Leonardo O silêncio na sala de estar era pesado, como se cada palavra tivesse o peso de uma montanha prestes a cair. Clara estava sentada com uma taça de vinho nas mãos, o olhar fixo no copo, mas sua mente claramente distante. Eu sabia que algo estava errado, que algo precisava ser dito, mas não sabia exatamente como começar. Leonardo — Clara, eu preciso te contar algo importante. Ela me olhou, os olhos passando de uma expressão calma para uma leve curiosidade. Ela sabia que algo estava prestes a acontecer, mas não imaginava o que. Eu podia ver isso em seu rosto. Clara — O que aconteceu? Você parece estranho. Eu respirei fundo. Não queria fazer isso, mas sabia que tinha que ser agora. A última coisa que eu queria era continuar com segredos entre nós. Leonardo — É sobre... uma criança. Clara arqueou uma sobrancelha, claramente confusa. Clara — Uma criança? Como assim? Eu me movi para mais perto, sem saber muito bem como as palavras sairiam. Leonardo — É uma criança que.
Clara Meu nome é Clara, tenho 32 anos. Durante grande parte da minha vida, sempre fui vista como a mulher que tinha tudo. Boa família, dinheiro, viagens, festas... Nada parecia estar fora do meu alcance. Sempre fui acostumada a conseguir o que queria, e, para ser sincera, talvez isso tenha me tornado um pouco mimada, egoísta. Mas a vida tem formas peculiares de nos ensinar que nada é tão simples quanto parece. Há um ano, tudo mudou. Um acidente brutal me colocou frente a frente com o pior pesadelo que eu jamais imaginei viver. Era uma tarde comum, o sol brilhava forte, e eu estava dirigindo de volta para casa depois de uma consulta médica. Estava distraída, pensando na minha próxima viagem com Leonardo, meu marido. Mas, em um piscar de olhos, o som de pneus cantando no asfalto, o impacto violento e o grito ensurdecedor de metal contra metal transformaram tudo. Fiquei semanas no hospital. Fraturas pelo corpo, dores inimagináveis, mas o maior golpe veio depois, quando o médico entro
Leonardo Eu entrei no quarto com o coração apertado, sabendo que a conversa com Clara não seria fácil. Ela estava organizando algumas roupas no armário, mas, assim que me viu, sua expressão mudou. Eu já sabia o que vinha a seguir. — O que foi agora, Leonardo? — ela perguntou, sem nem me dar tempo de falar. — Você está com essa cara de quem vai dizer alguma coisa que eu não vou gostar. Respirei fundo antes de começar. — Amanhã eu vou viajar — disse, tentando manter a voz calma. Ela parou o que estava fazendo e me olhou fixamente, cruzando os braços. — Viajar? Pra onde? — Pra cidade da Mariana. O silêncio que veio depois foi quase insuportável. — E por que você precisa ir até lá? — ela perguntou, cada palavra carregada de desconfiança. — Porque eu preciso falar com ela pessoalmente — respondi, tentando me manter firme. — Quero resolver isso do jeito certo. — Resolver o quê, Leonardo? Já sabemos que ela está doente. Ela não tem condições de cuidar de uma criança. Por que você
Mariana Era uma daquelas manhãs frescas que pareciam convidar a gente a sair de casa. Depois de dias tão pesados, com consultas e exames, eu decidi que Isabela merecia um pouco de ar fresco. Preparei o carrinho dela, peguei a bolsa com as coisas que sempre levo e saímos para o parque. A caminhada foi tranquila. O parque estava calmo, com poucas pessoas aproveitando o início do dia. Algumas mães estavam sentadas em bancos, conversando, enquanto os filhos brincavam próximos a elas. Outros caminhavam ou corriam ao redor da pista. Havia algo de pacífico ali, algo que me fez respirar mais fundo e sentir um pouco de alívio. Empurrando o carrinho, observei Isabela mexendo as mãozinhas e sorrindo para o céu, completamente entretida com as folhas que balançavam acima. — Você gosta disso, não é? — perguntei, ajeitando a mantinha dela. E então eu o vi. Não era difícil reconhecer o Dr. Henrique, mesmo sem o jaleco. Ele estava correndo pela pista, os passos firmes e cadenciados, vestindo roup
Henrique No hospital, a ideia de visitar Mariana e Isabela não saía da minha cabeça. Peguei o celular e mandei uma mensagem para Luiza, a recepcionista: — Oi, Luiza. Tudo bem? Preciso de um favor. Consegue me passar o endereço da paciente Mariana Nunes? Poucos minutos depois, ela respondeu com o endereço. Respirei fundo. Não queria parecer invasivo, mas sentia que precisava fazer algo por elas. Saí mais cedo e, antes de ir para o apartamento, fiz algumas paradas. Primeiro, entrei em uma loja de brinquedos. Depois de andar pelos corredores, escolhi um mordedor colorido, com formato divertido, ideal para bebês como Isabela. De lá, segui para uma floricultura. Escolhi um buquê simples, mas elegante, com lírios e rosas brancas. Pensei em como flores sempre trazem um toque de leveza e alegria a qualquer ambiente.
MarianaEu estava tão nervosa enquanto arrumava tudo na cozinha. O jantar com Henrique tinha sido um turbilhão de emoções, e agora, estava ali, esperando a Karina chegar. O pensamento de contar a ela o que aconteceu naquela noite me fazia apertar o estômago de ansiedade, mas ao mesmo tempo, sabia que não havia outra pessoa a quem eu pudesse confiar mais. Karina era a minha amiga, e sempre soube exatamente o que dizer.A campainha tocou e eu pulei da cadeira. Abri a porta, e lá estava ela, com aquele sorriso curioso e os olhos brilhando, esperando ouvir cada detalhe.— Como foi? – ela perguntou assim que entrou, sem rodeios, mas com aquele olhar que só ela sabia dar, como se soubesse que havia algo a mais na história.Eu a conduzi até a sala e me sentei no sofá, cruzando as pernas, tentando controlar a ansiedade. Respirei fundo, e então, comecei.— Karina... Foi tudo muito... intenso, sabe? Não sei nem como começar.Karina sentou
Leonardo Cheguei ao bairro dela com o coração batendo mais forte do que eu esperava. Era um lugar simples, um contraste enorme com o mundo que eu conhecia, mas ao mesmo tempo tinha uma sensação de acolhimento no ar. As ruas estreitas, as casas modestas, tudo parecia ter uma história, mas nenhuma delas era a minha. O prédio onde ela morava era pequeno, de fachada simples e portão de ferro, como tantos outros por ali. Quando bati na porta, o som ecoou no corredor, e minha mente ficou a mil. Não sabia o que ela ia dizer ou fazer. O passado pesava sobre nós, e eu não tinha certeza de como seria recebido. Mas a única coisa que eu sabia era que precisava estar lá, precisava vê-la, e principalmente, ver minha filha. Quando a porta se abriu, meu estômago deu um nó. Mariana estava ali, com aquele olhar que me confundia, mas o que me pegou de surpresa foi a presença de um homem ao lado dela. Ele estava com Isabela nos braços, minha filha, e aquilo me paralisou por um segundo. O homem olhou
Leonardo Estava sentado no banco do carro, o celular na mão e a cabeça a mil por hora. A visita à casa de Mariana não tinha saído como eu esperava. Ela me afastou com um simples gesto de repulsa, e o que vi dentro daquele apartamento só fez a raiva crescer. Mariana estava com um homem – não apenas qualquer um, mas um tipo de homem que parecia importante. Ele estava com minha filha no colo, e Isabela, que até então eu acreditava que nunca teria uma ligação com outro homem, parecia confortável com ele, sorrindo, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Eu tentei me controlar, mas a impotência tomava conta de mim. Mariana me afastado. E esse homem – quem era ele? Karina não mencionou ninguém, e agora ali estava ele, com minha filha, compartilhando momentos que eu deveria estar vivendo. A sensação de traição me corroeu por dentro, mas eu sabia que não podia agir por impulso. A situação não era simples, e por mais que eu quisesse, não seria fácil afastar Isabela de Mariana. Resp