E a morte perderá seus domínios
Nus os mortos serão como um
Como o homem no vento e a lua no poente
Quando descarnados desaparecerem os ossos
Estrelas brilharão nos braços e pés
Mesmo loucos permanecerão lúcidos
Mesmo submersos no mar eles ressurgirão
Dos amantes perdidos continuará o amor
E a morte perderá o seu domínio
“Gigna Thomas’ - Solaris
Assim que o estrondo se fez ouvir novamente a mulher estacou, o corpo tenso de medo. Um arrepio gelado correu pelos braços e nuca. Apavorada afastou os olhos do espelho e, cuidadosamente, para não chamar a atenção, foi se dirigindo para fora do banheiro. Nem bem atingira a porta quando novos g
Uma força primitiva e soberba, mais nobre que a nossa. Ele te observa, te avalia Como te saíste até agora? A onça estava disfarçada na sombra, quieta, observando-o. Nenhuma reação, apenas um olhar desinteressado, que o caçador sabia ser enganoso. O caçador ficou algum tempo examinando a onça, nervoso, incomodado. Sem saber por que, novamente não conseguiu disparar. O ódio que sentia deveria ser mais que suficiente para atirar, para sorrir, mesmo que amargo, quando visse o sofrimento do animal. Sabia que isso não traria sua esposa e seu filho de volta, mas era uma forma de dizer a eles: sinto muita dor, mas destruí aquilo que fez mal a vocês, que os tirou de mim. Só que ali estava, e não conseguia atirar. Com raiva segurou a arma com mais força, a mira no meio do peito do bicho. Sua mente resvalou e se pegou novamente vendo os rastros de duas onças na porta da casa. Ajudado pelas pequenas veias de luz que atrave
Pegue a sombra e capture o vento; recolha a noite e o brilho da lua, o dia e o brilho do sol. Vê sua alma em cada uma dessas coisas apanhadas de Deus? - Eu estou sem saber o que fazer, cumpadre, preso nessa armadilha - lamuriou o homem sentado num toco na clareira. Seus olhos úmidos e desesperados estavam fincados nos do amigo que, sentado à sua frente, tinha o queixo pousado nas mãos unidas apoiadas sobre o cano da arma, ouvindo-o desconcertado e entristecido. > Eu não sei quantas vezes mais vou aguentar isso. Esse maldito curupira... - resmungou para as árvores que permaneceram silenciosas e indiferentes. - Acho que essa foi a quarta vez que a matei - declarou, os olhos parecendo ter se tornado ainda mais desesperados. > Faz tanto tempo já... Eu... eu sabia que não conseguia caçar nada porque o curupira estava espantando os bichos - revelou. - Eu tinha visto os rastros dele na beira de um igarapé. Sabe, os apoi
A morte faz parte da vida, como a vida faz parte da morte. O medo que temos é apenas porque não conseguimos ver o caminho à frente. Eu trabalhava todos os dias naquela roça escondida entre dois morros. Não chovia muito lá, mas havia um córrego que nunca secava. Quando eu capinava e limpava a terra, ela ficava poeirenta nos meses de verão. A vida era dura e solitária; eu nunca ia à cidade, como ninguém quase nunca passava por lá. Vivi assim por muitos e muitos anos, naquela solidão de sertão. Eu estava acostumado... Tudo estava tranquilo e eu até que me sentia feliz, naquela lida, até que um dia eu vi, escondido atrás de uma árvore, dois caras. Eu fiquei curioso, porque eles estavam escondidos, e seus olhos mostravam que eles estavam é apavorados demais, quase se borrando nas calças. Eu fui até eles, para conversar. Afinal, a solidão é algo que vai matando a alma da gente. Mas parei no meio do caminho. Eles simplesmente
O homem é apenas o homem. Legião ele é, tão perto do animal, tão perto do anjo. Santo ou demônio, possuído por luz ou escuridão, homens é o que somos. Era um boato, quer dizer, a gente achava que era. Sabe, dessas estórias de fantasmas, só para meter medo em gente medrosa. A estória era de que na margem do rio, na quarta-feira de cinzas, um padre aparecia lá e ficava olhando as águas, quieto. Realmente, a gente já tinha visto ele lá, quieto, mas nunca, por mais engraçado que parecesse, ninguém tinha chegado perto dele, para conversar ou pedir a benção. A gente estranhava, mas respeitava ele. Afinal, era um padre; ele devia estar rezando. Só que um dia uma mulher, que a gente tem por feiticeira, começou a dizer que ele era um fantasma. Apesar de ninguém mostrar que estava preocupado, todos bem sabiam que o dia seguinte era a quarta-feira de cinzas. Então quase todo mundo começou a brincar, sobre quem teria coragem de ir
Como uma sombra eu me movo, em silencio, imperceptível, invisível numa densa penumbra. O filho segurou com força a mão frágil do homem apavorado cujos olhos esgazeados perfurava o ar, temendo o que pudesse estar escondido atrás de cada lâmina. De súbito, como se tivesse perdido as forças momentaneamente, afrouxou os músculos e arriou a cabeça no travesseiro, os olhos fechados com força, expulsando as lágrimas para os leitos das rugas. Todo o corpo do velho tremia em agonia. O rosto procurava recuar, tenso, congestionado. O filho olhou o pai e sofreu, procurando os olhos do médico, que examinava com tristeza o homem moribundo. Sua dor latejou ao se perguntar como poderia dizer ao pai. Como poderia dizer, para alguém que estava para viajar, que tudo daria certo, que nunca estaria só, e que não havia escuridão? Como poderia fazê-lo ver, e acreditar, que havia luz dentro da própria morte, uma luz mais pura que qualquer outra?
Poucos homens realmente experimentaram tal poder. O amor verdadeiro, aquele que cala a alma e agiganta a solidão e esmaece toda a vida, somente alguns poucos podem suportar. - Não sei o que esta acontecendo comigo, padre. Sinto uma tristeza imensa, estou fraca. Falta algo importante na minha vida, que não consigo encontrar, nem mesmo definir. O padre, com as mãos cruzadas no regaço, apenas a olhava com ternura. Havia um sorriso confidente no canto da boca, enquanto a ouvia pacientemente. Fez um movimento suave com a cabeça, incentivando a mulher a continuar. > Tenho um ótimo emprego, tenho uma vida saudável, sou saudável, posso comprar o que me der vontade, mas nada disso me satisfaz. O que está acontecendo comigo? – perguntou com os olhos cheios d’água, as mãos vermelhas e suadas se revolvendo umas sobre as outras. - Amor, é o que te falta, minha filha – respondeu com um sorriso compreensivo e simples.
Um caminho não é apenas um caminho, é um meio.A estrada de ferro batida pelo sol, margeada por um verde luxuriante, tendo como fundo morros e montanhas com quadriculados onde os homens lidavam nas lavouras, estendia-se muito à frente até ser barrada abruptamente por um morro. Eles sempre ficariam assim, se batendo ali, como era da natureza do morro e da estrada.Pesava contra a estrada sua arrogância e prepotência, por ter aberta, de forma insensível, a passagem pelas entranhas do morro, expondo suas vísceras de vários tons de ocre e cinzas pétreos, que estiveram escondidos do sol por eras sem fim. Com violência se forçara morro adentro, mas parara ao insinuar o desejo de fazer uma curva - o morro não o autorizava. Podia estar ferido, rasgado, mas não fora ferido de morte, e mantinha seu princípio: as linhas não pa
É gostoso ler estórias de magias, de assombrações não medonhas. As horas passam gostosas, imerecidamente rápidas. Faz parte da infância, eu acho que de todo mundo. Ficávamos ouvindo estórias nos princípios da noite, encolhidos na sarjeta, a cabeça apoiada nos joelhos, os pés suspensos, com medo de que tocassem o chão e algo lá escondido nos puxasse para dentro do solo.Que bom que era assim, e que pena que perdemos essa novidade, esse descobrir, essa inocência.Então, de um simples contador de estórias, mais vinte e cinco desses pequenos contos para, nem que por um pequeno momento, nos vistamos novamente de espírito criança.AkindaráMikael Lenyer