POV JOSÉ EDUARDO
— Não sei do que tá falando, pai. Inclusive, vou voltar pra minha turminha. — Ah, mas não vai mesmo. Cadê a Cata… — Meu pai parou a frase assim que viu Catarina perto da geladeira, chorando. — Ela tá bem. Já falei com ela — eu disse, tentando minimizar a situação. — O que você fez com ela, José Eduardo? — Meu pai passou por mim e foi até Catarina. — Filha, ele tocou em você? — Pai, que história é essa de tocar nela? Eu não agrido mulheres! Que coisa! — Cale essa matraca, José Eduardo. Eu não te dei esse tipo de educação! Meu pai a abraçou. — Tá tudo bem, tio. Tá tudo bem… — Ah, agora vai se fazer de vítima, a pobre camponesa coitadinha. Vai na onda dela, pai, e a gente vai acabar na sarjeta! — Saia, José Eduardo. Saia antes que eu perca a cabeça. — Pai, eu sou seu filho! — Já disse pra ir, agora! E depois vai me explicar essa história de mandar todo mundo vir com traje a rigor! — Não viaja. E quanto a você, garota, parabéns! Conseguiu colocar meu pai contra mim. Fui! Saí irritado daquela cozinha. Se antes eu tive pena, agora eu sentia era vontade de esganar aquela garota. Mas devo admitir: se ela conseguiu amolecer meu coração por alguns segundos, então é capaz de dominar meu pai com facilidade. ⸻ POV CATARINA Meu tio foi acolhedor. Ele me levou para a área externa, perto da piscina. — Aqui você consegue tomar um ar. Se acalme. — Tá tudo bem, tio, já disse. — Olha, eu sinto muito. Era pra ser um jantar agradável. Eu não imaginei que José Eduardo fosse tão infantil. — Acho que ele está inseguro com a minha chegada. — Sim, está. Mas ele já é um adulto pra agir feito um adolescente enciumado. Fui e sou um excelente pai, nunca deixei faltar nada. Você precisa de cuidados agora, mas isso não significa que deixarei de ser o amigo e pai que sempre fui pra ele. — Eu disse que ficar aqui seria um problema, tio. O melhor é eu ir embora. Tio Nestor sentou-se ao meu lado, na espreguiçadeira perto da piscina. — Poxa, filha, eu não quero que você vá. Já falamos disso. — Mas olha esse transtorno todo… — Sim, acontece. Mas escuta: eu prometo que José Eduardo não vai mais cruzar seu caminho. Inclusive, já tomei medidas enérgicas pra punir essa brincadeira de mau gosto dele. — Como assim? — Vou cortar a mesada deste mês. — Não faça isso, tio. Vai ser pior. — Deixa que dele cuido eu. Ele vai aprender. Nesse momento, uma mulher chamou meu tio. — Estou ocupado, Cíntia. Já vou. — Não, tio, vai lá. Eu tô melhor. Vou ficar aqui pensando um pouco. — Não, eu fico. — Vai. Pode ir. Ele hesitou, mas acho que entendeu que eu precisava ficar um pouco sozinha. — Tá bom. Qualquer coisa, tô lá dentro. — Obrigada. ⸻ POV NATÁLIA — Leila, vem cá! — Fala, Nat. Que foi? — Olha lá a chumbrega, se fazendo de coitadinha na beira da piscina. Ela deve achar que está num clipe. — Dissimulada. Não engana a gente! — disse Leila. — Não mesmo. Mas vamos lá, dar uma forcinha pra bonita. — O que você tá tramando, Nat? — Ah, eu acho que a chumbrega precisa de um banho bem refrescante. Vai ser ótimo pra pele de caipira pobretona dela. Saí da sala de estar e fui pra área externa, colocar meu plano em ação.POV CATARINAEu estava ali, na beira da piscina, refletindo. O acolhimento do tio Nestor me ajudou a colocar a cabeça no lugar. Fora isso, pensava nas vezes em que a minha mãe me acalmou, dizendo para viver um problema de cada vez. Eu deveria seguir os conselhos dela. Um leão por dia.— Obrigada, mãe. Esteja onde estiver — falei, olhando pro céu.— Oi, fofinha. Acho que deixou algo cair na água! — Era a voz de Nathalia.Ela e Leila se aproximaram sem que eu tivesse notado.— Não sei… caiu? — perguntei, olhando pra água azul.Mas tudo que vi foi meu reflexo tremendo nas ondinhas.— Ah, me enganei… mas acho que vai cair.Nisso, Nathalia me empurrou. Ela não teria feito isso se tivesse gente por perto. Além do mais, Leila ficou na frente, tapando a visão de quem pudesse ver de dentro da casa.Dei um leve grito e bati os braços no ar, mas não foi o suficiente para recuperar o equilíbrio. Caí na água, afundando.Eu não sabia nadar.⸻POV JOSÉ EDUARDOEu ainda estava completamente enfurecid
POV JOSÉ EDUARDO— Abram espaço, ela desmaiou! — gritei para a multidão aglomerada ao redor.— Meu Deus, o que houve com ela? — perguntou meu pai, todo afoito.— Caiu na água! Depois a gente conversa sobre isso. Preciso deitá-la em algum lugar.— Vamos levá-la para dentro! — disse Corine, a governanta.— Minha sobrinha, meu Deus! Pobrezinha!— Ai, gente, para que esse escândalo? Ela só desmaiou. Nem se afogou de verdade. Saiu andando e tudo! — disse Nathalia.— Também acho. Daqui a pouco ela acorda! — completou Leila.Eu estava atordoado tentando ajudar Catarina. Fiquei com medo do pior. Então, diante da confusão, peguei Catarina nos braços e a levei para dentro. Eu notei que Nathalia e Leila tentaram entrar na sala também. — Nada disso, vocês duas ficam aí fora! — disse Corine a Leila e Nathalia.— Mas queremos ajudar!— Se precisar, a gente chama, viu, Nathalia? Vai curtir com o pessoal!Eu gostava das duas, mas Corine fez bem em deixá-las de fora. Só gerariam mais tumulto.— Ai,
POV CATARINAAcordei toda úmida depois de ter caído na piscina e desmaiado nos braços de José Eduardo. Não vi como fui parar no sofá da sala — só abri os olhos e me deparei com José Eduardo… me beijando.Corine e tio Nestor se aproximaram depois que esbofeteei meu primo no rosto.Na hora, eu estava com raiva, mas em seguida me arrependi, pensando se não havia exagerado.— Você está bem? Tá sentindo alguma coisa? — perguntou Corine, preocupada.— Não, eu tô melhor — respondi, ainda meio zonza.— Graças a Deus, minha filha! — disse tio Nestor, aliviado.— O que houve? — perguntei, sem graça. Eu ia completar com “… pra José Eduardo me beijar”, mas me calei. Acho que Corine e meu tio subentenderam.— José estava apenas fazendo respiração boca a boca. Nós que pedimos a ele — explicou meu tio.— Sim, ele ficou receoso. Não imaginávamos que você ficaria zangada. O pobre só tentou ajudar! — disse Corine, sorrindo.Fiquei vermelha de vergonha.— Meu Deus, como fui estúpida!— Não foi, menina.
POV CATARINA José Eduardo estava vestindo apenas uma toalha. Os cabelos estavam úmidos e bagunçados e no tórax firme dele escorriam gotas de água. Não tinha se secado direito.Também consegui ver o restante da musculatura do tronco, definida, com veias saltando levemente por baixo da pele. Seu cheiro era de algum sabonete cítrico… ou erva doce. — Que foi? — Disse ele tirando os olhos de mim e olhando pra si mesmo — Tem algo de errado comigo, garota? Fala aí o que você quer!Eu engoli em seco lutando pra tirar os olhos do abdome dele. — É… bem… — Hum… Tô te ouvindo. — Sei lá, eu vim pedir desculpas por ter te dado o tapa. José Eduardo deixou a porta e caminhou pra dentro do quarto. Nesse momento pude ver as costas largas, igualmente definidas. — Entra aí. Travei. Eu não ia entrar no quarto dele. — Não precisa. Só vim te pedir desculpas mesmo. Já vou pra cama. — Larga de ser otaria só uma vez e entra no quarto, caramba! O corredor estava vazio. Após pensar alguns segundos eu
Mudanças — Não vá, mãe. Não me deixe só! — Eu disse debruçado sobre o leito de morte da minha mãe. — Filha, faça o que te disse — A voz era cansada — ligue para o seu tio. Ligue para ele — mamãe tossia — eu sempre vou te amar. Após me olhar com os olhos marejados e acariciar meu rosto, mamãe deu o último suspiro e fechou os olhos. Fiquei apenas eu com aquele corpo frio tomado de silêncio. ~*~Meu nome é Catarina. Depois que meu pai nos abandonou, ficamos apenas mamãe e eu. Nós recuperamos e vivíamos bem, até ela ter uma doença grave e morrer. Eu tinha acabado de completar dezoito anos e planejava entrar pra faculdade muito em breve. Mas após ficar sozinha, talvez esse sonho devesse ser adiado .Após o velório da mame eu cheguei em casa e peguei o pedaço de papel onde ela anotou o número de telefone do meu tio distante. Ela nunca gostava de falar desse meu tio ou dos parentes dela. Eu não os conheci. Parece que mamãe fugiu para casar com meu pai e a família dela era contra. Mas
Sou indesejada — José Eduardo, essa é sua prima, Catarina.— Eu sei, pai. O senhor mandou por mensagem.Eu ainda morria de vergonha. Os dois conversavam como se eu nem estivesse ali.— Então a trate como ela merece.José Eduardo riu.— Tá de brincadeira, pai? A gente nem sabe se essa garota é quem diz ser.— Espera aí, tá achando que eu menti? — falei, levemente contrariada.— Nunca se sabe, garota. Você surgiu do nada. É fácil dizer que é sobrinha de um milionário. Só precisa provar primeiro.— José Eduardo, eu ordeno que pare! — disse meu tio, firme.— Eu paro quando o senhor tiver a razão de pensar antes de trazer uma estranha pra morar dentro de casa. Ela pode ser uma golpista que vai nos roubar!— Escuta aqui! Eu nunca roubei ninguém e nunca vou roubar! Isso é um absurdo! — falei, tentando não chorar.— Não ligue pra isso, Catarina — meu tio me abraçou.— Eu acho que seu filho tem razão… Eu vou voltar pra minha casa.— De jeito nenhum! Não vou permitir!José Eduardo riu.— Essa
— Se veio aqui me destratar, eu já tô indo embora.Sem pedir licença, ele entrou.— Embora? Ah, conta outra, menina. Já está até de roupão, como se sempre tivesse vivido aqui!Me afastei alguns passos quando José Eduardo fechou a porta atrás de si, obstruindo a saída. Ele parecia um armário de tão grande. Eu não conseguiria sair dali tão fácil.— Eu já disse que vou partir ainda hoje.José Eduardo se aproximou e alisou a gola do meu roupão de algodão, quase tocando a minha pele.— Coisa boa. Não deve estar acostumada com algo assim, né?— Não, não estou. Mas de onde eu venho, a honestidade basta. Essas coisas chiques não me compram! — falei com coragem, me afastando dele.— Olha, devo admitir: você é boa. Convincente. Mas vigaristas da sua laia eu conheço de longe.— Ah, José Eduardo… Não te conheço, mas já percebi que é arrogante e se acha muito esperto.Acho que ele não esperava minha ironia. Eu não ia bancar a coitada.— Eu não me acho. Eu sou.— Mas não parece. Agora, se puder sai
Enquanto me vestia, fiquei pensando que seria tolice permanecer ali. Nem tinham se passado algumas horas e eu já estava com dor de cabeça. Aquela ajuda não estava me dando paz. O certo seria partir dali.O telefone tocou, interrompendo meus pensamentos.— Desça aqui, minha sobrinha.— Claro, tio. Aconteceu algo?— Não, apenas quero vê-la. Saber como está.— Ah, sim. Um instante e já estou aí.Tio Nestor compreenderia meus motivos para ir embora. Eu não queria ser um peso naquela casa, nem motivo de conflito entre ele e José Eduardo.Levei algum tempo para encontrar o escritório. A casa era grande demais.Quando finalmente encontrei a porta certa, senti alívio. Estava com medo de esbarrar com meu primo.— Pois não, tio?Ele estava sentado atrás de sua mesa de madeira. Tudo ali dentro era suntuoso, com uma grande biblioteca atrás de si e até uma lareira. Havia um cheiro bom no ar, algo entre madeira e fumaça leve, defumado talvez.— Ah, você aí! — sorriu ele, tirando os olhos dos papéis