A morte faz parte da vida, como a vida faz parte da morte. O medo que temos é apenas porque não conseguimos ver o caminho à frente.
Eu trabalhava todos os dias naquela roça escondida entre dois morros. Não chovia muito lá, mas havia um córrego que nunca secava. Quando eu capinava e limpava a terra, ela ficava poeirenta nos meses de verão. A vida era dura e solitária; eu nunca ia à cidade, como ninguém quase nunca passava por lá. Vivi assim por muitos e muitos anos, naquela solidão de sertão. Eu estava acostumado...
Tudo estava tranquilo e eu até que me sentia feliz, naquela lida, até que um dia eu vi, escondido atrás de uma árvore, dois caras. Eu fiquei curioso, porque eles estavam escondidos, e seus olhos mostravam que eles estavam é apavorados demais, quase se borrando nas calças.
Eu fui até eles, para conversar. Afinal, a solidão é algo que vai matando a alma da gente. Mas parei no meio do caminho. Eles simplesmente
O homem é apenas o homem. Legião ele é, tão perto do animal, tão perto do anjo. Santo ou demônio, possuído por luz ou escuridão, homens é o que somos. Era um boato, quer dizer, a gente achava que era. Sabe, dessas estórias de fantasmas, só para meter medo em gente medrosa. A estória era de que na margem do rio, na quarta-feira de cinzas, um padre aparecia lá e ficava olhando as águas, quieto. Realmente, a gente já tinha visto ele lá, quieto, mas nunca, por mais engraçado que parecesse, ninguém tinha chegado perto dele, para conversar ou pedir a benção. A gente estranhava, mas respeitava ele. Afinal, era um padre; ele devia estar rezando. Só que um dia uma mulher, que a gente tem por feiticeira, começou a dizer que ele era um fantasma. Apesar de ninguém mostrar que estava preocupado, todos bem sabiam que o dia seguinte era a quarta-feira de cinzas. Então quase todo mundo começou a brincar, sobre quem teria coragem de ir
Como uma sombra eu me movo, em silencio, imperceptível, invisível numa densa penumbra. O filho segurou com força a mão frágil do homem apavorado cujos olhos esgazeados perfurava o ar, temendo o que pudesse estar escondido atrás de cada lâmina. De súbito, como se tivesse perdido as forças momentaneamente, afrouxou os músculos e arriou a cabeça no travesseiro, os olhos fechados com força, expulsando as lágrimas para os leitos das rugas. Todo o corpo do velho tremia em agonia. O rosto procurava recuar, tenso, congestionado. O filho olhou o pai e sofreu, procurando os olhos do médico, que examinava com tristeza o homem moribundo. Sua dor latejou ao se perguntar como poderia dizer ao pai. Como poderia dizer, para alguém que estava para viajar, que tudo daria certo, que nunca estaria só, e que não havia escuridão? Como poderia fazê-lo ver, e acreditar, que havia luz dentro da própria morte, uma luz mais pura que qualquer outra?
Poucos homens realmente experimentaram tal poder. O amor verdadeiro, aquele que cala a alma e agiganta a solidão e esmaece toda a vida, somente alguns poucos podem suportar. - Não sei o que esta acontecendo comigo, padre. Sinto uma tristeza imensa, estou fraca. Falta algo importante na minha vida, que não consigo encontrar, nem mesmo definir. O padre, com as mãos cruzadas no regaço, apenas a olhava com ternura. Havia um sorriso confidente no canto da boca, enquanto a ouvia pacientemente. Fez um movimento suave com a cabeça, incentivando a mulher a continuar. > Tenho um ótimo emprego, tenho uma vida saudável, sou saudável, posso comprar o que me der vontade, mas nada disso me satisfaz. O que está acontecendo comigo? – perguntou com os olhos cheios d’água, as mãos vermelhas e suadas se revolvendo umas sobre as outras. - Amor, é o que te falta, minha filha – respondeu com um sorriso compreensivo e simples.
Um caminho não é apenas um caminho, é um meio.A estrada de ferro batida pelo sol, margeada por um verde luxuriante, tendo como fundo morros e montanhas com quadriculados onde os homens lidavam nas lavouras, estendia-se muito à frente até ser barrada abruptamente por um morro. Eles sempre ficariam assim, se batendo ali, como era da natureza do morro e da estrada.Pesava contra a estrada sua arrogância e prepotência, por ter aberta, de forma insensível, a passagem pelas entranhas do morro, expondo suas vísceras de vários tons de ocre e cinzas pétreos, que estiveram escondidos do sol por eras sem fim. Com violência se forçara morro adentro, mas parara ao insinuar o desejo de fazer uma curva - o morro não o autorizava. Podia estar ferido, rasgado, mas não fora ferido de morte, e mantinha seu princípio: as linhas não pa
É gostoso ler estórias de magias, de assombrações não medonhas. As horas passam gostosas, imerecidamente rápidas. Faz parte da infância, eu acho que de todo mundo. Ficávamos ouvindo estórias nos princípios da noite, encolhidos na sarjeta, a cabeça apoiada nos joelhos, os pés suspensos, com medo de que tocassem o chão e algo lá escondido nos puxasse para dentro do solo.Que bom que era assim, e que pena que perdemos essa novidade, esse descobrir, essa inocência.Então, de um simples contador de estórias, mais vinte e cinco desses pequenos contos para, nem que por um pequeno momento, nos vistamos novamente de espírito criança.AkindaráMikael Lenyer
O cheiro era resinoso como se escorrendo pelos meus dedos. Foi esse perfume que, falando com minha alma, me fez feliz novamente. - Foi ali, naquela casa, que a velha Norma morreu – falou apontando com os olhos para uma casa do outro lado da janela. Depressa retirou os olhos, num pedido mudo de desculpas. - Uma coitada! Sim, uma coitada! - cismou o velho voltando a olhar pensativo para a velha casa abandonada. - Sabe, ela era como a gente, nem boa nem má. De ruim mesmo acho que só aquela mania dela, aquele medo esquisito de ficar aleijada. Mas, afinal, quem não tem suas manias, não é mesmo? A luz das lamparinas bambolearam e as sombras escorreram teimosas pelas paredes, bruxuleando lúgubres. Os homens acenderam os cigarros de palha e se remexeram nos banquinhos velhos, que rangeram incomodados. O fogão de lenha ardia, e alguns se serviram do café quentinho. > Os filhos que ela tinha foram embora e deixaram ela sozinh
Asas que foram, ar que somos, revoltos no céu teimado azul e branco. A pena de Deus desce e escreve em nosso ser nosso destino. Asas que somos, ar que fomos, pesados, desejosos de não saber dos segredos escritos em nós. A floresta penumbrosa, espantosamente antiga em seu cheiro e em seus sons, parecia encará-lo de volta, num desafio debochado. O menino espremeu entre os dedos as abas da camisa e a examinou preocupado, a mente remoendo estórias que lhe contavam como se não fossem verdadeiras, mas que ele sentia que estavam todos enganados. Em silêncio, encarando a penumbra pesada além dos troncos que pareciam formar um imenso muro verde e movediço, perguntou-se se, algum dia, algum homem já calcara aquele solo, aquelas veredas, aquelas trilhas de animais. Preocupado fechou mais fortemente os olhos, temendo com ardor uma resposta negativa pois, se ela viesse, aquela seria uma terra proibida e ele, que era menor que muitos que vivera, nã
Não é estranho que essa luminosidade toda não encha o mundo de estrondos? Ele havia morrido há algum tempo. Todos olhavam o caixão, o homem deitado confortavelmente dentro. Ainda podiam ouvir seu pedido veemente de que queria ser enterrado dentro de um caixão e no pátio da igreja, e em nenhum outro lugar mais. Os mais chegados, pois os poucos que estavam lá eram dessa categoria, se entreolharam preocupados. Se o morto escapara de ser enterrado enrolado numa rede, mas sim num caixão último tipo com visor de vidro de onde poderia ficar olhando a terra e alguma raiz, o último pedido não fora aceito pela igreja, pois o homem só fora o coroinha. Dona Maria, a viúva, tinha os olhos baixos, preocupada mais do que os outros. Então chegou a hora de dar continuidade ao enterro, pois o velório fora cumprido. Os homens então tomaram a posição nas alças e, seguidos pelos choros e lamurias, gritos de que o malandro fora o melhor homem do mundo, saí