MIA
Vittorio apertou o volante com força, seus olhos faiscando de concentração enquanto ele manobrava o carro em meio ao caos. Eu podia ouvir sua respiração pesada, um contraste gritante com o som ensurdecedor dos tiros e dos pneus cantando ao nosso redor. O carro deu mais um giro brusco, e, por um momento, temi que capotássemos. Mas Vittorio conseguiu recuperá-lo com um movimento rápido e preciso.
Os gritos da multidão se misturavam ao eco dos disparos. Meu peito queimava de tanto gritar, mas não conseguia parar. O pânico me dominava, e eu tentava me agarrar a qualquer coisa, buscando um ponto de estabilidade em meio ao crescente terror.
— Por que eles estão fazendo isso? — perguntei, a voz elevada, o gosto amargo do medo se espalhando pela boca.
— Tenho minhas suspeitas — respondeu Vittorio
MIAAssim que chegamos à casa de Vittorio, respirei aliviada. Durante todo o trajeto de volta, eu me perguntava se outro perseguidor apareceria, se eu teria que matar alguém ou se nós sucumbiríamos à morte.Subimos as escadas em silêncio. Vittorio recusou minha ajuda, mas eu percebia que, a cada passo que ele dava, mais sangue escorria de seu ferimento. Quando finalmente chegamos ao corredor dos quartos, consegui fazê-lo se apoiar um pouco em mim. Mas assim que abri a porta do seu quarto, Vittorio se sentou no chão de madeira.— Pode ir tomar um banho e descansar, eu me viro daqui — disse ele, com a voz firme, mas exausta.Olhei para Vittorio e assenti, mas ao me virar para a porta, algo dentro de mim me fez parar. Eu sentia que precisava ajudá-lo.— Posso ajudar com alguma coisa? — perguntei, virando-me novamente para ele.Nesse momento, observei-o enfiar o indicador no ferimento e mexer ali dentro. Um mar de sangue escorreu pela ferida, e seu rosto se contorceu de dor. No entanto, u
MIA O ambiente ao nosso redor era abafado, cada detalhe carregado de uma atmosfera quase opressiva, como se as paredes de concreto absorvessem e devolvessem o calor dos nossos corpos. O quarto era espaçoso, mas cheio de sombras, a estante, com livros alinhados com precisão obsessiva. Ali, em meio ao cheiro de couro e páginas envelhecidas, senti o peso daquele espaço, que, de alguma forma, parecia cúmplice de Vittorio. O ar estava carregado de algo que oscilava entre o perigo e o desejo, como um fio fino e afiado que poderia se partir a qualquer momento. Estava no território dele, completamente à mercê de suas vontades. O que havia entre nós era intenso e arriscado, e naquele momento, entre o som abafado da minha respiração e o pulsar acelerado do meu coração, eu não sabia se deveria recuar ou avançar. Todas as memórias dos momentos com Vittorio invadiram minha mente como relâmpagos: sua presença esmagadora, a frieza nos olhos, e a pressão que ele exerci
MIAFranzi a testa, minha voz saindo firme, mas com uma leve tremida que talvez só eu perceba.— Eu não sei do que você está falando — respondi secamente. — Nem sei o que “calabrese” significa, como eu poderia conhecer essas pessoas?Vittorio se levantou lentamente, a sombra de seu corpo estendendo-se sobre mim como uma ameaça silenciosa.— Eles fazem parte da máfia da ‘Ndrangheta, originária da Calábria. Usam o dialeto calabrese para se comunicarem sem serem descobertos. Meu pai me obrigou a aprender isso quando eu tinha dez anos.O som de sua voz, enigmática e fria, ecoava no silêncio do quarto abafado, e o cheiro de pólvora e san
MIAOs dias pareciam se arrastar em um ciclo interminável.A luz do sol invadia o quarto pelas frestas da cortina, transformando a penumbra em um espetáculo de sombras dançantes no chão. Aquele retângulo de luz que cortava o quarto era meu único contato com o mundo exterior. Por três dias inteiros, minha rotina se resumiu a livros e refeições que Gisela me trazia, enquanto o silêncio da casa reverberava com minha solidão. Eu não via Vittorio desde aquela noite. Uma noite que deixara sua marca em mim de forma irremediável, como uma ferida que se recusava a cicatrizar.Mergulhada em um romance policial, os olhos quase já sem foco, fui interrompida pela porta se abrindo e pelo cheiro aconchegante de café fresco e pão. Gisela adentrou o quarto com uma bandeja, e o aroma trouxe um breve alívio, ainda que fugaz.— Senhorita, já está acordada? — ela perguntou, colocando a bandeja sobre a mesa ao lado.Assenti, exausta.— A verdade é que
MIAObservei o local com atenção, mas não encontrei nenhum lugar adequado para me esconder. Se me encolhesse atrás do sofá, ainda me veriam. Olhei para a mesa. Esconder-me ali era arriscado, um verdadeiro tiro no escuro, mas não havia outra opção. Corri até a mesa e me encolhi debaixo dela, no instante em que a porta se abriu.— Você é bem pontual, Breno — a voz de Vittorio foi a primeira que ouvi. — É sempre bom fazer negócios com você.Esforcei-me para que minha respiração fosse quase inaudível.— Eu sei — o outro homem, Breno, respondeu. — Ainda não entendi por que preferiu que eu lhe entregasse os papéis pessoa
VITTORIOAssim que entrei no meu escritório, algo parecia errado. Não podia demonstrar minhas preocupações na frente de Breno, então mantive a expressão neutra. Quando me aproximei da mesa para beber um gole de uísque, um aroma familiar me atingiu.O cheiro que me atormentou após a inauguração da boate da Cosa Nostra. A fragrância que se gravou em minha pele no instante em que ela roçou os lábios no meu pescoço.Era o perfume de jasmim de Mia.Por um segundo, imaginei que fosse minha mente, mais uma vez, evocando o cheiro dela só para me perturbar. Mas, como um mafioso experiente, sabia que jamais deveria ignorar meus instintos aguçados. VITTORIOComo capo da Cosa Nostra, minha tarefa era simples: cobrar dívidas de drogas, viciados em jogos e prostitutas. E hoje, eu estava no meu escritório, aguardando que meus homens trouxessem mais um desses fracassados: Charles Foster, o tipo de pessoa que me enojava. Viciado em jogos, sem um pingo de autocontrole. E, claro, devia uma boa quantia para a Cosa Nostra.Na Família, eu era conhecido como o Diabo. Minha regra era clara: ninguém deixava de pagar os italianos. E ninguém ousava desafiar essa regra.Eu não permitia que dívidas ficassem pendentes no meu território. Por isso, sempre fazia questão de resolver isso pessoalmente. Eu me encontrava com os devedores no meu escritório, um lugar aconchegante e bem iluminado, localizado no andar de cima de um prédio que abrigava nossos jogos ilegais. A polícia? Eles sabiam, mas fingiam que não viam. Ainda assim, eu sabia que havia muitos esperando minha queda. Um erro, um deslize, e minha cabeça estaria na mira.Verifiquei o relógio Bu1: O Início do Inferno
VITTORIO— Por que a trouxeram? — perguntei, a voz gelada e implacável, interrompendo qualquer provocação que Mia pudesse estar prestes a soltar. Nos seus olhos perturbadores, um brilho de raiva faiscou, refletindo a tensão que pairava no ar.— Vim para convencê-lo a esquecer a dívida do meu pai. Ele é...— Deixei bem claro que era para trazerem apenas o Charles — interrompi, sem a mínima paciência. Vi suas mãos se fecharem em punhos, o rosto tenso, transbordando frustração.Benício coçou a testa, visivelmente desconfortável.— Compreendo, Vittorio, mas ela foi insistente.Neguei com a cabeça, impaciente.— Matasse ambos e o problema estaria resolvido. Vocês sabem que tenho assuntos mais importantes para tratar do que perder tempo com um viciado e sua filhinha.Aquilo foi a gota d'água para Mia.— Olha só, seu canalha! — ela disparou. Me virei lentamente para encará-la. Seu rosto, antes aparentemente calmo, agora estava vermelho de pura irritação. — Você tem assuntos mais importantes