Era dia 13 de outubro de 2011, uma manhã fria e quieta, eu invejava quem estava quentinho no conforto de casa enquanto eu enfrentava aquele frio, tudo que eu mais queria era voltar para casa e deitar na minha cama. As calçadas estavam cobertas de neve, e o vento estava cada vez mais forte, mal sentia os dedos dentro da bota.
O caminho para o colégio era uma rua reta com muitos prédios e algumas árvores, apertei meus braços em volta do meu corpo com a intenção de me aquecer, mas parecia que o vento estava contra mim quando se intensificou, levando embora meu cachecol. Corri atrás dele, e o vento fez questão de prendê-lo em uma árvore, pulei o mais alto que dava, mas não consegui pegar.
Corri uma distância consideravelmente boa e pulei, mas tudo que aconteceu foi meu rosto ir de encontro à neve. Bufei irritada, com tanta árvore pequena nessa rua, o vento tinha que prender meu cachecol justo em uma árvore que eu não alcançava? Fala sério!
— Quer ajuda? — Sabe aquele momento em que o filme da sua vida passa diante dos seus olhos? Foi exatamente isso o que aconteceu.
Meu corpo se recusava a virar e encarar o dono daquela voz rouca que eu conhecia muito bem, fechei os olhos e implorei aos céus que não fosse quem eu pensava ser. Mas, ao me virar, foi como se tivessem jogado um balde de água fria em mim. Era ele. Com seu sorriso estonteante e seus olhos cor-de-mel que me faziam suspirar, todo agasalhado da cabeça aos pés, o frio de antes desapareceu quando senti meu corpo inteiro quente e um certo calor nas bochechas.
— Não precisa. — Recobrei minha consciência e lhe respondi.
Pulei para tentar alcançar meu cachecol na árvore, mas foi uma tentativa inútil. Peguei uma bolinha de neve e taquei nele, mas nem se mexer o cachecol mexeu, ouvi alguém rir atrás de mim e, mesmo sabendo de quem era aquela risadinha, me virei e lhe encarei.
— Sai daí, vai, deixa que eu pego. — Ele se aproximou do lugar onde estava meu cachecol e deu dois pulinhos, finalmente o pegando. — Aqui está. — Ele passou o tecido por meu pescoço, e aos poucos aquela área foi se aquecendo.
— Obrigada. — Sorri tímida. Ele nunca tinha falado comigo.
— Vamos? — Sorriu, apontando para a escola.
— Claro. — Senti meu rosto mais quente do que antes, mas fui andando ao seu lado.
O caminho todo foi um pouco constrangedor, pois fomos em completo silêncio, apenas quando estávamos próximos, ele comentou que estudávamos na mesma aula de Biologia, mas, depois disso, se calou. O silêncio entre nós era torturante e ficou pior quando chegamos finalmente no colégio, quando todos os olhares estavam em nós. Era desconfortável.
Nunca fui aquele tipo de aluna popular ou sociável, para falar a verdade, eu sempre tentava me esconder. Era bom que apenas os professores soubessem da minha existência. Aqui só tinha riquinhos mesquinhos que adoravam fazer bullying com pessoas que não viviam às custas dos pais, como eu e minha irmã.
O armário dele era do outro lado do corredor, bem atrás do meu, pela primeira vez em tempos eu não fiquei com vergonha de abrir meu armário perto de alguém.
— Chris Brown? Sério? — Ele deu uma risadinha.
— Ainda vou me casar com ele. — Suspirei, olhando a foto dele sem camisa colada no meu armário.
— Vejo que tem um bom gosto musical — disse ele, fechando seu armário e fazendo o mesmo que eu, colocando o casaco dentro.
— Tenho bom gosto para outras coisas também, basquete, por exemplo — falei e peguei meus livros, incluindo o meu favorito: Os cinco Guardiões. Ele acompanhou com o olhar cada movimento meu.
Ajeitei meu cabelo com ajuda do pequeno espelho que tinha colado na porta do armário ao lado da foto do meu futuro marido. Tinha acabado de fechar meu armário quando ouvi uma voz tão fina e irritante que parecia um ferro arranhando uma lousa.
— Oi, querido. — Jessy abraçou o capitão do time de basquete, que deu um pulinho de susto, pois estava um pouco aéreo.
— Oi — ele disse apenas, e, pela careta, ela pareceu não gostar.
— O que foi? — falou ela. — Está olhando o que, garçonete? — disse ela, parando na minha frente.
Levantei as mãos em forma de rendição e me afastei, não sem antes receber uma piscadela do capitão, simples ato que me deixou um pouco corada.
Mais tarde naquele mesmo dia, eu saí correndo do colégio e fui direto para a lanchonete do meu pai, nosso local de trabalho. Por ser horário de almoço, eu sabia bem como aquele lugar ficava lotado. Já de uniforme, comecei a atender os clientes, estava mais lotado do que eu imaginava e, justo naquele dia, minha irmã não iria trabalhar.
A cada cliente que ia saindo, o dobro chegava, meu pai teve que ligar para minha irmã, pedindo para vir ajudar a gente. Austin, meu irmão caçula, havia começado a ir para a escolinha, e isso facilitava bastante em horários como esse.
— Maree, espaguete à bolonhesa para a mesa dez — meu pai disse ao colocar o prato no balcão. Assenti e levei o prato até o cliente. Meus olhos quase pularam para fora quando avistei o capitão, jogando um joguinho qualquer no celular.
— Aqui está seu pedido. — Tentei manter a mesma postura, era só mais um cliente.
Parecendo acordar para a vida, ele deixou o celular na mesa e me encarou.
— Sabia que te encontraria aqui. — Ele sorriu. Maldito frio na barriga.
— Me procurando? — Pensei em mil coisas que eu poderia fazer; correr e fingir que não ouvi o que ele disse, me esconder na cozinha ou inventar que tinha namorado, talvez até que estava gripada.
— Vou dar uma festa lá na minha casa e queria saber se você quer ir. — Ele coçou a nuca envergonhado, e notei que suas bochechas estavam levemente coradas.
— Quero. — Quase gritei de tão alto que falei. — Quer dizer — me corrigi, envergonhada pelo entusiasmo —, agradeço o convite, mas preciso trabalhar hoje e eu acho que no horário que eu sair daqui a festa já vai ter acabado. — Acho que não seria bom eu ir em uma festa onde Jessy ia estar.
— É uma festa, não vai acabar tão cedo. — Ele riu. — Se quiser, eu posso passar aqui para te buscar — sugeriu.
— Acho melhor não, sua namorada não ia gostar de te ver comigo. — Jessy não ia gostar de saber que ele veio aqui e, se eu fosse na festa, ela matava os dois.
— Que namorada? — Com um canudo na boca e a cabeça baixa, ele levantou o olhar e sorriu. — Ela não é minha namorada. — Colocou ambas as mãos na bochecha e apoiou os cotovelos na mesa. — Qual a próxima desculpa para não ir?
Fiquei envergonhada por ele notar que eu não estava a fim de ir à festa, e a única saída foi aceitar.
— Te vejo na festa então. — Sorri e me virei para voltar ao trabalho.
— Maninha, preciso de um favor seu — chamei minha irmã.
— Se for dinheiro, eu não tenho — disse ela, segurando o bolso do avental para não fazer barulho.
— Não é isso, mesquinha. — Dei a língua à mais nova. — Vou a uma festa hoje à noite, mas não sei o que vestir. Me ajuda? — pedi enquanto torcia o pano para limpar o balcão.
— Com quem?
— Com o capitão do time da escola — falei. — E, se me ameaçar dizendo que vai contar para os nossos pais, vou te dedurar pra mamãe sobre o dia em que você dormiu na casa da sua “amiga”. — Fiz aspas com os dedos para deixar mais clara a minha ameaça, e ela fez careta, assentindo.
O movimento da lanchonete estava menos agitado. Eu entrei no quartinho para me arrumar.Ela trouxe uma calça jeans escura de cintura alta, um par de saltos e um cropped de manga comprida, trouxe também um estojo de maquiagem e um par de brincos. Gostei de como a roupa ficou no meu corpo, mas me senti um pouco vulgar nela.Soltei meus cabelos e tentei dar uma organizada nos cachos, passei um pouco de maquiagem no rosto e calcei os saltos. Já pronta e livre do serviço, pedi um táxi para me levar até a festa. A casa estava cheia, mal dava para andar, respirei fundo e decidi procurar pelo capitão. Esbarrei em algumas pessoas que nem deram importância para a minha presença, demorou um pouco, mas finalmente consegui encontrá-lo. Encostado no balcão com um copo de bebida na mão, ao seu redor havia algumas garotas, mas ele parecia estar entediado ao lado delas.Cutuquei seu ombro, e ele se virou para mim, um grande sorriso se abriu em seu rosto ao me ver, parecia estar esperando por mim. Ele
Deitado de barriga para cima na cama, fiquei imerso em meus pensamentos e deixei que eles me levassem de volta para a noite anterior. Nada do que ela disse fez sentido, bom, não para mim. Ela podia ter tido uma péssima experiência de vida e após a morte queria que alguém contasse como ela morreu, igual aos filmes. Ou talvez eu tivesse alguma ligação a ela. Tudo muito doido para pensar sozinho. Eu precisava conversar com alguém.Levantei-me da cama e fui até o banheiro, um banho quentinho cairia bem agora, tirei a cueca do corpo e me enfiei embaixo da água. Tão relaxante. Quem eu era? Será que meu disfarce era ser um pequeno empresário durante o dia e agente secreto à noite? Ou eu era um criminoso procurado que precisou se esconder da polícia? Muitas possibilidades e nenhuma solução. Agora não tinha mais como evitar, precisava investigar meu passado, saber minhas origens e recuperar minha memória, pois sentia que estava ligado a Maree e que ela aparecer para mim, quando poderia ter
Tudo que era dito nas folhas, com uma caligrafia impecável, acontecia bem diante dos meus olhos, como um filme.— O que é isso? — Tomei um tremendo susto ao parar de ouvir a voz da minha cabeça e ouvir alguém falando comigo. Era Ryan, meu melhor amigo. Bom, eu achava que ele era.— Isso? Nada demais, apenas algumas páginas soltas. — Escondi todas as folhas dentro do livro. — O que faz aqui? — Mudei de assunto.— Vim ver como está se saindo com a biblioteca. — Olhou ao redor.Ryan era descendente de asiáticos, cabelo curto cortado dos lados, e sempre que o encontrava, estava muito estiloso. Ele parecia um atleta, mas odiava ser comparado com um. Era quase do meu tamanho e se formou em História na faculdade.Lembrei-me da história que Maree havia me contado ontem, me perguntei se, em algum momento, ele seria citado uma vez que Jessy apareceu. Um nome diferente e peculiar me foi soprado no ouvido como se fosse a resposta para a minha pergunta.— Dude — repeti em voz alta, e ele se virou
Ele estacionou na frente de uma boate, Sweet Ilusion era o nome do lugar. Logo no estacionamento era possível ouvir a música, os vidros do carro estremeciam com as batidas, e eu sentia meu coração bater no mesmo ritmo. A fila estava enorme, e eu não fazia ideia de como ele ia fazer com que a gente entrasse lá.— Como vamos entrar lá? — perguntei ao descer do carro.— Deixa comigo — Ryan piscou pra mim e ajeitou o cabelo no espelho do carro.Atravessamos a rua e seguimos em direção ao segurança na porta, Ryan trocou algumas palavras com ele e isso bastou para colocar a gente lá dentro. Parecia um formigueiro, as pessoas dançavam no ritmo da música, sozinhos ou acompanhados, uns bebiam e outros apenas ficavam sentados curtindo a música. Ryan me puxou para perto de um balcão que parecia ser o bar, me sentei em um dos banquinhos e fiquei olhando as pessoas dançando na pista.— Quero duas tequilas — pediu ele.— Eu não vou beber — falei. — Eu tomo remédio para memória, esqueceu? Se eu bebe
Era dia 19 de outubro de 2011, um dia comum como hoje. Aquele dia foi importante para mim, mas também foi o início de um inferno.Eu era uma simples garçonete em um dia comum de trabalho, recebendo ordens de um patrão irritante, que, por sinal, era meu pai, cuidando de um bebê que não era meu, mas tinha meu sangue, quando um grupo de jovens animados entrou na lanchonete. E, para o meu azar, eram todos do mesmo colégio que eu.— Quem foi que marcou no último minuto e levou o time à vitória? — Um deles gritou, apontando para o capitão, que não parecia à vontade ali.— Foi o capitão — gritaram todos juntos.Meu olhar não desgrudou do capitão até o momento em que ele me procurou com o olhar. Assim que nossos olhares se encontraram, uma expressão de alívio tomou conta do seu rosto e ele sorriu. Um sorriso perfeito com jeito de malandro e pinta de galanteador. A luz do sol bateu em seus cabelos negros, lhe dando um tom meio azulado que me fez suspirar com tamanha perfeição.— Ei, está viva?
Eu olhava várias vezes para o retrovisor para saber se o carro ainda me perseguia, virava em ruas aleatórias que eu mal sabia onde iam parar, minha respiração estava acelerada, e eu temia por minha vida. — Mais rápido, ele está quase nos alcançando! — Uma voz desconhecida por mim disse, parecia distante, mas tão próxima. Seu timbre ecoou em minha cabeça e foi ficando cada vez mais distante, porém eu ainda conseguia ouvir nitidamente e repetidas vezes a mesma frase: — Eu não quero morrer.Com um sobressalto. eu despertei. Coração acelerado e todo suado, foi assim que eu acordei. Estranho, tive esse sonho tantas vezes, mas desta vez ele estava diferente, ninguém nunca tinha falado comigo, e nesta noite parecia ter alguém comigo no carro.Será que foi por que eu bebi na noite passada? Podia ser que meus remédios estivessem fazendo efeito, porém isso não passava de suposição.Cocei minha cabeça e olhei ao redor à procura de Maree, tomei um grande susto ao encontrar Jessy sentada na cama,
Ontem, eu não havia reparado muito nela, mas seus traços me lembravam de alguém, só não sabia quem. Ela era negra de cabelos cacheados, baixinha e usava óculos. Era bastante fofa na minha opinião.— Eu preciso muito de outro livro — ela disse e deixou o livro no balcão. — Tem mais nesse estilo? — perguntou.— Acho que naquela prateleira tem vários deles. — Apontei para a prateleira onde ela pegou o livro ontem. — Pode levar quantos quiser — falei, e seu sorriso aqueceu meu coração, saber que uma jovem da idade dela tinha o hábito de ler era fabuloso.— Vou levar uns cinco, posso? — pediu, e eu assenti, fazendo-a sair correndo em direção à prateleira.— Como foi que você leu tão rápido? — Desliguei a máquina de café.— Minha irmã me deixou vários livros, e eu acabei pegando o hábito de ler. Com o tempo, eu nem percebi que era uma devoradora de livros. — Riu, e eu a acompanhei. — E como eu não tenho muito o que fazer em casa, posso ler o dia todo — completou.— Você deve estudar bastant
Escorreguei o corpo na banheira até que meu rosto estivesse completamente coberto pela água, o que eu fiz para merecer isso? Por que, entre tantas pessoas no mundo, justo eu tive que ir fazer sei lá o que em Washington e sofrer um acidente de carro? Queria me lembrar das coisas.Queria saber quem eu era e o que eu gostava de fazer, lembrar meu primeiro beijo e a sensação de estar apaixonado, queria lembrar como era ter o calor do corpo de alguém junto ao meu em uma noite de inverno e saber como era ser amado e amar. Para uns eram coisas simples, mas, para mim, não, esquecer os momentos mais importantes da minha vida era sufocante.Ergui meu corpo para a superfície em busca de oxigênio, passei a mão no rosto para tirar o excesso de água e meus olhos focaram a mulher à minha frente. Com o cabelo preso em um coque e completamente nua, Maree estava dentro da banheira comigo, sentada igual a mim, porém do outro lado. Estava tão absorto em meus pensamentos que não notei que já passava da m