MIA
Os dias pareciam se arrastar em um ciclo interminável.A luz do sol invadia o quarto pelas frestas da cortina, transformando a penumbra em um espetáculo de sombras dançantes no chão. Aquele retângulo de luz que cortava o quarto era meu único contato com o mundo exterior. Por três dias inteiros, minha rotina se resumiu a livros e refeições que Gisela me trazia, enquanto o silêncio da casa reverberava com minha solidão. Eu não via Vittorio desde aquela noite. Uma noite que deixara sua marca em mim de forma irremediável, como uma ferida que se recusava a cicatrizar.Mergulhada em um romance policial, os olhos quase já sem foco, fui interrompida pela porta se abrindo e pelo cheiro aconchegante de café fresco e pão. Gisela adentrou o quarto com uma bandeja, e o aroma trouxe um breve alívio, ainda que fugaz.— Senhorita, já está acordada? — ela perguntou, colocando a bandeja sobre a mesa ao lado.Assenti, exausta.— A verdade é queMIAObservei o local com atenção, mas não encontrei nenhum lugar adequado para me esconder. Se me encolhesse atrás do sofá, ainda me veriam. Olhei para a mesa. Esconder-me ali era arriscado, um verdadeiro tiro no escuro, mas não havia outra opção. Corri até a mesa e me encolhi debaixo dela, no instante em que a porta se abriu.— Você é bem pontual, Breno — a voz de Vittorio foi a primeira que ouvi. — É sempre bom fazer negócios com você.Esforcei-me para que minha respiração fosse quase inaudível.— Eu sei — o outro homem, Breno, respondeu. — Ainda não entendi por que preferiu que eu lhe entregasse os papéis pessoa
VITTORIOAssim que entrei no meu escritório, algo parecia errado. Não podia demonstrar minhas preocupações na frente de Breno, então mantive a expressão neutra. Quando me aproximei da mesa para beber um gole de uísque, um aroma familiar me atingiu.O cheiro que me atormentou após a inauguração da boate da Cosa Nostra. A fragrância que se gravou em minha pele no instante em que ela roçou os lábios no meu pescoço.Era o perfume de jasmim de Mia.Por um segundo, imaginei que fosse minha mente, mais uma vez, evocando o cheiro dela só para me perturbar. Mas, como um mafioso experiente, sabia que jamais deveria ignorar meus instintos aguçados. VITTORIOComo capo da Cosa Nostra, minha tarefa era simples: cobrar dívidas de drogas, viciados em jogos e prostitutas. E hoje, eu estava no meu escritório, aguardando que meus homens trouxessem mais um desses fracassados: Charles Foster, o tipo de pessoa que me enojava. Viciado em jogos, sem um pingo de autocontrole. E, claro, devia uma boa quantia para a Cosa Nostra.Na Família, eu era conhecido como o Diabo. Minha regra era clara: ninguém deixava de pagar os italianos. E ninguém ousava desafiar essa regra.Eu não permitia que dívidas ficassem pendentes no meu território. Por isso, sempre fazia questão de resolver isso pessoalmente. Eu me encontrava com os devedores no meu escritório, um lugar aconchegante e bem iluminado, localizado no andar de cima de um prédio que abrigava nossos jogos ilegais. A polícia? Eles sabiam, mas fingiam que não viam. Ainda assim, eu sabia que havia muitos esperando minha queda. Um erro, um deslize, e minha cabeça estaria na mira.Verifiquei o relógio Bu1: O Início do Inferno
VITTORIO— Por que a trouxeram? — perguntei, a voz gelada e implacável, interrompendo qualquer provocação que Mia pudesse estar prestes a soltar. Nos seus olhos perturbadores, um brilho de raiva faiscou, refletindo a tensão que pairava no ar.— Vim para convencê-lo a esquecer a dívida do meu pai. Ele é...— Deixei bem claro que era para trazerem apenas o Charles — interrompi, sem a mínima paciência. Vi suas mãos se fecharem em punhos, o rosto tenso, transbordando frustração.Benício coçou a testa, visivelmente desconfortável.— Compreendo, Vittorio, mas ela foi insistente.Neguei com a cabeça, impaciente.— Matasse ambos e o problema estaria resolvido. Vocês sabem que tenho assuntos mais importantes para tratar do que perder tempo com um viciado e sua filhinha.Aquilo foi a gota d'água para Mia.— Olha só, seu canalha! — ela disparou. Me virei lentamente para encará-la. Seu rosto, antes aparentemente calmo, agora estava vermelho de pura irritação. — Você tem assuntos mais importantes
VITTORIODe repente, o medo que preenchia o olhar de Mia desapareceu. Ela mordeu o canto do polegar, pensativa, e um brilho de astúcia surgiu em seus olhos.— Você não vai querer sujar suas mãos nos matando — ela disse, fazendo-me erguer as sobrancelhas.— Ah, não? — provoquei, curioso.— Claro que não. Devemos parecer como ratos para você, tenho certeza de que não vai querer se sujar com o nosso sangue — respondeu, com uma sagacidade inesperada.Um sorriso de desdém se formou nos meus lábios.— De fato, vocês são piores do que ratos. São vermes. Mas não se preocupe, querida, não serão minhas mãos que se mancharão. Meus homens cuidarão disso — falei, acenando para Benício, Giuseppe e outros dos meus soldados.Mia levantou-se, olhando para os homens que se aproximavam, prontos para arrastá-los para fora do meu escritório, como se fossem uma praga.— Você é um homem muito rico. Dez mil dólares devem ser como troco de bala para você — disse ela, com a voz trêmula de nervosismo. — Não pod
MIADe todas as coisas que idealizei para a minha vida, ser jogada em um clube para me prostituir estava em último lugar na lista. Ouso dizer que sequer estava na lista. Limpar cocô de pombo estaria acima disso.— O que vai acontecer comigo? — perguntei a Vittorio, o demônio que apareceu na minha vida e a destruiu por completo. — Vou morar nesse cassino?Vittorio negou com a cabeça, enquanto assinava alguns papéis de uma pasta azul.— De forma alguma — ele disse. — Você não teria serventia em um cassino, mas com uma saia de couro e um top brilhante, conseguiria muito dinheiro.Estremeci só de me imaginar com aquelas roupas.— Como quiser — murmurei. Olhei para o homem cujo rosto eu havia arranhado e franzi a testa para ele. — Algum problema?Um sorriso sinistro surgiu em seu rosto.— Nenhum — ele respondeu.Vittorio guardou os papeis na pasta e a deixou em cima da mesa. Seus olhos passaram por mim e ele soltou um suspiro.— Bom, meu trabalho aqui terminou. Preciso me encontrar com Mau
MIATentei abrir os olhos, mas a luz forte me atingiu de imediato, me forçando a fechar as pálpebras novamente. Pisquei, tentando me ajustar à claridade. Cada piscada aumentava a dor na cabeça, mas eu precisava saber onde estava. Respirei fundo e, finalmente, consegui focar o olhar ao meu redor.O lugar era pequeno e sufocante, com paredes de um bege antigo, descascadas em alguns pontos, revelando manchas de mofo e umidade. O cheiro era horrível, uma mistura de perfume barato e suor que me fez querer vomitar. As cortinas de veludo vermelho, gastas e sujas, pendiam das janelas minúsculas, bloqueando qualquer chance de luz natural. A única iluminação vinha de uma lâmpada no teto, piscando como se estivesse prestes a apagar a qualquer momento. Isso só deixava tudo mais sombrio e assustador.Olhei ao redor e vi camas de metal espalhadas pela sala, os colchões eram finos e nojentos, como se nunca tivessem sido limpos. Roupas estavam jogadas por todo lado — lingeries e sapatos de salto alto
MIAAssim que me vesti com a nova persona, segui Becky pelo corredor, onde luzes fluorescentes vermelhas lançavam sombras ameaçadoras nas paredes. O lugar parecia vivo, pulsando com sons que me faziam querer fugir. De trás das portas, o que eu ouvia me embrulhava o estômago. Risadas, gemidos, gritos de desespero. O caos abafado daqueles quartos era sufocante. Não podia me permitir imaginar o que se passava lá dentro. O corredor, de repente, parecia apertado demais, e uma sensação de claustrofobia tomou conta de mim, me afogando em pavor.— Mantenha a calma — murmurou Becky, apertando minha mão.— Sem conversinhas — o segurança latiu, friamente.O som dos nossos saltos no piso metálico da escada em espiral ecoava como um relógio que contava o tempo até algo inevitável. Quando descemos, o ambiente mudou, tornando-se ainda mais opressor. O segurança nos guiou até uma porta pesada, de onde eu já podia ouvir a música pulsante e risadas que soavam distantes, abafadas. Pela fresta da porta,