Karina
Meu nome é Karina Oliveira, tenho 27 anos e trabalho como auxiliar administrativa em uma pequena empresa de logística. A vida nunca foi fácil, mas também nunca fui de reclamar. Apesar de ganhar pouco, consigo manter minha independência e ajudar Mariana, minha melhor amiga, que sempre pode contar comigo nos momentos difíceis. Eu a conheci há alguns anos, quando começamos a trabalhar juntas em uma antiga empresa de telemarketing. Desde então, nossa amizade se fortaleceu, e hoje sou quase uma tia para a pequena Isabela, a filha dela, que tem apenas quatro meses. Naquela manhã, enquanto fazia minha mala para uma viagem de trabalho, meus pensamentos estavam em Mariana. A doença dela me preocupava profundamente. Eu sabia que ela estava tentando ser forte, mas era visível o quanto ela estava assustada. O tratamento contra o câncer não seria barato, e, mesmo que ela tentasse esconder, eu sabia que estava enfrentando dificuldades financeiras. A viagem era curta, apenas dois dias em outra cidade para participar de um treinamento obrigatório. Apesar de ser algo simples, era a primeira vez que eu me afastava de Mariana desde que ela recebeu o diagnóstico. Por mais que eu quisesse ficar, não podia perder essa oportunidade. Prometi a mim mesma que voltaria o mais rápido possível e que manteria contato o tempo todo. Assim que cheguei na cidade, fui direto para o hotel. O treinamento começaria à tarde, e eu tinha algumas horas livres. Resolvi sair para conhecer a região e, enquanto caminhava, parei em um café aconchegante no centro da cidade. Foi ali que o inesperado aconteceu. Estava sentada, tomando um cappuccino e revisando as anotações para o treinamento, quando ouvi uma voz masculina chamando meu nome. Olhei para cima, e lá estava ele: alto, bem vestido, com um olhar surpreso e, ao mesmo tempo, curioso. — Karina? É você? Demorei alguns segundos para reconhecê-lo, mas então tudo fez sentido. Era Leonardo, o pai da Isabela. — Leonardo? — perguntei, surpresa. Ele sorriu e se aproximou. Confesso que fiquei desconfortável. Não sabia como reagir, mas também não queria causar uma cena. Ele se sentou na minha frente, sem pedir, e me olhou com aquele ar confiante que sempre me incomodou. — Quanto tempo, hein? — ele começou. — Achei que nunca mais veria alguém daquela época. Balancei a cabeça, tentando manter a compostura. — Pois é... muito tempo mesmo. A conversa inicial foi educada, mas superficial. Ele falou sobre a vida dele, sobre como estava morando naquela cidade a trabalho, e depois perguntou por Mariana. A pergunta fez meu estômago revirar. — Mariana... como ela está? Nunca mais soube nada dela. Eu respirei fundo antes de responder. — Ela está doente, Leonardo. Está enfrentando um câncer. O rosto dele mudou completamente. A expressão confiante deu lugar a algo que parecia preocupação genuína. Ele inclinou-se para frente, os olhos fixos nos meus. — Meu Deus... ela está bem? Está se tratando? — Está tentando. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia. — Mas o tratamento é caro, e ela está fazendo o que pode. Ele ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando a informação. Então, fez a pergunta que eu temia: — Karina, ela teve o bebê? Engoli em seco antes de responder. — Teve, sim. Os olhos dele se arregalaram, e, pela primeira vez, vi um misto de culpa e curiosidade em sua expressão. — Então... eu sou pai? Assenti, sem saber ao certo como ele reagiria. — Sim, Leonardo. Você é o pai da Isabela. Ele passou a mão pelos cabelos, visivelmente abalado. — E por que ela nunca me procurou? Por que você nunca me disse nada? Revirei os olhos, irritada. — Porque você deixou claro, Leonardo, que não queria nada com ela. Você é casado, lembra? Mariana estava sozinha e grávida, e teve que reconstruir a vida dela do zero. Ele suspirou, parecendo envergonhado. — Eu sei que errei, Karina. Eu sei que fui um idiota. Mas... se eu soubesse, teria ajudado. — Sério? Porque, naquela época, você só queria se livrar dela. Ele ficou em silêncio novamente, mas não desistiu. — Eu quero ajudar agora. Quero conhecer minha filha e fazer parte da vida dela. Fiquei desconfiada. Não era fácil acreditar em suas palavras, mas a imagem de Mariana lutando para pagar o tratamento me fez hesitar. — Leonardo, eu não sei se é uma boa ideia. Mariana está passando por muita coisa. — Por favor, Karina. — Ele segurou minha mão, e pela primeira vez vi algo que parecia sinceridade em seus olhos. — Me dá o endereço dela. Eu só quero ajudar. Se ela não quiser me ver, eu respeito. Mas quero ajudar com as despesas da Isabela. Eu fiquei dividida. Sabia que Mariana precisava de ajuda financeira, mas não queria trai-la de nenhuma forma. No entanto, a insistência dele parecia genuína, e a menção de Isabela mexeu comigo. — Você tem certeza de que quer ajudar? — perguntei, tentando medir suas intenções. — Tenho. Quero fazer o que é certo. Depois de alguns segundos de silêncio, acabei cedendo. Peguei um pedaço de papel e escrevi o endereço de Mariana, mas antes de entregá-lo a ele, fiz questão de ser clara: — Escuta, Leonardo. Se você aparecer na casa dela só para causar problemas, eu vou me arrepender amargamente de ter feito isso. Mariana não merece mais dores do que já tem. Ele assentiu, pegando o papel com cuidado. — Eu prometo, Karina. Só quero ajudar. Não sei se fiz a coisa certa, mas, naquele momento, parecia a única opção. Leonardo parecia disposto a ajudar, e, mesmo com minhas dúvidas, torci para que ele estivesse sendo sincero. Mariana precisava de apoio, e, se ele realmente pudesse contribuir, talvez fosse um alívio para ela. Nos despedimos ali, e eu voltei para o hotel com a mente cheia de pensamentos. A viagem mal tinha começado, e eu já me sentia esgotada. Sabia que teria que contar a Mariana o que aconteceu, mas esperava que ela entendesse minhas intenções. À noite, enquanto estava deitada na cama do hotel, peguei o celular e mandei uma mensagem para ela: "Mari, preciso te contar uma coisa assim que eu voltar. É sobre alguém do seu passado. Te amo e estou aqui, sempre." Desliguei o celular e fechei os olhos, esperando que, no fim, tudo desse certo. Mariana precisava de ajuda, e eu só queria o melhor para ela e para Isabela.MarianaEu estava sentada no sofá, tentando alimentar Isabela enquanto a cabeça fervilhava de pensamentos sobre o próximo passo no tratamento. Não era fácil. Cada nova preocupação parecia puxar outra ainda maior, como uma corrente sem fim. O barulho da chave girando na porta me tirou dos devaneios, e Karina entrou. Ela parecia apreensiva, com a bolsa pendurada no ombro e o rosto sério.— Voltei, Mari. — Ela tentou sorrir, mas dava para ver que algo estava errado.— Como foi a viagem? — perguntei, sem muita energia, enquanto ajustava Isabela no colo.— Foi boa, mas... eu preciso falar com você.Aquela frase acendeu uma bandeira vermelha na minha cabeça. Eu conhecia Karina bem o suficiente para saber que, quando ela começava assim, vinha algo que eu provavelmente não ia gostar.— O que foi? — perguntei, endireitando a postura.Karina sentou-se na poltrona à minha frente e respirou fundo, como se estivesse se preparando para um mergulho profundo.— Eu encontrei alguém durante a viagem.—
LeonardoEu nunca fui um homem de muitas limitações. Sempre fiz o que queria, quando queria. Minha vida foi construída assim: um equilíbrio perfeito entre o que eu precisava fazer para manter as aparências e o que me dava prazer. Meu casamento com Clara é um exemplo disso. Casamos jovens, e ela sempre foi o tipo de mulher que qualquer homem gostaria de ter ao lado. Elegante, bonita e, principalmente, rica.Com Clara, construí uma vida confortável, sem grandes preocupações financeiras. Ela bancou os meus luxos e me permitiu viver como eu quisesse, desde que eu mantivesse a fachada de marido perfeito. Por um tempo, isso foi suficiente. Mas, com o passar dos anos, a monotonia me cansou, e eu comecei a buscar algo mais... excitante. Foi assim que conheci Mariana.Mariana era exatamente o oposto de Clara. Jovem, cheia de vida, com aquele brilho nos olhos de quem ainda acreditava no mundo. Ela trabalhava em um telemarketing, me ligava constantemente para oferecer serviços que eu nunca iria
Mariana O dia começou com o peso de sempre. Cada manhã parecia uma batalha para encontrar forças e encarar a realidade, mas, dessa vez, havia algo diferente. Talvez fosse a calma que o Dr. Henrique transmitiu na última consulta ou o simples desejo de que, de alguma forma, tudo isso pudesse terminar bem. Peguei Isabela no colo, beijando seu rostinho suave. Seus olhos brilhavam de alegria, como se fossem imunes a todo o caos ao nosso redor. Aquilo era meu maior consolo. Ela balbuciava sons incompreensíveis enquanto eu a entregava para Karina, que já estava em casa, como sempre, pronta para ajudar. Mariana — Obrigada por ficar com ela, Karina. Não sei o que faria sem você. Karina — Para com isso, Mari. Você faria o mesmo por mim. E, além disso, é só cuidar de uma fofura como essa. Ela sorriu, pegando Isabela e começando a brincar com ela. Mariana — É que hoje eu estou mais nervosa do que o normal. Karina — Vai dar tudo certo. Você confia no Dr. Henrique, não confia? Eu assent
Leonardo O silêncio na sala de estar era pesado, como se cada palavra tivesse o peso de uma montanha prestes a cair. Clara estava sentada com uma taça de vinho nas mãos, o olhar fixo no copo, mas sua mente claramente distante. Eu sabia que algo estava errado, que algo precisava ser dito, mas não sabia exatamente como começar. Leonardo — Clara, eu preciso te contar algo importante. Ela me olhou, os olhos passando de uma expressão calma para uma leve curiosidade. Ela sabia que algo estava prestes a acontecer, mas não imaginava o que. Eu podia ver isso em seu rosto. Clara — O que aconteceu? Você parece estranho. Eu respirei fundo. Não queria fazer isso, mas sabia que tinha que ser agora. A última coisa que eu queria era continuar com segredos entre nós. Leonardo — É sobre... uma criança. Clara arqueou uma sobrancelha, claramente confusa. Clara — Uma criança? Como assim? Eu me movi para mais perto, sem saber muito bem como as palavras sairiam. Leonardo — É uma criança que.
Mariana Eu sempre soube que minha vida não seria fácil, mas ser mãe solteira aos 22 anos me trouxe uma realidade que eu nunca imaginei. Minha filha, Isabela, nasceu há quatro meses e trouxe uma alegria imensa para o meu coração, mas também trouxe muitas dificuldades. Eu sabia que ser mãe jovem, sem um parceiro ao meu lado, não seria fácil, mas a felicidade que Isabela me dava fazia tudo valer a pena. Eu me levantava todos os dias com um sorriso no rosto, por ela. Ela era a razão da minha existência agora, a razão pela qual eu lutava todos os dias. Naquela manhã, no entanto, algo estava diferente. Eu estava cansada, exausta, e o corpo não parecia responder como antes. Eu sentia uma dor estranha, uma pressão no peito que me fazia parar de vez em quando, como se estivesse tendo dificuldades para respirar. Mas, claro, como mãe, eu apenas empurrei para o fundo da minha mente e continuei com minha rotina. Isabela não iria esperar, ela precisava de mim. Mas o cansaço não passava. A do
Mariana O som suave da respiração de Isabela preenchia o quarto naquela manhã. Ela dormia em meu colo, com os bracinhos jogados para o lado e a boquinha ligeiramente aberta. Fiquei observando cada detalhe dela: os cílios pequenos, as bochechas rosadas e os dedos minúsculos que se moviam como se estivessem sonhando. Uma mistura de amor e angústia dominava meu coração. Eu a segurei com cuidado, tentando não acordá-la, mas precisava me levantar. A consulta no centro oncológico seria hoje. Era um passo difícil, mas eu sabia que precisava de ajuda para enfrentar o que vinha pela frente. — Meu amor, a mamãe vai cuidar de você... sempre que puder. — Sussurrei, beijando sua testa delicadamente. A pequena se mexeu, abrindo os olhos e olhando para mim com aquele brilho inocente que iluminava os cantos mais escuros da minha alma. Ela sorriu e estendeu a mãozinha, tocando meu rosto. — Você nem sabe o quanto me dá força, Isa. — Sorri, tentando disfarçar a dor que carregava. Depois de
Dr. HenriqueMeu nome é Henrique Duarte, tenho 38 anos, e sou oncologista. Para muitos, minha profissão parece ser um trabalho pesado demais, cheio de histórias tristes e desafios que testam os limites emocionais de qualquer um. Mas, para mim, ser oncologista nunca foi apenas uma escolha profissional. Foi uma promessa. Uma forma de transformar minha dor em algo maior, em algo que pudesse fazer diferença.Quando entrei na faculdade de medicina, como muitos jovens, eu queria salvar vidas. Mas a verdade é que ainda não sabia como faria isso. Não sabia que minha especialidade seria escolhida no momento mais doloroso da minha vida. Gabriela, minha esposa, era o meu mundo. Minha companheira, meu equilíbrio, meu futuro. Quando ela foi diagnosticada com câncer de pâncreas em estágio avançado, tudo que eu conhecia como certo desmoronou.Eu tinha apenas 27 anos. Estava cheio de sonhos e planos ao lado dela. Mas, de repente, nossa vida foi tomada por exames, consultas e tratamentos. Foi uma guer
Mariana Quando entrei em casa, o cheiro familiar de café me envolveu, e pude ouvir a risada suave de Karina vindo da sala. Ela estava lá, como sempre, me esperando com a paciência de uma amiga que se importa, cuidando da minha pequena, Isabela, enquanto eu estava no médico. Isabela estava com ela no sofá, brincando com um ursinho de pelúcia, feliz e tranquila, sem perceber a tempestade que estava se formando na minha vida. Karina levantou-se e me cumprimentou com um sorriso acolhedor, mas logo percebeu que meu humor estava longe de ser bom. Não precisei dizer nada. Ela sabia. — Como foi? — ela perguntou, a preocupação evidente na voz. Eu respirei fundo antes de responder, sentando-me no sofá ao lado dela. O olhar de Karina era como uma âncora, me mantendo ali, me fazendo sentir que não estava sozinha. Mas, no fundo, eu me sentia. Eu estava sozinha nessa batalha, sem saber como ia enfrentar o tratamento, como conseguiria cuidar de Isabela e lidar com essa doença ao mesmo tempo. —