POV CATARINA
Eu estava sem reação, sentindo meu corpo tremer e uma vontade imensa de fugir dali, sair correndo para um lugar solitário e chorar. Logo percebi que José Eduardo estava por trás daquilo, daquele constrangimento. Beirava a psicopatia, pura maldade. Ele nem me conhecia para chegar ao ponto de armar uma situação dessas só para me humilhar. Por quê? Procurei meu tio pela multidão, mas não o encontrei. Era desesperador. — Oi, mana, eu amei o seu vestidinho. Uma gracinha. Prazer, Natália. — disse a moça que riu de mim lá na rodinha de José Eduardo, agora me encarando de perto. — Oi. — falei, sem graça. — José me disse que você é a prima desaparecida dele. Deve estar feliz. Eu percebi logo de cara que essa menina era má. Devia ser pior que José Eduardo. — Estou. Ele é meu tio. — Hum… deve ser felicidade em dobro. Um tio rico não aparece todos os dias. — Não é por isso. Com licença, vou procurá-lo, inclusive. Antes que eu pudesse me afastar, um dos amigos de José Eduardo obstruiu minha passagem. Atrás dele estavam José Eduardo e outra menina. — Seja bem-vinda! Sou Pedro! — disse o rapaz, apertando minha mão. Ele pareceu mais cordial, mas logo percebi a malícia em seu olhar. — Catarina. — respondi. — Sua priminha é uma fofa, toda simplesinha. Olha a roupinha fofa dela, Leila! — disse Natália. — Bem… bem camponesa. Eu gostei do estilo peculiar. A gente não está acostumada, mas vai bem em você, flor. — comentou Leila com um sorriso falso. Eu queria abrir um buraco no chão e me enterrar nele. — Seja bem-vinda, priminha! — José Eduardo ergueu sua taça em minha direção, fazendo um brinde cínico. — Com licença, vou procurar meu tio. Dei as costas para aquela gente, mas sabia que me devoravam com o olhar. Sentia o peso da maldade sobre meus ombros. Eu queria chorar. ⸻ POV JOSÉ EDUARDO — Vou lá ver onde essa maluca vai se meter. — Eu vou com você, José! — disse Natália. — Nada disso, espera aí. Só vou ver se a “pobre coitadinha” não vai roubar nada. — Encarnou mesmo com a menina. Ela nem parece tão má assim… até aparenta ser ingênua. — comentou Pedro. — Pois pra mim tem cara de safada, de vigarista mesmo. Está se fazendo de sonsa. Não me engana. — falou Natália, com asco na voz. — Certo, pessoal, já volto! Atravessando a multidão, fui até a cozinha, onde imaginei que Catarina estivesse. ⸻ POV CATARINA Encostei na geladeira e comecei a chorar. Chorava muito. Eu queria sumir, desaparecer. Doía tanto aquela sensação de estar sozinha. Só queria um abraço da minha mãe. Mas não tinha ninguém ali. Estava entregue à própria sorte. — Não era o que queria, priminha? Uma recepção de boas-vindas? Conseguiu! — ouvi a voz grave do meu primo ecoar pela cozinha vazia. Eu não esperava que ele fosse me seguir. Já não era vingança o suficiente me fazer passar por aquela situação vexatória? — Me deixe em paz, garoto. Me deixa… Não me virei para encará-lo. Continuei de costas, encolhida, devastada. — Seu choro não me convence. — Eu não quero te convencer de nada! Você venceu! ⸻ POV JOSÉ EDUARDO Eu tentava manter a pose de durão, mas Catarina não parava de chorar, e eu sentia minhas certezas desmoronarem. — Eu disse pra ir embora. Apenas vá antes que seja tarde. Pro seu bem. — falei com certa compaixão. Mas Catarina não respondeu. Só ficou ali, fungando entre as lágrimas que deviam estar escorrendo aos montes. — José Eduardo! Eu quero explicações sobre essa palhaçada que você armou! Agora! Meu pai surgiu na cozinha, completamente zangado. Eu estava ferrado.POV JOSÉ EDUARDO— Não sei do que tá falando, pai. Inclusive, vou voltar pra minha turminha.— Ah, mas não vai mesmo. Cadê a Cata… — Meu pai parou a frase assim que viu Catarina perto da geladeira, chorando.— Ela tá bem. Já falei com ela — eu disse, tentando minimizar a situação.— O que você fez com ela, José Eduardo? — Meu pai passou por mim e foi até Catarina. — Filha, ele tocou em você?— Pai, que história é essa de tocar nela? Eu não agrido mulheres! Que coisa!— Cale essa matraca, José Eduardo. Eu não te dei esse tipo de educação!Meu pai a abraçou.— Tá tudo bem, tio. Tá tudo bem…— Ah, agora vai se fazer de vítima, a pobre camponesa coitadinha. Vai na onda dela, pai, e a gente vai acabar na sarjeta!— Saia, José Eduardo. Saia antes que eu perca a cabeça.— Pai, eu sou seu filho!— Já disse pra ir, agora! E depois vai me explicar essa história de mandar todo mundo vir com traje a rigor!— Não viaja. E quanto a você, garota, parabéns! Conseguiu colocar meu pai contra mim. Fui!
POV CATARINAEu estava ali, na beira da piscina, refletindo. O acolhimento do tio Nestor me ajudou a colocar a cabeça no lugar. Fora isso, pensava nas vezes em que a minha mãe me acalmou, dizendo para viver um problema de cada vez. Eu deveria seguir os conselhos dela. Um leão por dia.— Obrigada, mãe. Esteja onde estiver — falei, olhando pro céu.— Oi, fofinha. Acho que deixou algo cair na água! — Era a voz de Nathalia.Ela e Leila se aproximaram sem que eu tivesse notado.— Não sei… caiu? — perguntei, olhando pra água azul.Mas tudo que vi foi meu reflexo tremendo nas ondinhas.— Ah, me enganei… mas acho que vai cair.Nisso, Nathalia me empurrou. Ela não teria feito isso se tivesse gente por perto. Além do mais, Leila ficou na frente, tapando a visão de quem pudesse ver de dentro da casa.Dei um leve grito e bati os braços no ar, mas não foi o suficiente para recuperar o equilíbrio. Caí na água, afundando.Eu não sabia nadar.⸻POV JOSÉ EDUARDOEu ainda estava completamente enfurecid
POV JOSÉ EDUARDO— Abram espaço, ela desmaiou! — gritei para a multidão aglomerada ao redor.— Meu Deus, o que houve com ela? — perguntou meu pai, todo afoito.— Caiu na água! Depois a gente conversa sobre isso. Preciso deitá-la em algum lugar.— Vamos levá-la para dentro! — disse Corine, a governanta.— Minha sobrinha, meu Deus! Pobrezinha!— Ai, gente, para que esse escândalo? Ela só desmaiou. Nem se afogou de verdade. Saiu andando e tudo! — disse Nathalia.— Também acho. Daqui a pouco ela acorda! — completou Leila.Eu estava atordoado tentando ajudar Catarina. Fiquei com medo do pior. Então, diante da confusão, peguei Catarina nos braços e a levei para dentro. Eu notei que Nathalia e Leila tentaram entrar na sala também. — Nada disso, vocês duas ficam aí fora! — disse Corine a Leila e Nathalia.— Mas queremos ajudar!— Se precisar, a gente chama, viu, Nathalia? Vai curtir com o pessoal!Eu gostava das duas, mas Corine fez bem em deixá-las de fora. Só gerariam mais tumulto.— Ai,
POV CATARINAAcordei toda úmida depois de ter caído na piscina e desmaiado nos braços de José Eduardo. Não vi como fui parar no sofá da sala — só abri os olhos e me deparei com José Eduardo… me beijando.Corine e tio Nestor se aproximaram depois que esbofeteei meu primo no rosto.Na hora, eu estava com raiva, mas em seguida me arrependi, pensando se não havia exagerado.— Você está bem? Tá sentindo alguma coisa? — perguntou Corine, preocupada.— Não, eu tô melhor — respondi, ainda meio zonza.— Graças a Deus, minha filha! — disse tio Nestor, aliviado.— O que houve? — perguntei, sem graça. Eu ia completar com “… pra José Eduardo me beijar”, mas me calei. Acho que Corine e meu tio subentenderam.— José estava apenas fazendo respiração boca a boca. Nós que pedimos a ele — explicou meu tio.— Sim, ele ficou receoso. Não imaginávamos que você ficaria zangada. O pobre só tentou ajudar! — disse Corine, sorrindo.Fiquei vermelha de vergonha.— Meu Deus, como fui estúpida!— Não foi, menina.
POV CATARINA José Eduardo estava vestindo apenas uma toalha. Os cabelos estavam úmidos e bagunçados e no tórax firme dele escorriam gotas de água. Não tinha se secado direito.Também consegui ver o restante da musculatura do tronco, definida, com veias saltando levemente por baixo da pele. Seu cheiro era de algum sabonete cítrico… ou erva doce. — Que foi? — Disse ele tirando os olhos de mim e olhando pra si mesmo — Tem algo de errado comigo, garota? Fala aí o que você quer!Eu engoli em seco lutando pra tirar os olhos do abdome dele. — É… bem… — Hum… Tô te ouvindo. — Sei lá, eu vim pedir desculpas por ter te dado o tapa. José Eduardo deixou a porta e caminhou pra dentro do quarto. Nesse momento pude ver as costas largas, igualmente definidas. — Entra aí. Travei. Eu não ia entrar no quarto dele. — Não precisa. Só vim te pedir desculpas mesmo. Já vou pra cama. — Larga de ser otaria só uma vez e entra no quarto, caramba! O corredor estava vazio. Após pensar alguns segundos eu
Mudanças — Não vá, mãe. Não me deixe só! — Eu disse debruçado sobre o leito de morte da minha mãe. — Filha, faça o que te disse — A voz era cansada — ligue para o seu tio. Ligue para ele — mamãe tossia — eu sempre vou te amar. Após me olhar com os olhos marejados e acariciar meu rosto, mamãe deu o último suspiro e fechou os olhos. Fiquei apenas eu com aquele corpo frio tomado de silêncio. ~*~Meu nome é Catarina. Depois que meu pai nos abandonou, ficamos apenas mamãe e eu. Nós recuperamos e vivíamos bem, até ela ter uma doença grave e morrer. Eu tinha acabado de completar dezoito anos e planejava entrar pra faculdade muito em breve. Mas após ficar sozinha, talvez esse sonho devesse ser adiado .Após o velório da mame eu cheguei em casa e peguei o pedaço de papel onde ela anotou o número de telefone do meu tio distante. Ela nunca gostava de falar desse meu tio ou dos parentes dela. Eu não os conheci. Parece que mamãe fugiu para casar com meu pai e a família dela era contra. Mas
Sou indesejada — José Eduardo, essa é sua prima, Catarina.— Eu sei, pai. O senhor mandou por mensagem.Eu ainda morria de vergonha. Os dois conversavam como se eu nem estivesse ali.— Então a trate como ela merece.José Eduardo riu.— Tá de brincadeira, pai? A gente nem sabe se essa garota é quem diz ser.— Espera aí, tá achando que eu menti? — falei, levemente contrariada.— Nunca se sabe, garota. Você surgiu do nada. É fácil dizer que é sobrinha de um milionário. Só precisa provar primeiro.— José Eduardo, eu ordeno que pare! — disse meu tio, firme.— Eu paro quando o senhor tiver a razão de pensar antes de trazer uma estranha pra morar dentro de casa. Ela pode ser uma golpista que vai nos roubar!— Escuta aqui! Eu nunca roubei ninguém e nunca vou roubar! Isso é um absurdo! — falei, tentando não chorar.— Não ligue pra isso, Catarina — meu tio me abraçou.— Eu acho que seu filho tem razão… Eu vou voltar pra minha casa.— De jeito nenhum! Não vou permitir!José Eduardo riu.— Essa
— Se veio aqui me destratar, eu já tô indo embora.Sem pedir licença, ele entrou.— Embora? Ah, conta outra, menina. Já está até de roupão, como se sempre tivesse vivido aqui!Me afastei alguns passos quando José Eduardo fechou a porta atrás de si, obstruindo a saída. Ele parecia um armário de tão grande. Eu não conseguiria sair dali tão fácil.— Eu já disse que vou partir ainda hoje.José Eduardo se aproximou e alisou a gola do meu roupão de algodão, quase tocando a minha pele.— Coisa boa. Não deve estar acostumada com algo assim, né?— Não, não estou. Mas de onde eu venho, a honestidade basta. Essas coisas chiques não me compram! — falei com coragem, me afastando dele.— Olha, devo admitir: você é boa. Convincente. Mas vigaristas da sua laia eu conheço de longe.— Ah, José Eduardo… Não te conheço, mas já percebi que é arrogante e se acha muito esperto.Acho que ele não esperava minha ironia. Eu não ia bancar a coitada.— Eu não me acho. Eu sou.— Mas não parece. Agora, se puder sai