É parte da fantasia das gentes, quando os sábios são vistos como feiticeiros; e coisas admiráveis são bordadas por outras coisas maravilhosas.
O velho se levantou após ter ficado um longo tempo olhando para a chama da lareira. Ao chegar junto ao fogo cortou a palma com uma unha forte e lançou o sangue no fogo. O fogo, por breve momento, pareceu aumentar. Quase que involuntariamente meus olhos ficaram presos nas chamas vivas. A visão de que uma parte das labaredas parecia se destacar do resto que lambia os tijolos me fez recuar repentinamente a cabeça. Fiquei confuso, olhando ora para o velho, ora para o fogo, agora com a aparência comum.
O velho sorriu, confiante e divertido.
Curioso pelo seu sorriso dobrei o corpo e encarei com mais intensidade o oco da lareira onde a destruição imperava. Foi assim que o vi, foi nesse dia que vi um elemental ser criado.
De lá, do meio do fogo, seus olhos em brasa nos encarava.
Era uma adoração ou uma reverência? Por que a natureza e seus entes se debruçavam sobre o meu mundo, que eu havia levado tanto tempo para acomodar? Eu andava, uma vez, pela estrada da serrinha. Eu estava distraído, pensando, meus pés me levando sem que eu percebesse para que objetivo tramado pelos entes. A noite era mágica, de lua cheia, e tudo, os morros e a estrada e as árvores estavam pintados de azul. Olhando a estrada eu via nitidamente a luz incidindo e colocando outras partes em segredo, no escuro. Só que percebi que meus passos não eram os únicos que ouvia. No ar vinham sons abafados, comprimidos, distantes, perto; um grilo, sapos, pios tétricos, o vento. Quando reparei no vento meu corpo ficou tenso. Um uivo forte e volumoso veio pelo ar. Na verdade era mais como um gemido, daqueles bem doloridos. Me controlando dei de ombros, sussurrando que as noites eram sempre assim, e que
Eu fiquei olhando para aquele ser que havia sido tomado por uma revelação divina, pois, afinal, eu conseguia ver os sinais que a sucediam. E, para confirmar, havia aquele sorriso triste por baixo de suas asas silenciosas. Um dia, ao ler e reler a bíblia, o menino ficou cismando sobre a dor de Jesus. Ele não entendia o porquê de seu desespero, de sua dor imensa, monumental e colossal a ponto de verter lágrimas de sangue, chegando mesmo a se questionar se ele não teria sido fraco ou mimado. Essa questão persistiu até que, um dia, relembrou uma dor monstruosa que o obrigou a calar, por saber que não poderia suportá-la por muito tempo, e com a qual nem o tempo faria com que se acostumasse. Talvez toda criança passe por isso... Foi um choque extremamente dolorido quando viu que, um dia, seus pais iriam morrer. Possuído por esse conhecimento teve raiva de sua mãe e se isolou, a dor contida, não querendo que seus irmãos e irmãs soube
E a morte perderá seus domínios Nus os mortos serão como um Como o homem no vento e a lua no poente Quando descarnados desaparecerem os ossos Estrelas brilharão nos braços e pés Mesmo loucos permanecerão lúcidos Mesmo submersos no mar eles ressurgirão Dos amantes perdidos continuará o amor E a morte perderá o seu domínio “Gigna Thomas’ - Solaris Assim que o estrondo se fez ouvir novamente a mulher estacou, o corpo tenso de medo. Um arrepio gelado correu pelos braços e nuca. Apavorada afastou os olhos do espelho e, cuidadosamente, para não chamar a atenção, foi se dirigindo para fora do banheiro. Nem bem atingira a porta quando novos g
Uma força primitiva e soberba, mais nobre que a nossa. Ele te observa, te avalia Como te saíste até agora? A onça estava disfarçada na sombra, quieta, observando-o. Nenhuma reação, apenas um olhar desinteressado, que o caçador sabia ser enganoso. O caçador ficou algum tempo examinando a onça, nervoso, incomodado. Sem saber por que, novamente não conseguiu disparar. O ódio que sentia deveria ser mais que suficiente para atirar, para sorrir, mesmo que amargo, quando visse o sofrimento do animal. Sabia que isso não traria sua esposa e seu filho de volta, mas era uma forma de dizer a eles: sinto muita dor, mas destruí aquilo que fez mal a vocês, que os tirou de mim. Só que ali estava, e não conseguia atirar. Com raiva segurou a arma com mais força, a mira no meio do peito do bicho. Sua mente resvalou e se pegou novamente vendo os rastros de duas onças na porta da casa. Ajudado pelas pequenas veias de luz que atrave
Pegue a sombra e capture o vento; recolha a noite e o brilho da lua, o dia e o brilho do sol. Vê sua alma em cada uma dessas coisas apanhadas de Deus? - Eu estou sem saber o que fazer, cumpadre, preso nessa armadilha - lamuriou o homem sentado num toco na clareira. Seus olhos úmidos e desesperados estavam fincados nos do amigo que, sentado à sua frente, tinha o queixo pousado nas mãos unidas apoiadas sobre o cano da arma, ouvindo-o desconcertado e entristecido. > Eu não sei quantas vezes mais vou aguentar isso. Esse maldito curupira... - resmungou para as árvores que permaneceram silenciosas e indiferentes. - Acho que essa foi a quarta vez que a matei - declarou, os olhos parecendo ter se tornado ainda mais desesperados. > Faz tanto tempo já... Eu... eu sabia que não conseguia caçar nada porque o curupira estava espantando os bichos - revelou. - Eu tinha visto os rastros dele na beira de um igarapé. Sabe, os apoi
A morte faz parte da vida, como a vida faz parte da morte. O medo que temos é apenas porque não conseguimos ver o caminho à frente. Eu trabalhava todos os dias naquela roça escondida entre dois morros. Não chovia muito lá, mas havia um córrego que nunca secava. Quando eu capinava e limpava a terra, ela ficava poeirenta nos meses de verão. A vida era dura e solitária; eu nunca ia à cidade, como ninguém quase nunca passava por lá. Vivi assim por muitos e muitos anos, naquela solidão de sertão. Eu estava acostumado... Tudo estava tranquilo e eu até que me sentia feliz, naquela lida, até que um dia eu vi, escondido atrás de uma árvore, dois caras. Eu fiquei curioso, porque eles estavam escondidos, e seus olhos mostravam que eles estavam é apavorados demais, quase se borrando nas calças. Eu fui até eles, para conversar. Afinal, a solidão é algo que vai matando a alma da gente. Mas parei no meio do caminho. Eles simplesmente
O homem é apenas o homem. Legião ele é, tão perto do animal, tão perto do anjo. Santo ou demônio, possuído por luz ou escuridão, homens é o que somos. Era um boato, quer dizer, a gente achava que era. Sabe, dessas estórias de fantasmas, só para meter medo em gente medrosa. A estória era de que na margem do rio, na quarta-feira de cinzas, um padre aparecia lá e ficava olhando as águas, quieto. Realmente, a gente já tinha visto ele lá, quieto, mas nunca, por mais engraçado que parecesse, ninguém tinha chegado perto dele, para conversar ou pedir a benção. A gente estranhava, mas respeitava ele. Afinal, era um padre; ele devia estar rezando. Só que um dia uma mulher, que a gente tem por feiticeira, começou a dizer que ele era um fantasma. Apesar de ninguém mostrar que estava preocupado, todos bem sabiam que o dia seguinte era a quarta-feira de cinzas. Então quase todo mundo começou a brincar, sobre quem teria coragem de ir
Como uma sombra eu me movo, em silencio, imperceptível, invisível numa densa penumbra. O filho segurou com força a mão frágil do homem apavorado cujos olhos esgazeados perfurava o ar, temendo o que pudesse estar escondido atrás de cada lâmina. De súbito, como se tivesse perdido as forças momentaneamente, afrouxou os músculos e arriou a cabeça no travesseiro, os olhos fechados com força, expulsando as lágrimas para os leitos das rugas. Todo o corpo do velho tremia em agonia. O rosto procurava recuar, tenso, congestionado. O filho olhou o pai e sofreu, procurando os olhos do médico, que examinava com tristeza o homem moribundo. Sua dor latejou ao se perguntar como poderia dizer ao pai. Como poderia dizer, para alguém que estava para viajar, que tudo daria certo, que nunca estaria só, e que não havia escuridão? Como poderia fazê-lo ver, e acreditar, que havia luz dentro da própria morte, uma luz mais pura que qualquer outra?