MIAAs mãos de Vittorio me mantinham de pé — firmes, seguras — como se ele soubesse que, sem elas, eu desabaria. Ele não segurava só meu corpo, mas também a avalanche de sentimentos que ameaçava me engolir quando meus olhos encontraram os dele… os olhos do meu pai.Eram sentimentos que vinham em cores.Vermelho. A raiva ainda viva e pulsante por tudo que ele me fez passar. Por ter me deixado com a máfia como se eu fosse uma peça de negociação.Azul. A tristeza densa de perceber que tantas das lembranças que eu guardava com carinho tinham sido construídas sobre mentiras.E roxo. A saudade profunda, sufocante, que apertava meu peito e me fazia querer correr, mesmo sem saber se para abraçá-lo ou para fugir de tudo aquilo.Mas então ele abriu os braços. E sussurrou, com a voz trêmula, mas cheia de amor:— Minha filha…Naquele instante, meus pés se moveram por conta própria. Meu coração se rasgou em mil partes e depois se reconstruiu, passo a passo, até que eu me aninhei em seu abraço.E f
MIA— O senhor mencionou um diário? — Foi Vittorio quem quebrou o silêncio denso que nos envolvia. — Onde ele está?Meu pai soltou uma risada sarcástica e se virou para nós, os olhos sombreados por algo que eu ainda não conseguia decifrar.— Escondido — disse simplesmente, como se fosse óbvio.— Pai...— Foi nele que descobri tudo — ele continuou, a voz rouca de mágoa. — A verdade sobre você, sobre seu pai biológico... e sobre quem sua mãe realmente era. No início, me senti traído. Vivi anos ao lado de uma estranha. Uma mentirosa.Fechei as mãos em punhos
MIAO mundo pareceu parar por um segundo. Tudo ficou mudo, como se o som tivesse sido sugado para dentro do buraco de bala que se abriu no peito do meu pai.— PAI! — gritei, minha voz rasgando o silêncio logo depois do estampido.Corri até ele, ajoelhando-me no chão poeirento enquanto Vittorio se virou com um movimento rápido, sacando a arma e procurando com os olhos o atirador. Mas não havia ninguém à vista. Nada além do deserto, do céu queimando laranja, e do corpo do meu pai sangrando sob meus dedos.— Fica comigo, por favor, fica comigo! — supliquei, pressionando as mãos contra a ferida enquanto lágrimas turvavam minha visão.Os olhos dele ainda estavam abertos, arregalados de surpresa e dor. Uma bolha de sangue se formava nos lábios. — Mia… — ele murmurou, a voz tão fraca quanto o vento.— Shh, não fale, vamos levar o senhor ao hospital, tudo ficará bem — falei, aos soluços.— Não vai — meu pai disse fraco, um acesso de tosse o possuiu, fazendo sangue escorrer dos seus lábios. —
MIANão consigo parar de pensar no meu pai.A imagem dele jogado no chão do deserto se repete na minha mente como um pesadelo maldito — o corpo inerte, os olhos abertos, o sangue escorrendo pela areia quente como se fosse algo descartável. Como se ele fosse apenas mais um.Vittorio me garantiu que alguém de confiança cuidaria de tudo, que meu pai teria um enterro digno, longe dos olhos dos abutres. Mas eu não conseguia acreditar.Não com um traidor entre nós.Não com Tomasio ainda solto, respirando o mesmo ar que eu, tramando nas sombras como o verme que é.A voz dele ainda martelava na minha mente, grudada como chiclete velho na sola de um sapato — incômoda, pegajosa, impossível de arrancar. Cada tentativa de afastá-lo só parecia torná-lo mais presente, como um parasita da minha paz.— Mia, eu realmente sinto muito pelo seu pai — a voz de Vittorio cortou o silêncio como um lençol de seda sobre uma ferida aberta.Virei o rosto devagar, mas não consegui encará-lo. Continuei olhando pel
MIAVittorio se aproximou devagar, como quem oferece tempo para recuar.Mas eu não queria distância.Fechei os olhos e encostei a testa na dele, sentindo o calor da sua pele, o cheiro discreto de madeira e pólvora que sempre o acompanhava, como se o mundo inteiro parasse só para dar lugar àquele instante.— Eu estou com você, Mia — ele sussurrou. — Até o fim.Essas palavras me atravessaram como uma lâmina quente: dolorosas, sim. Mas também vivas. Reais.Uma promessa selada na respiração compartilhada.Então ele me beijou.
MIAO que acontece quando o chão que você acreditava firme simplesmente se parte embaixo dos seus pés?Quando o que parecia abrigo revela ser só mais uma fachada bonita — frágil como vidro sob pressão?O corredor estava mergulhado em um silêncio espesso, cortado apenas pelo eco distante do vento noturno batendo nas janelas. Um cheiro de madeira antiga, verniz e alguma especiaria esquecida no ar pairava entre nós, como se o tempo tivesse prendido a respiração. E eu também.Meu coração batia nas costelas como um animal enjaulado, tentando escapar, tentando entender. Minha cabeça zumbia. O sangue, quente demais nas veias, fazia tudo parecer em câmera lenta.Noiva.A palavra ainda rodava na minha
MIAA água quente escorria pelos meus ombros, carregando o sal das lágrimas que já não conseguiam mais cair. Era estranho como o corpo às vezes se cansava até de sofrer. Fechei os olhos, deixando o vapor embaçar tudo ao redor. E foi nesse embaço que vieram as lembranças — nítidas, como se a água abrisse janelas no tempo.O chuveiro antigo da nossa casa rangia antes de funcionar. Às vezes, precisava de um tapinha com a toalha enrolada pra esquentar de verdade. A pressão era fraca, o azulejo descascado, e o espelho vivia com manchas do tempo. Mas era o nosso lar. A casa pequena no fim da rua poeirenta, com grama seca e uma cerca que sempre pendia de um lado. E era lá que meu pai — meu pai de verdade, não aquele homem que sumiu num mar de segredos — me ensinava a consertar coisas com fita isolante e teimosia.— Se você esconder algo, Mia — ele dizia. — Escolha um lugar onde ninguém vá procurar. Mas nunca onde você mesma possa esquecer.E foi aí que a pergunta latejou dentro de mim:Onde
MIAAs mãos de Vittorio estavam em mim antes que eu pudesse respirar fundo. Era como se o beijo tivesse aberto uma represa — e agora, nenhum de nós conseguia conter o que transbordava. Vittorio me puxou com força pela cintura, colando nossos corpos, e eu me agarrei aos seus ombros como se o mundo estivesse desmoronando sob nossos pés — porque talvez estivesse mesmo.Seu beijo desceu pela minha mandíbula até meu pescoço, quente, urgente, faminto. Era como se ele precisasse provar que eu estava ali, que tudo era real, que eu era dele. E eu era. Naquele momento, naquele quarto, não existia outra verdade além dessa.— Você me deixa louco — ele rosnou contra minha pele, os dedos passeando pela curva da minha cintura, da minha coxa, apertando com fome voraz a carne da minha bunda. — Sempre me deixa à beira do abismo... e eu pulo. Por você, Mia