— Se veio aqui me destratar, eu já tô indo embora.
Sem pedir licença, ele entrou. — Embora? Ah, conta outra, menina. Já está até de roupão, como se sempre tivesse vivido aqui! Me afastei alguns passos quando José Eduardo fechou a porta atrás de si, obstruindo a saída. Ele parecia um armário de tão grande. Eu não conseguiria sair dali tão fácil. — Eu já disse que vou partir ainda hoje. José Eduardo se aproximou e alisou a gola do meu roupão de algodão, quase tocando a minha pele. — Coisa boa. Não deve estar acostumada com algo assim, né? — Não, não estou. Mas de onde eu venho, a honestidade basta. Essas coisas chiques não me compram! — falei com coragem, me afastando dele. — Olha, devo admitir: você é boa. Convincente. Mas vigaristas da sua laia eu conheço de longe. — Ah, José Eduardo… Não te conheço, mas já percebi que é arrogante e se acha muito esperto. Acho que ele não esperava minha ironia. Eu não ia bancar a coitada. — Eu não me acho. Eu sou. — Mas não parece. Agora, se puder sair… Eu vou me trocar e ir embora. — Faz bem. Volte para aquele bordel de onde deve ter vindo. Meu sangue ferveu. A cada frase, os insultos dele pioravam. — Eu só não enfio a mão na sua cara por respeito ao tio Nestor! José Eduardo riu. — Enfia, é? Engoli em seco quando ele disse aquilo com um olhar estranho. — Saia daqui! — Estou na minha casa. Saio quando eu quiser. Agora me diz: quanto você tá recebendo, hein? Eu pago o dobro do que meu pai te deu, e você vaza daqui. Meu desejo era dar uma bofetada nesse meu primo, mas eu podia fazer algo ainda melhor. Podia irritá-lo. — Você não acredita que eu sou sua prima, né? — Claro que não. Porque não é. Então eu sorri com presunção, encarando aquele arrogante com gosto. — Ok, como quiser… primo — falei com ironia. — Agora decidi que vou ficar. Seus olhos se arregalaram. — Não vai. Você vai embora. — Nada disso — disse, sorrindo e me sentando na cama. — Vou ficar aqui esperando o resultado do DNA. Eu mesma vou sugerir ao meu tio. José Eduardo respirava fundo, como um touro atiçado. — Você não sabe com quem tá mexendo, garota. — E nem quero saber. Agora cai fora do meu quarto ou eu chamo o tio Nestor. — Banque a esperta até onde der. Mas logo eu vou te enxotar daqui como uma cadela de rua. Ele deu alguns passos, quase voltando a se aproximar. Seu sorriso era malicioso, mas carregado de raiva. José Eduardo lançou um olhar rápido para o meu colo, onde a pele ainda estava à mostra, e passou a mão pelos cabelos. Eu não consegui decifrar o que ele pensou naquele momento. — Que vença o melhor — disse ele. — Mas acho prudente não desfazer as malas. Assim que ele saiu, soltei a respiração. Era como se, para manter aquela pose de durona, eu tivesse que parar de inspirar. — Onde eu fui me meter?Enquanto me vestia, fiquei pensando que seria tolice permanecer ali. Nem tinham se passado algumas horas e eu já estava com dor de cabeça. Aquela ajuda não estava me dando paz. O certo seria partir dali.O telefone tocou, interrompendo meus pensamentos.— Desça aqui, minha sobrinha.— Claro, tio. Aconteceu algo?— Não, apenas quero vê-la. Saber como está.— Ah, sim. Um instante e já estou aí.Tio Nestor compreenderia meus motivos para ir embora. Eu não queria ser um peso naquela casa, nem motivo de conflito entre ele e José Eduardo.Levei algum tempo para encontrar o escritório. A casa era grande demais.Quando finalmente encontrei a porta certa, senti alívio. Estava com medo de esbarrar com meu primo.— Pois não, tio?Ele estava sentado atrás de sua mesa de madeira. Tudo ali dentro era suntuoso, com uma grande biblioteca atrás de si e até uma lareira. Havia um cheiro bom no ar, algo entre madeira e fumaça leve, defumado talvez.— Ah, você aí! — sorriu ele, tirando os olhos dos papéis
POV CATARINA— Ai, mãe, o que eu vou fazer sem a senhora? — dizia a mim mesma, deitada na cama do meu quarto.Eu olhava uma foto dela na galeria do meu celular. Chorei um pouco — a dor continuava ali. Eu não queria estar vivendo meu luto daquele jeito: sendo acusada de ser uma golpista por José Eduardo. Se havia uma coisa que minha mãe me ensinou, era ser honesta.Peguei no sono, mas durou pouco. Corine veio ao meu quarto perguntar se eu precisava de ajuda para me arrumar.— Posso fazer algum penteado. Não sou das melhores, mas dou um jeito.— Ah, Corine, obrigada. Mas meu tio disse que não vai ser nada muito grandioso. Então acho que só vou passar algum olhinho nas pontas do cabelo e uma maquiagem leve.— Uhum, faz bem então. E olha, fico feliz que tenha decidido ficar. Não sabe o quanto fará bem ao senhor Nestor.— Jura? Por quê?— Nada, menina. Tem coisas que você vai entender ao longo do tempo. Apenas fique mesmo. Você é luz, já deu pra perceber.Parece que foi Deus que mandou Cor
POV CATARINAEu estava sem reação, sentindo meu corpo tremer e uma vontade imensa de fugir dali, sair correndo para um lugar solitário e chorar.Logo percebi que José Eduardo estava por trás daquilo, daquele constrangimento. Beirava a psicopatia, pura maldade. Ele nem me conhecia para chegar ao ponto de armar uma situação dessas só para me humilhar. Por quê?Procurei meu tio pela multidão, mas não o encontrei. Era desesperador.— Oi, mana, eu amei o seu vestidinho. Uma gracinha. Prazer, Natália. — disse a moça que riu de mim lá na rodinha de José Eduardo, agora me encarando de perto.— Oi. — falei, sem graça.— José me disse que você é a prima desaparecida dele. Deve estar feliz.Eu percebi logo de cara que essa menina era má. Devia ser pior que José Eduardo.— Estou. Ele é meu tio.— Hum… deve ser felicidade em dobro. Um tio rico não aparece todos os dias.— Não é por isso. Com licença, vou procurá-lo, inclusive.Antes que eu pudesse me afastar, um dos amigos de José Eduardo obstruiu
POV JOSÉ EDUARDO— Não sei do que tá falando, pai. Inclusive, vou voltar pra minha turminha.— Ah, mas não vai mesmo. Cadê a Cata… — Meu pai parou a frase assim que viu Catarina perto da geladeira, chorando.— Ela tá bem. Já falei com ela — eu disse, tentando minimizar a situação.— O que você fez com ela, José Eduardo? — Meu pai passou por mim e foi até Catarina. — Filha, ele tocou em você?— Pai, que história é essa de tocar nela? Eu não agrido mulheres! Que coisa!— Cale essa matraca, José Eduardo. Eu não te dei esse tipo de educação!Meu pai a abraçou.— Tá tudo bem, tio. Tá tudo bem…— Ah, agora vai se fazer de vítima, a pobre camponesa coitadinha. Vai na onda dela, pai, e a gente vai acabar na sarjeta!— Saia, José Eduardo. Saia antes que eu perca a cabeça.— Pai, eu sou seu filho!— Já disse pra ir, agora! E depois vai me explicar essa história de mandar todo mundo vir com traje a rigor!— Não viaja. E quanto a você, garota, parabéns! Conseguiu colocar meu pai contra mim. Fui!
POV CATARINAEu estava ali, na beira da piscina, refletindo. O acolhimento do tio Nestor me ajudou a colocar a cabeça no lugar. Fora isso, pensava nas vezes em que a minha mãe me acalmou, dizendo para viver um problema de cada vez. Eu deveria seguir os conselhos dela. Um leão por dia.— Obrigada, mãe. Esteja onde estiver — falei, olhando pro céu.— Oi, fofinha. Acho que deixou algo cair na água! — Era a voz de Nathalia.Ela e Leila se aproximaram sem que eu tivesse notado.— Não sei… caiu? — perguntei, olhando pra água azul.Mas tudo que vi foi meu reflexo tremendo nas ondinhas.— Ah, me enganei… mas acho que vai cair.Nisso, Nathalia me empurrou. Ela não teria feito isso se tivesse gente por perto. Além do mais, Leila ficou na frente, tapando a visão de quem pudesse ver de dentro da casa.Dei um leve grito e bati os braços no ar, mas não foi o suficiente para recuperar o equilíbrio. Caí na água, afundando.Eu não sabia nadar.⸻POV JOSÉ EDUARDOEu ainda estava completamente enfurecid
POV JOSÉ EDUARDO— Abram espaço, ela desmaiou! — gritei para a multidão aglomerada ao redor.— Meu Deus, o que houve com ela? — perguntou meu pai, todo afoito.— Caiu na água! Depois a gente conversa sobre isso. Preciso deitá-la em algum lugar.— Vamos levá-la para dentro! — disse Corine, a governanta.— Minha sobrinha, meu Deus! Pobrezinha!— Ai, gente, para que esse escândalo? Ela só desmaiou. Nem se afogou de verdade. Saiu andando e tudo! — disse Nathalia.— Também acho. Daqui a pouco ela acorda! — completou Leila.Eu estava atordoado tentando ajudar Catarina. Fiquei com medo do pior. Então, diante da confusão, peguei Catarina nos braços e a levei para dentro. Eu notei que Nathalia e Leila tentaram entrar na sala também. — Nada disso, vocês duas ficam aí fora! — disse Corine a Leila e Nathalia.— Mas queremos ajudar!— Se precisar, a gente chama, viu, Nathalia? Vai curtir com o pessoal!Eu gostava das duas, mas Corine fez bem em deixá-las de fora. Só gerariam mais tumulto.— Ai,
POV CATARINAAcordei toda úmida depois de ter caído na piscina e desmaiado nos braços de José Eduardo. Não vi como fui parar no sofá da sala — só abri os olhos e me deparei com José Eduardo… me beijando.Corine e tio Nestor se aproximaram depois que esbofeteei meu primo no rosto.Na hora, eu estava com raiva, mas em seguida me arrependi, pensando se não havia exagerado.— Você está bem? Tá sentindo alguma coisa? — perguntou Corine, preocupada.— Não, eu tô melhor — respondi, ainda meio zonza.— Graças a Deus, minha filha! — disse tio Nestor, aliviado.— O que houve? — perguntei, sem graça. Eu ia completar com “… pra José Eduardo me beijar”, mas me calei. Acho que Corine e meu tio subentenderam.— José estava apenas fazendo respiração boca a boca. Nós que pedimos a ele — explicou meu tio.— Sim, ele ficou receoso. Não imaginávamos que você ficaria zangada. O pobre só tentou ajudar! — disse Corine, sorrindo.Fiquei vermelha de vergonha.— Meu Deus, como fui estúpida!— Não foi, menina.
POV CATARINA José Eduardo estava vestindo apenas uma toalha. Os cabelos estavam úmidos e bagunçados e no tórax firme dele escorriam gotas de água. Não tinha se secado direito.Também consegui ver o restante da musculatura do tronco, definida, com veias saltando levemente por baixo da pele. Seu cheiro era de algum sabonete cítrico… ou erva doce. — Que foi? — Disse ele tirando os olhos de mim e olhando pra si mesmo — Tem algo de errado comigo, garota? Fala aí o que você quer!Eu engoli em seco lutando pra tirar os olhos do abdome dele. — É… bem… — Hum… Tô te ouvindo. — Sei lá, eu vim pedir desculpas por ter te dado o tapa. José Eduardo deixou a porta e caminhou pra dentro do quarto. Nesse momento pude ver as costas largas, igualmente definidas. — Entra aí. Travei. Eu não ia entrar no quarto dele. — Não precisa. Só vim te pedir desculpas mesmo. Já vou pra cama. — Larga de ser otaria só uma vez e entra no quarto, caramba! O corredor estava vazio. Após pensar alguns segundos eu