços em volta do meu corpo com a intenção de me aquecer, mas parecia que o vento estava contra mim quando se intensificou, levando embora meu cachecol. Corri atrás dele, e o vento fez questão de prendê-lo em uma árvore, pulei o mais alto que dava, mas não consegui pegar.Corri uma distância consideravelmente boa e pulei, mas tudo que aconteceu foi meu rosto ir de encontro à neve. Bufei irritada, com tanta árvore pequena nessa rua, o vento tinha que prender meu cachecol justo em uma árvore que eu não alcançava? Fala sério!— Quer ajuda? — Sabe aquele momento em que o film
O movimento da lanchonete estava menos agitado. Eu entrei no quartinho para me arrumar.Ela trouxe uma calça jeans escura de cintura alta, um par de saltos e um cropped de manga comprida, trouxe também um estojo de maquiagem e um par de brincos. Gostei de como a roupa ficou no meu corpo, mas me senti um pouco vulgar nela.Soltei meus cabelos e tentei dar uma organizada nos cachos, passei um pouco de maquiagem no rosto e calcei os saltos. Já pronta e livre do serviço, pedi um táxi para me levar até a festa. A casa estava cheia, mal dava para andar, respirei fundo e decidi procurar pelo capitão. Esbarrei em algumas pessoas que nem deram importância para a minha presença, demorou um pouco, mas finalmente consegui encontrá-lo. Encostado no balcão com um copo de bebida na mão, ao seu redor havia algumas garotas, mas ele parecia estar entediado ao lado delas.Cutuquei seu ombro, e ele se virou para mim, um grande sorriso se abriu em seu rosto ao me ver, parecia estar esperando por mim. Ele
Deitado de barriga para cima na cama, fiquei imerso em meus pensamentos e deixei que eles me levassem de volta para a noite anterior. Nada do que ela disse fez sentido, bom, não para mim. Ela podia ter tido uma péssima experiência de vida e após a morte queria que alguém contasse como ela morreu, igual aos filmes. Ou talvez eu tivesse alguma ligação a ela. Tudo muito doido para pensar sozinho. Eu precisava conversar com alguém.Levantei-me da cama e fui até o banheiro, um banho quentinho cairia bem agora, tirei a cueca do corpo e me enfiei embaixo da água. Tão relaxante. Quem eu era? Será que meu disfarce era ser um pequeno empresário durante o dia e agente secreto à noite? Ou eu era um criminoso procurado que precisou se esconder da polícia? Muitas possibilidades e nenhuma solução. Agora não tinha mais como evitar, precisava investigar meu passado, saber minhas origens e recuperar minha memória, pois sentia que estava ligado a Maree e que ela aparecer para mim, quando poderia ter
Tudo que era dito nas folhas, com uma caligrafia impecável, acontecia bem diante dos meus olhos, como um filme.— O que é isso? — Tomei um tremendo susto ao parar de ouvir a voz da minha cabeça e ouvir alguém falando comigo. Era Ryan, meu melhor amigo. Bom, eu achava que ele era.— Isso? Nada demais, apenas algumas páginas soltas. — Escondi todas as folhas dentro do livro. — O que faz aqui? — Mudei de assunto.— Vim ver como está se saindo com a biblioteca. — Olhou ao redor.Ryan era descendente de asiáticos, cabelo curto cortado dos lados, e sempre que o encontrava, estava muito estiloso. Ele parecia um atleta, mas odiava ser comparado com um. Era quase do meu tamanho e se formou em História na faculdade.Lembrei-me da história que Maree havia me contado ontem, me perguntei se, em algum momento, ele seria citado uma vez que Jessy apareceu. Um nome diferente e peculiar me foi soprado no ouvido como se fosse a resposta para a minha pergunta.— Dude — repeti em voz alta, e ele se virou
Ele estacionou na frente de uma boate, Sweet Ilusion era o nome do lugar. Logo no estacionamento era possível ouvir a música, os vidros do carro estremeciam com as batidas, e eu sentia meu coração bater no mesmo ritmo. A fila estava enorme, e eu não fazia ideia de como ele ia fazer com que a gente entrasse lá.— Como vamos entrar lá? — perguntei ao descer do carro.— Deixa comigo — Ryan piscou pra mim e ajeitou o cabelo no espelho do carro.Atravessamos a rua e seguimos em direção ao segurança na porta, Ryan trocou algumas palavras com ele e isso bastou para colocar a gente lá dentro. Parecia um formigueiro, as pessoas dançavam no ritmo da música, sozinhos ou acompanhados, uns bebiam e outros apenas ficavam sentados curtindo a música. Ryan me puxou para perto de um balcão que parecia ser o bar, me sentei em um dos banquinhos e fiquei olhando as pessoas dançando na pista.— Quero duas tequilas — pediu ele.— Eu não vou beber — falei. — Eu tomo remédio para memória, esqueceu? Se eu bebe
Era dia 19 de outubro de 2011, um dia comum como hoje. Aquele dia foi importante para mim, mas também foi o início de um inferno.Eu era uma simples garçonete em um dia comum de trabalho, recebendo ordens de um patrão irritante, que, por sinal, era meu pai, cuidando de um bebê que não era meu, mas tinha meu sangue, quando um grupo de jovens animados entrou na lanchonete. E, para o meu azar, eram todos do mesmo colégio que eu.— Quem foi que marcou no último minuto e levou o time à vitória? — Um deles gritou, apontando para o capitão, que não parecia à vontade ali.— Foi o capitão — gritaram todos juntos.Meu olhar não desgrudou do capitão até o momento em que ele me procurou com o olhar. Assim que nossos olhares se encontraram, uma expressão de alívio tomou conta do seu rosto e ele sorriu. Um sorriso perfeito com jeito de malandro e pinta de galanteador. A luz do sol bateu em seus cabelos negros, lhe dando um tom meio azulado que me fez suspirar com tamanha perfeição.— Ei, está viva?
Eu olhava várias vezes para o retrovisor para saber se o carro ainda me perseguia, virava em ruas aleatórias que eu mal sabia onde iam parar, minha respiração estava acelerada, e eu temia por minha vida. — Mais rápido, ele está quase nos alcançando! — Uma voz desconhecida por mim disse, parecia distante, mas tão próxima. Seu timbre ecoou em minha cabeça e foi ficando cada vez mais distante, porém eu ainda conseguia ouvir nitidamente e repetidas vezes a mesma frase: — Eu não quero morrer.Com um sobressalto. eu despertei. Coração acelerado e todo suado, foi assim que eu acordei. Estranho, tive esse sonho tantas vezes, mas desta vez ele estava diferente, ninguém nunca tinha falado comigo, e nesta noite parecia ter alguém comigo no carro.Será que foi por que eu bebi na noite passada? Podia ser que meus remédios estivessem fazendo efeito, porém isso não passava de suposição.Cocei minha cabeça e olhei ao redor à procura de Maree, tomei um grande susto ao encontrar Jessy sentada na cama,