Abro meus olhos com dificuldade e me arrependo no exato momento em que o faço, uma vez que dores terríveis se espalham por todo meu corpo.
Mal consigo enxergar. Sinto meu peito pesar e uma forte ardência se espalhar pelo meu tórax. É uma sensação estranha e ao mesmo tempo dolorosa.
Forço alguns movimentos, mas os vários fios enroscados em meus braços não permitem que eu faça muito esforço. Gemo baixinho sentindo a dor constante, insistente e sem piedade dominar meu peito.
Com muita resistência foco minha visão e percebo estar em um quarto de hospital com vários médicos a minha volta, alguns me olhando de forma assustada e desesperada, até que de repente um bombardeio de perguntas chove em minha direção.
Eles estavam confusos e curiosos, mas eram perguntas das quais eu não tinha respostas. A única coisa que conseguia lembrar era do par frio de olhos azuis me encarando por constantes minutos enquanto apontava duas pistolas negras em minha direção, até um som estridente sair de uma delas me jogando para trás bruscamente.
Acabo consequentemente recordando a sensação de algo quente molhar meu vestido azul bebê de cetim e logo em seguida tudo fica escuro rapidamente.
Ele deveria ser a minha salvação.
Aquele que me protegeria.
Porém ele decidiu ser minha perdição, ser a minha morte.
Acordo assustada e com a respiração irregular. Meus punhos fechados e braços estendidos em posição de ataque como se estivesse preparada para uma batalha. O escuro domina o ambiente gélido do meu quarto, a porta da academia estava entreaberta permitindo que ar gelado circulasse pelo pequeno ambiente.
Ainda era madrugada, porém, como todos os outros dias ele veio mais uma vez atormentar os meus sonhos, despertando o meu desejo de vingança. Levanto-me do futon[1] seguindo para a sala de treinamento da academia, onde eu poderia descontar todas as minhas frustrações e desespero, sentimentos dos quais eu precisava aprender a dominar caso quisesse conquistar a liberdade e a minha querida e doce Itália de volta.
Me posiciono desferindo incontáveis socos e chutes no boneco a minha frente, imagens frustrantes daquela noite passam pela minha mente como flashes vivos de algo que eu desejava imensuravelmente esquecer.
Um garoto de 17 anos anda tranquilamente pela sala de estar da mansão Becker enquanto eu, minha mãe, meu pai e minhas duas irmãs mais velhas estávamos amarrados e ajoelhados um ao lado do outro sobre o tapete persa que a mamãe mais gostava.
Meu pai suplicava insistentemente pela vida de suas filhas, enquanto Donatel Voyaller ria do seu desespero e eu tentava entender o porquê de tudo aquilo.
Donatel sempre foi um amigo próximo da família, uma vez que ele era o melhor amigo do meu pai, participando ativamente de todos os eventos que os Beckers organizavam e apesar de sempre ter achado ele um homem frio e medonho, papai confiava cegamente nele.
Dante, seu único filho tinha uma relação complicada e distante com o pai, mas naquele momento não conseguia entender por que ele obedecia às ordens daquele velho rabugento. Odiar Donatel fazia parte de mim, uma vez que, eu sempre tive medo daqueles olhos vorazes e agora era obrigada a vê-los estampados no rosto do meu amado Dante.
Donatel balança a cabeça dando a confirmação para Dante atirar, a sede de sangue que ele emana é quase palpável. Sem se importar ele aponta suas duas armas negras para minhas irmãs e atira sem se quer titubear ou sucumbir.
O desespero toma conta do meu corpo ao ver minhas irmãs inertes no chão, o sangue escorrendo de suas cabeças formando grandes poças vermelhas sobre o tapete que um dia fora felpudo e delicado. Começo a gritar desesperadamente na tentativa inútil de despertá-las, mas de nada adiantaria.
Donatel, caminha até mim com um sorriso demoníaco no rosto, mas Dante se coloca a minha frente impedindo-o de continuar.
— Mate os outros dois. — Donatel dá a ordem para que Dante acabasse com a vida dos meus pais.
— Donatel deixe Eva em paz, é a única coisa que eu te peço. — Meu pai mais uma vez implora por minha vida e não pela sua enquanto Donatel ria diabolicamente.
Dante moveu-se lentamente em direção aos meus pais sem expressar nenhuma reação ou dor em seu olhar frio e sanguinário.
Eu suplico e imploro na esperança de que isso o faça parar, mas ele não me ouve, se quer olha dentro dos meus olhos e mais uma vez segue as ordens de seu pai como um cachorro bem treinado mirando suas duas Taurus gêmeas em direção aos meus pais e atira sem se preocupar.
O som estridente reverbera pelo meu corpo e fortes arrepios percorrem minha coluna enquanto vejo os corpos inertes dos meus pais caírem no chão sem vida. Inconscientemente começo a gritar desesperadamente para que meus pais acordem, mas os meus gritos não são altos o suficiente para alcançá-los, uma vez que eles não se mexem.
Tomada pelo desespero, mesmo com as mãos amarradas me levanto e corro até o corpo da minha mãe, falando em seu ouvido como se dessa forma ela pudesse me escutar e acordar.
Dotanel me ergue pelos cabelos e me arrasta pelo chão como um verme insignificante até me arremessar fortemente contra a parede, fazendo o ar dos meus pulmões sumirem por alguns instantes. Começo a tossir incontrolavelmente quando percebo Dante entrar na minha frente, como se finalmente a cabeça dele tivesse voltado a funcionar, o que infelizmente seria tarde demais.
— Está protegendo essa putinha! Mesmo toda culpa sendo dela? — Donatel ri debochadamente. — Dante, meu caro Dante, você sabe que não existe amor para pessoas como nós, essa mulher com toda certeza acabará sendo a ruína da família Voyaller se permanecer viva, sendo assim, já que você será meu sucessor... mate-a — ele ordena sem se importar.
Dante observava o pai e a mim enquanto choro incontrolavelmente vendo os corpos dos meus pais e irmãs estendidos no chão. Volto meu olhar para o seu a tempo de vê-lo apontar suas armas em minha direção, observando-me por incontáveis minutos sem esboçar qualquer reação.
Ele olha dentro dos meus olhos e posso ver um misto de arrependimento e dor, mas logo em seguida puxa o gatilho. A ardência em meu peito é instantânea e tudo fica escuro. Ouço as vozes distantes enquanto apago de vez e a única coisa que fica marcada em minha memória são os frios olhos azuis de quem um dia eu amei.
Não consigo parar de pensar naquela noite, muito menos tirar dos meus pensamentos a pergunta que repito todos os dias. Como um menino de 17 anos conseguiu acabar com uma família inteira? O que eu fiz para merecer viver toda essa dor?
Essas eram perguntas que jamais foram respondidas.
As dúvidas só cresciam dentro de mim e para me livrar delas projetava incontáveis sequências de socos e chutes no pobre boneco. Minha pele suada queimava em contato com o ar frio da noite me causando intensos arrepios.
Dante Voyaller, afrontava meus pensamentos e tirava a paz do meu coração, o homem de olhos frios e aura sombria que destruiu a família Becker estava prestes a conhecer o inferno.
O inferno que eu causaria em sua vida.
Depois de tudo que aconteceu fui obrigada a vir para o Japão morar com o único tio que me aceitou como membro de sua família. Quando cheguei a Tóquio fiquei impressionada com aquela cidade, é simplesmente magnífica, seus altos prédios chamavam a atenção de todos que passavam nas suas ruas movimentadas, os banners iluminados e todos aqueles jogos de luzes faziam você se impressionar com a grande quantidade de propagandas de produtos desconhecidos.
Mas no fundo sendo bem sincera, nada é mais belo do que a Itália e a saudades do meu país queimava dentro do meu peito.
Todos os registros ligados a mim e a família Becker foram arquivados para que ninguém soubesse que eu havia sobrevivido, passei a usar um codinome para esconder meu verdadeiro nome daqueles que quero destruir.
Omiti da polícia todos os fatos sobre o meu passado a fim de fazer justiça com as minhas próprias mãos. Para eles o trauma havia sido tão grande que eu não conseguia lembrar nada daquela fatídica noite.
O que é uma mentira, pois Dante Voyaller, ou melhor dizendo “O Dragão de Veneza” jamais sairia da minha mente. Eu jamais esqueceria o garoto que me fez juras de amor e promessas de proteção, mas exterminou minha família sem hesitar com as próprias mãos.
[1] Estilo de sofá.
Ansiedade me define. Nem posso acreditar que depois de onze anos pisarei novamente em solo italiano e a cada pequena turbulência do avião em meio as nuvens espessas meu coração se acelera em ansiedade.Apesar das cansativas horas de viagem do Japão à Itália finalmente ouço o piloto anunciar nosso pouso.E uma vez que desembarco, abro os braços respirando profundamente o ar do meu doce e amado país. Desembarcar em solo norte italiano me faz relembrar os bons momentos do meu passado ignorando os ruins. Senti tanta falta desse lugar maravilhoso.— Como eu senti falta desse país maravilhoso — falo para mim mesma, sem me importar com as pessoas que desembarcam ao meu redor me observando desconfiadas.Após pegar minha mala na esteira procuro por Robert, um amigo que considero irmão.A lotação de pessoas ao me r
Fico boquiaberta ao olhar para casa que estava a minha frente.Esses ricos de merda que não sabem dar valor ao dinheiro suado que eles mesmo ganham, desço do carro irritada.— Está casa é sua? — pergunto indignada chutando sua bunda.Como ele não esperava o ataque repentino bate a cabeça no porta-malas do carro que estava aberto, pois estava pegando as malas.— Sua cretina. — Me lança um olhar mortal passando a mão na cabeça onde havia batido. — Se você quisesse algo mais simples ficasse em um hotel — grita irritado.Sorrio cruzando os braços. Irritar Robert sempre foi algo maravilhoso e nem depois de longos anos ele não perde seu jeito explosivo e carrancudo.O bom de tudo isso é que posso usar sua própria fúria contra ele mesmo.— Você me odeia é isso? — Faço um b
Sei que não deveria estar tão focada nesta vingança, também sei que antes de planejar qualquer ataque ao inimigo, devemos analisar o seu território e é exatamente isso que farei esta noite. Depois de chegar a Itália acreditei que teria um tempo para visitar os meus lugares preferidos como o Coliseum, que apesar de ser um lugar antigo me chama a atenção. Queria também dedicar um tempo especial a Robert que sempre cuidou de mim, mas a vontade de encontrar Dante se sobrepõe a todas as outras em meu coração, eu não poderia perder uma oportunidade tão grande como está de entrar diretamente na toca do Dragão. A semana passou rápido e meu foco ficou voltado para a festa que me espera está noite. Robert tentou de todas as maneiras me convencer a mudar de ideia, mas meus pensamentos estão ligados ao Dragão. Vejo meu reflexo e me sinto satisfeita com a minha imagem. O vestido que escolhi realça minhas curvas deixando-as delineadas. Como não quero chamar atenção
Procuro não focar em detalhes como esses, logo que entro surpreendo-me com a beleza do hall de entrada, não lembrava ser tão deslumbrante. Lembro que no passado essa casa era mais sombria e rústica, na verdade, um lugar mais antigo, hoje o toque de modernidade misturado a antiguidade deixa o local mais charmoso e luxuoso. Acredito que jamais vou deixar de me surpreender com essa família, tanto em sua audácia quanto em suas traições. Fiquei encantada com a reforma nas escadas laterais que levam ao segundo andar, a substituição do piso de madeira pelo granito ficou impecável, como tudo ali presente. O local tem tons de bege e marrom escuro, o corrimão preto das escadas quebra o tom de seriedade dando um charme inusitado, o grande lustre do hall de entrada fica logo acima da mesa redonda entre as duas escadas, as poltronas de couro preto encostadas nas paredes dão um ar de mistérios e seriedade, tudo naquele espaço é surpreendente. — Qual o seu nome senhorita? —
Meu coração se acelera e minhas pernas ficam bambas, essa aproximação repentina faz meus sentidos rodarem e um torpor estranho invadir minha mente. — Dan. — Acabo chamando-o pelo apelido que costumava chamá-lo e ele franze a testa em surpresa. Meu coração descompassado não colabora com minha respiração desregular e por mais que tente me acalmar, vê-lo tão próximo me assusta coloca em prova todos os meus sentidos, porém foi um erro chamá-lo daquela maneira. — Oras se não é Dante Voyaller o Dragão de Veneza. — Sorrio irônica puxando meus pulsos, mas ele mantém seu aperto olhando dentro dos meus olhos. Sustento seu olhar encarando-o por incontáveis minutos, ele me observa intrigado com suas sobrancelhas franzidas enquanto seu perfume invade cada vez mais meus sentidos tirando minha concentração. Seu olhar se mantém firme nos meus mais demonstra um misto de dúvida e incerteza. Perdido em seus pensamentos seu semblante de irritação muda para
Dante VoyallerObservo as pessoas que passeiam no jardim da minha casa enquanto saboreio o gosto amargo do whisky que desliza pela minha boca. Adoro o gosto forte e amadeirado que queima minha garganta.Entre um gole e outro observo a variedade de pessoas falsas que existe no mundo, ou melhor dizendo, no meu jardim. Vários empresários, vereadores e mafiosos conversando entre si.Suspiro semicerrando os olhos e imagino como seria prazeroso acertar a cabeça de cada um com minhas Taurus gêmeas. Passo a mão pelas minhas armas que estão presas em minha cintura.Odeio cada pessoa presente nesta festa, mas negócios são negócios, amizade a parte. Se eles querem fazer parte do meu jogo então deixem que dancem nas minhas mãos.Balanço levemente o copo de whisky vendo o líquido âmbar girar.Aprendi da pior maneira que nada mudaria o
Dante VoyallerIvi é a minha perdição, minha destruição, jamais vou esquecer aqueles cabelos cor de fogo correndo pelo jardim enquanto me desafiava. O que me motivava a continuar vivendo dia após dia era protegê-la e mantê-la em meus braços.Sinto um tremor percorrer meu corpo ao lembrar dos seus olhos castanhos esverdeados cheios de amor e ternura. Um vazio cresce dentro do meu peito e se instala em meu coração quando lembro a decepção que aqueles olhos me encaravam no dia da sua morte. Jamais me esquecerei da dor de vê-la gritando meu nome ao me ver puxando o gatilho.Eu tentei salvá-la, juro que tentei, mas tudo o que fiz não foi o suficiente.Fecho os punhos ao ver a porta do quarto se abrir e rapidamente fechar. Ela tranca a porta suspirando aliviada, está tudo escuro, mas posso ouvir sua respiraç&
Estou a três dias trancada em um maldito quarto, dias estes sem poder fazer nada. O pior de tudo não é ficar sem comer, isso eu consigo tirar de letra. O que me irrita é não ter o que fazer, sem um livro, uma revista, meu celular, meu dia se resume em ficar deitada nesta cama dura e fria.Não me arrependo de ter acertado um belíssimo tapa em Dante, mas ele não avisou que seria obrigada a ficar em um quarto deplorável, sem janelas, sem banheiro e sem uma porcaria de um relógio para saber quanto tempo ainda me resta aqui.Perdi as contas de quantos carneirinhos saltitantes já contei para passar meu precioso tempo de vida desperdiçado neste quarto imundo e sujo. Ele poderia ter tido o mínimo de consideração e me colocar em um quarto digno. Sou obrigada a fazer minhas necessidades em um balde que fica ao lado da cama. Isso realmente é um tremendo exagero.D