KIARA
Meus pés estão inchados. Foram tantas horas na sala de cirurgia que não poderia haver outro resultado. Meu paciente estava por um fio, a maioria dos seus órgãos comprometidos por causa do acidente no canteiro de obras em que trabalha. Ele caiu de uma altura de cinco metros. Se não fosse seu equipamento de segurança, o estrago seria maior. Seu capacete o salvou de ter sérios problemas cerebrais.
Sento-me no banco do vestiário e respiro aliviada ao retirar meus sapatos. Meus pés agradecem por estarem livres do aperto que o inchaço causou. Estou pensando seriamente em comprar sapatos com número acima do meu para essas ocasiões, porque a sala cirúrgica é uma incógnita: uma vez lá dentro, não temos previsão de quando sair.
Ser uma cirurgiã-geral requer muitas horas de trabalho. Sou solicitada a todo tempo na emergência, tem dias que nem consigo atender a todos os pacientes que vêm até a mim à primeira vista com problemas menos graves. Trabalhar em um grande hospital tem suas peculiaridades.
— Doutora Vitalle — a enfermeira Sandra me chama. — Desculpe-me, mas a senhora tem uma cirurgia marcada para amanhã às quatorze horas — diz constrangida, pois amanhã seria minha folga. Estou praticamente vinte e quatro horas por dia nesse hospital.
Com um sorriso fraco no rosto, verifico o prontuário do paciente. Ele se chama Frank. Respiro aliviada quando vejo que se trata de uma hérnia abdominal, a do paciente é epigástrica, isso significa que está localizada acima do umbigo, no local da junção dos músculos do abdômen. Esse tipo de hérnia é caracterizado por um buraco, permitindo a saída de tecidos, formando uma saliência visível fora da barriga. A cirurgia é simples. Vou reintroduzir os tecidos na cavidade abdominal, se for necessário usarei uma tela. A hérnia é causada por enfraquecimento do músculo da parede abdominal, muitos são ocasionados pelo excesso de peso ou por fazer grandes esforços.
Devolvo o prontuário para a Sandra e sorrio aliviada por não ter que ficar por horas na sala de cirurgia na minha “folga”.
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Abro a porta do meu apartamento, acendendo a luz, e a tranco com a chave e todas as trancas que possuo, que são três. Algumas amigas dizem que é exagero, que meu condomínio é seguro, mas sou precavida. Uma mulher vivendo sozinha no centro de Florença é um alvo fácil não só para assaltantes, como também para abusadores. Infelizmente, trato muitos casos de violência sexual no hospital, em sua maioria o agressor é de fora da cidade.
Desfaço dos sapatos e praticamente me arrasto para o sofá. Meu corpo está dolorido devido às horas que permaneci em pé entre uma cirurgia e outra. Alguns minutos depois, me obrigo a me levantar, retirando minha roupa enquanto caminho para o banheiro. É umas das vantagens de morar sozinha. Entro no banheiro do meu quarto e meu corpo recebe grato a água morna do meu chuveiro, meus músculos relaxam.
Com o corpo limpo, pego um pijama no meu armário, visto a calça e a camisa, que é de manga comprida, pois a noite está fria. Na cozinha, pego uma salada de frango que está há dois dias na geladeira. Nessa hora, sinto falta da comida quente e saborosa que minha mãe me dava todos os dias quando eu chegava em casa. Termino a refeição e me jogo no sofá. Ligo a tv e, com o controle, navego pelos canais até estacionar no canal de notícias.
Mais um banho de sangue na cidade. Segundo testemunhas, tudo indica que uma conhecida e poderosa organização mafiosa eliminou nessa tarde um grupo de traficantes em uma casa no subúrbio. Foi encontrado, junto com os corpos, uma grande quantidade de entorpecente. Não sabemos ao certo o motivo, pois as drogas foram deixadas no local. Vamos falar ao vivo com o detetive Mota.
— Detetive, a quem o senhor atribui esse crime? Segundo algumas testemunhas, foi uma famosa organização mafiosa.
— O que apuramos até agora é que se trata de uma disputa de território entre traficantes. Devido ao seu poderio de fogo, algumas pessoas associaram o ataque aos homens da máfia, organização que não podemos garantir a existência em nossa cidade.
Estou chocada com esse detetive. Todos os italianos sabem que a máfia existe e que manda e desmanda no nosso país. Como muitas autoridades, esse detetive deve ser mais um na lista de pagamento deles. Esse tipo de pessoa me deixa doente. Como pode eu, uma cidadã íntegra, cumpridora da lei, viver em uma cidade onde foras da lei que decidem sobre minha vida? Já ouvi histórias horríveis sobre esses homens. A que me deixou mais perplexa foi de um chefe da máfia que eles chamam de Don, que sequestrou uma jovem para ser sua esposa. Ele obrigou a jovem a se casar com ele contra sua vontade, como pagamento de uma dívida. Eu preferia a morte a viver com um homem desses.
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Levanto-me, espreguiçando-me. Faço minha higiene matinal e decido dar uma volta no parque. Fico tantas horas dentro do hospital que quase não aproveito um dia lindo de sol como o de hoje.
Três homens grandes passam por mim correndo. Apesar de terem se movimentado rapidamente, notei que eles são do tipo que não vemos com frequência transitando pela rua, muito menos correndo em um parque. Continuo minha caminhada em passos lentos, meu intuito é aproveitar esse dia ensolarado antes de ir para o hospital.
Poucas pessoas caminham pelo parque. Estamos no meio da semana, geralmente as famílias vêm no final de semana. Atravesso o parque por debaixo da ponte, chegando em uma parte onde nas laterais da rua temos apenas uma vegetação densa, o ar aqui é mais leve. De repente, um homem de altura mediana, negro, vestindo uma calça jeans e uma camisa de algodão azul surge na minha frente. Assusto-me com sua aparição repentina, provavelmente estava escondido entre as árvores.
Ele segura em meus braços. Tento fugir, mas não consigo. Grito por socorro, mas é inútil, não tem ninguém nesse lugar. Em desespero, chuto suas partes íntimas; ele me xinga e geme de dor. Suas mãos seguram seu sexo, e nesse momento aproveito para correr. Enquanto corro, seco as lágrimas que brotam dos meus olhos e que atrapalham minha visão. De vez em quando, olho para trás e não vejo nem sombra dele.
Meu corpo vai de encontro a uma parede humana que segura meus punhos. É ele, o homem que vi correndo. Assustada, com meus olhos arregalados, tento me soltar do seu aperto. Os dois homens que estão ao seu lado observam sem dizer nada.
— Olha por onde anda — ele diz zombeteiro. Mesmo com medo, é impossível não observar o quanto ele é bonito, mas seus olhos são de uma frieza que me deixa arrepiada. Percebo que ainda não estou salva, e se esse homem também for um estuprador? Por mais que me esforce, não consigo me livrar do seu aperto. Ele é bem maior e mais forte do que o outro homem.
— Por favor, não me machuque — imploro. Sinto-me apavorada só de imaginar o que eles podem fazer comigo. Ele solta meus pulsos, e sem pensar me afasto com dois passos para trás. Ele não se movimenta, dou mais dois passos. Ele continua observando-me. Viro-me e corro, meu coração bate fortemente, a adrenalina toma todo meu corpo. Tão logo faço a curva, vejo o homem que me atacou. Quando seus olhos se deparam com os meus, ele corre em minha direção.
Com o corpo trêmulo, minha mente trabalha fervorosamente. Que opções tenho? Voltar e ser abusada por aqueles três homens, ou ficar e ser abusada por esse homem? Meu peito sobe e desce, meu coração bate forte e rápido. Suas mãos sujas envolvem meu corpo que está imóvel.
— Sua putinha, você vai me pagar. Vou te foder até você desmaiar.
Sua mão agarra meu cabelo que está preso em um rabo de cavalo. Volto a mim com a dor que sinto, a força que ele faz é tão grande que caio sentada. Meu cóccix bate no chão, ele me arrasta. Grito, peço socorro, e ele grita com tom raivoso:
— Cala a boca, vagabunda.
Chuta minhas costas. A dor que sinto, misturada com o medo, me corrói. Meu agressor me arrasta pelo asfalto, minha cabeça bate algumas vezes no chão. Fico zonza, vejo tudo nublado, todo meu corpo lateja de dor, principalmente meu cóccix, costas e minha cabeça.
Ouço barulho de pessoas conversando e rindo. Meu agressor está tão imbuído em sua tarefa que não percebe que alguém se aproxima. Ele me arrasta em direção à mata selvagem, meus cabelos parecem que serão arrancados pela raiz. A dor é muito grande. Minha cabeça bate novamente no chão, dessa vez mais forte.
— Por favor, não faça isso — peço com a voz fraca. Tudo ao meu redor está rodando, minha cabeça dói. A forte batida deve ter me causado uma concussão.
Acontece tudo tão rápido. Meu agressor é jogado longe, ouço dois tiros e apago.
ENZOCorro pelo parque como faço quase todas as manhãs, acompanhado de dois soldados, Dante e Assis, os gêmeos. Correr e me manter em forma faz parte do meu treinamento. Muitas vezes enfrento homens tão fortes quanto eu, preciso sempre estar preparado. Aumento o ritmo da corrida, abandonando algumas pessoas e deixando meus homens para trás. Eles resmungam, e sorrio.— Vocês parecem umas donzelas — digo. Os gêmeos fecham a cara, rio alto. No caminho de volta, uma mulher vem correndo em nossa direção. Ela corre como estivesse fugindo, a todo tempo olha para trás. Seu semblante parece o de uma pessoa atordoada. Propositalmente, não me afasto quando percebo que ela vai me atropelar. Seu corpo de curvas perfeitas vem de encontro ao meu.— Olha por onde anda — digo. Seus olhos estão arregalados, sua mente trabalha por alguns segundos. Observa meu rost
ENZOHá alguns anosEstou tão ansioso. Meus sapatos parecem que irão abrir um buraco no fundo de tanto que ando de um lado para o outro dentro do meu quarto. Daqui a poucas horas, irei me casar com a mulher da minha vida, a mulher que me deixa sem fôlego, que faz meu pau ficar duro só de pensar nela. Lembro-me como se fosse hoje o dia em que a conheci na faculdade. Seus cabelos negros e cacheados, sua pele escura e seus olhos negros como a noite me encantaram. Desde então, não consegui mais tirar meus olhos dela.Nosso primeiro beijo foi perfeito. Naquele instante, soube que ela seria minha. Antonella se tornou minha obsessão, tudo é para ela, por causa dela, e finalmente hoje será oficialmente minha. Minha cazzo!— Está pronto, figlio? — mio padre pergunta assim que entra no meu quarto. Respiro fundo e maneio a cabeça. E
Dias Atuais - ENZOEntro na mansão Mancinni, feliz por estar em casa novamente. Por mais que ame morar em Florença, esse é meu lar. Meu coroa reúne mensalmente toda a família na mansão. Nossas obrigações com a famiglia e a distância dificultam o convívio, nos comunicamos apenas por telefone, ou via internet. Apenas Pietro reside próximo a mio padre e ao Lorenzo.Por falar em Pietro, fico surpreso em ver Bianca conosco, ela raramente participa das nossas reuniões. Não sei como é o relacionamento dela com mio fratello, ele é muito fechado, mas aparentemente eles parecem se dar bem. Bianca é uma moglie muito bonita, tranquila e doce. Mio fratello é um cara de sorte. Quando me vê, Rico corre para meus braços. Meu sobrinho é um ragazzo maravilhoso e muito inteligente, agr
ENZOVejo-me parado na porta do hospital esperando por ela, como se realmente estivesse esperando-a para irmos juntos. Observo seus passos, que demostram cansaço. Minha vontade é de carregá-la em meus braços e levá-la para casa. Prometi a mim mesmo me afastar, mas a vontade de cuidar dela é mais forte do que eu. Desde que voltei de Roma, da reunião mensal na casa do mio padre, meus dias têm se resumido a trabalhar e observar a Kiara. Tenho a necessidade de saber se ela está bem, se nenhum maledetto vai tocá-la. Tenho agido como a porra de um stalker; tento evitar, mas é mais forte do que eu.Kiara entra no seu carro e, como nos outros dias, dá duas voltas no quarteirão antes de entrar na garagem do seu prédio. Sorrio, pois, com todo seu cuidado, ela não percebe que está sendo seguida por mim. Não consigo
KIARADepois de quatro dias internada no hospital onde trabalho e mais três dias na casa dos meus pais, finalmente estou em casa. Tudo o que mais quero é ficar no meu cantinho. Apesar do medo que sinto, nada melhor que meu lar. Adoro ficar na casa onde nasci, onde meus pais residem até hoje, porém, não via a hora de voltar para casa.Minha paranoia em relação à minha segurança aumentou. Hoje pela manhã, assim que cheguei, a primeira coisa que fiz foi pedir ao chaveiro que colocou minhas trancas que verificasse se elas estavam funcionando bem, se era necessário trocá-las. Ele deve ter achado que sou maluca, mas pouco me importei.Chega ser irônico toda essa minha preocupação com a minha segurança. Sempre fiquei atenta ao perímetro quando chegava durante à noite de carro, observava as ruas antes de abrir o portão do pr&ea
KIARAÉ isso mesmo? Isso não foi um convite, praticamente uma intimação.Enzo me dá as costas e se senta em uma poltrona da recepção. Mais uma vez, fico inerte, perdida em meus pensamentos. Nós dois não nos conhecemos, quer dizer, nunca fomos apresentados oficialmente. Nosso único contato foi naquele dia fatídico. Ele não se deu ao trabalho de perguntar se tenho compromisso, nem se quero jantar com ele. Há uma luta interna em mim. O meu medo de estar sozinha com um homem novamente me diz para dizer não, mas a parte sensata em mim diz para dizer sim, afinal, não se trata de qualquer homem, e sim do meu salvador, o homem a quem devo minha vida.— Você só tem dezoito minutos — ele diz assim que verifica seu relógio no pulso. Seus lábios exibem um sorriso de canto da boca. Mais uma vez, ajo feito uma idiota. Re
ENZOKiara fica surpresa quando a deixo na porta do seu condomínio, e imagino o motivo: não pedi seu endereço. Fizemos a viagem toda em silêncio. O assunto Antonella realmente me incomoda; pelo meu tom de voz, ela percebeu isso, por isso não arriscou a dizer nem uma palavra sequer. Meu motorista abre a porta do carro, ela desce, e desço em seguida para me despedir.— Buona notte — ela diz e vira as costas. Antes que dê mais um passo, seguro em seu braço. Sua pele se arrepia, ela fica tensa, parece com medo. Solto-a e levanto as mãos assim que ela me olha com seus olhos assustados.— Calma, sou eu. Enzo, lembra? — digo brincando. Ela solta a respiração audivelmente. Finjo procurar algo em seu rosto. Faço uma expressão de que tem algo errado; ela mexe nos cabelos, passa as mãos no rosto.— O quê? —
ANOS ATRÁS - MARCODesde o dia que fui escolhido para ser seu segurança pessoal, minha vida mudou completamente. Lembro-me como se fosse hoje. Estava parado próximo às escadas que ficavam logo atrás da porta. Meu chefe, que era seu pai, a chamou.— Pérola. — Olhei para o topo da escada. Quando a vi, meu mundo parou. Cada degrau que ela descia, fazia com que eu ansiasse que se aproximasse o mais rápido possível de mim. Seu vestido meia taça modelava seu corpo até a cintura. Na parte da saia, era rodado e me dava a visão perfeita de suas longas pernas torneadas. Sorria para seu pai enquanto descia e, porra, eu queria aquele sorriso só para mim.— Perola, esse aqui é Marco, um homem de minha confiança. A partir de hoje, será seu segurança particular.Enquanto meu chefe nos apresentava, não conseguia tirar meus