O monstro move-se lento e soberbo. Uma onda colossal sobe, se agiganta e avança pesada. Por fim todo o poder acumulado rola sobre a praia e sobre a aldeia, que some. E os homens, desaparecidos ao viveram, saberão que não estiveram lá.
Na noite azulada a tempestade rugia com violência.
Quando seus olhos se preparavam para fechar ele viu que o imenso mastim estava correndo solto na noite. Relâmpagos espocavam e abriam brechas na escuridão azul. O mastim, parecendo tomar força da força do caos, fustigado pela tempestade continuava a correr na direção do homem que aparentava tranquilidade. O salto foi magnífico e elástico. Quando saltou podia-se ver os músculos poderosos e as presas como adagas na cara repuxada e ouvir seu rosnado terrível cheio de um poder frio e cruel.
Repentinamente, como se tivesse sido capturado por uma imensa e pegajosa teia de aranha, o mastim interrompeu seu voo. Ganindo e movendo frenética e deses
Sua voz era como uma música, como um campo de capim gordura sob a brisa e o sol, ondulando como se Deus passeasse sobre a terra, evocando algo infinitamente maior que a vida. Nunca, nunca devemos nos permitir perder a capacidade de nos maravilharmos. A mulher encolheu-se na cama. Com bastante cuidado para não assustar o marido, colou os lábios no ouvido dele e sussurrou: “Acorde, ele voltou! Acorde, por favor, ele voltou”! Ela sentiu quando o marido mexeu-se quase desperto, demonstrando que estava preparado. De mãos dadas ficaram ouvindo. Da sala vinha o ruído, que agora parecia acontecer todas as noites. Ruído de cadeiras sendo arrastadas para os lados se fez ouvir, como da mesa que parecia ser arredada para um lado. Com as respirações suspensas ouviram os passos que, tranquilos e cuidadosos, vieram na direção do quarto em que estavam. À porta os sons pararam, e tudo ficou em silêncio. Depois de alguns minutos recomeç
Fazer e refazer, numa brincadeira cruel. Fantasmas soltos ao raiar do dia, a bater-se contra os muros do castelo. Perdidos e errantes é a sina e a maldição. Os deuses do ar e da terra e da água, sujeitos a UM, buscam uma vítima para imolar, e só poderá ser um homem, numa eterna roda não compreendida. Os homens bateram palmas esfuziantes enquanto as mulheres gritavam vivas febris. Pela rua esmeradamente calçada de seixos e limpa dos matos, recentemente recuperada juntamente com o casarão, vinha o som dos cascos batendo nas pedras. Repentinamente, sem que qualquer um pudesse precisar, a carruagem fantasma lendária rompeu a estranha neblina leve que surgira como num passe de mágica sem que qualquer um pudesse dizer que a vira surgir, bem à luz do dia que nascia. O cocheiro silencioso, em sua pose distante e orgulhosa, olhando para um ponto distante na paisagem, acima das árvores, puxou as rédeas bem à frente da mansão. At
Apenas fiquei em silêncio, sentindo minha alma, sentindo uma linha me ligando à sanidade, fina, difícil de perceber. Será que devo continuar me perguntando se acaso deixei escapar essa linha? A mulher olhou bem nos olhos maliciosos do homem ao seu lado. Fez um muxoxo com a boca e voltou a encarar o copo de cerveja à sua frente, no balcão. - Você é muito confiante, mas eu te digo para ter cuidado – falou o homem. - Pois sei que você está me ameaçando, e isso não me afeta em nada. - Ameaçando? Eu? Que jeito mais rude de falar. Por que você é tão cruel? - Cruel eu, é? Não é você que está dizendo que vai me comer? - Se continuar a insistir que quer uma prova, vou sim. Agora, me diga, por que não deixa isso de lado? Vá com seu marido e esqueça essas estórias. - Eu não posso. Eu preciso ver, eu preciso ver, só isso! - Confie em mim. Sem rabo... - Sem rabo, é? Impossível! - falo
É parte da fantasia das gentes, quando os sábios são vistos como feiticeiros; e coisas admiráveis são bordadas por outras coisas maravilhosas. O velho se levantou após ter ficado um longo tempo olhando para a chama da lareira. Ao chegar junto ao fogo cortou a palma com uma unha forte e lançou o sangue no fogo. O fogo, por breve momento, pareceu aumentar. Quase que involuntariamente meus olhos ficaram presos nas chamas vivas. A visão de que uma parte das labaredas parecia se destacar do resto que lambia os tijolos me fez recuar repentinamente a cabeça. Fiquei confuso, olhando ora para o velho, ora para o fogo, agora com a aparência comum. O velho sorriu, confiante e divertido. Curioso pelo seu sorriso dobrei o corpo e encarei com mais intensidade o oco da lareira onde a destruição imperava. Foi assim que o vi, foi nesse dia que vi um elemental ser criado. De lá, do meio do fogo, seus olhos em brasa nos encarava.
Era uma adoração ou uma reverência? Por que a natureza e seus entes se debruçavam sobre o meu mundo, que eu havia levado tanto tempo para acomodar? Eu andava, uma vez, pela estrada da serrinha. Eu estava distraído, pensando, meus pés me levando sem que eu percebesse para que objetivo tramado pelos entes. A noite era mágica, de lua cheia, e tudo, os morros e a estrada e as árvores estavam pintados de azul. Olhando a estrada eu via nitidamente a luz incidindo e colocando outras partes em segredo, no escuro. Só que percebi que meus passos não eram os únicos que ouvia. No ar vinham sons abafados, comprimidos, distantes, perto; um grilo, sapos, pios tétricos, o vento. Quando reparei no vento meu corpo ficou tenso. Um uivo forte e volumoso veio pelo ar. Na verdade era mais como um gemido, daqueles bem doloridos. Me controlando dei de ombros, sussurrando que as noites eram sempre assim, e que
Eu fiquei olhando para aquele ser que havia sido tomado por uma revelação divina, pois, afinal, eu conseguia ver os sinais que a sucediam. E, para confirmar, havia aquele sorriso triste por baixo de suas asas silenciosas. Um dia, ao ler e reler a bíblia, o menino ficou cismando sobre a dor de Jesus. Ele não entendia o porquê de seu desespero, de sua dor imensa, monumental e colossal a ponto de verter lágrimas de sangue, chegando mesmo a se questionar se ele não teria sido fraco ou mimado. Essa questão persistiu até que, um dia, relembrou uma dor monstruosa que o obrigou a calar, por saber que não poderia suportá-la por muito tempo, e com a qual nem o tempo faria com que se acostumasse. Talvez toda criança passe por isso... Foi um choque extremamente dolorido quando viu que, um dia, seus pais iriam morrer. Possuído por esse conhecimento teve raiva de sua mãe e se isolou, a dor contida, não querendo que seus irmãos e irmãs soube
E a morte perderá seus domínios Nus os mortos serão como um Como o homem no vento e a lua no poente Quando descarnados desaparecerem os ossos Estrelas brilharão nos braços e pés Mesmo loucos permanecerão lúcidos Mesmo submersos no mar eles ressurgirão Dos amantes perdidos continuará o amor E a morte perderá o seu domínio “Gigna Thomas’ - Solaris Assim que o estrondo se fez ouvir novamente a mulher estacou, o corpo tenso de medo. Um arrepio gelado correu pelos braços e nuca. Apavorada afastou os olhos do espelho e, cuidadosamente, para não chamar a atenção, foi se dirigindo para fora do banheiro. Nem bem atingira a porta quando novos g
Uma força primitiva e soberba, mais nobre que a nossa. Ele te observa, te avalia Como te saíste até agora? A onça estava disfarçada na sombra, quieta, observando-o. Nenhuma reação, apenas um olhar desinteressado, que o caçador sabia ser enganoso. O caçador ficou algum tempo examinando a onça, nervoso, incomodado. Sem saber por que, novamente não conseguiu disparar. O ódio que sentia deveria ser mais que suficiente para atirar, para sorrir, mesmo que amargo, quando visse o sofrimento do animal. Sabia que isso não traria sua esposa e seu filho de volta, mas era uma forma de dizer a eles: sinto muita dor, mas destruí aquilo que fez mal a vocês, que os tirou de mim. Só que ali estava, e não conseguia atirar. Com raiva segurou a arma com mais força, a mira no meio do peito do bicho. Sua mente resvalou e se pegou novamente vendo os rastros de duas onças na porta da casa. Ajudado pelas pequenas veias de luz que atrave