Olivia
O ônibus da escola parou em frente à porteira do rancho. Desci, me despedindo do motorista, e percorri sob o sol quente a estrada até em casa. Ao me aproximar, observei como estava tudo estranhamente quieto. O meu pai não estava mexendo no trator, e a minha mãe não estendia roupas no varal ou fazia reparos nas camisas furadas, sentada em uma cadeira no alpendre.
A porta dos fundos estava entreaberta. Subi os degraus e a empurrei, dando-me passagem. Meus olhos se arregalaram quando vi a dois passos um machado sujo de sangue, jogado no chão. Meu coração palpitou forte no peito com o pavor que me preencheu subitamente.
— Mamãe — chamei-a, mas nenhum ruído foi ouvido.
Tirei a mochila das costas e deixei-a no chão, junto a pia. Entrei na casa a passos oscilantes. Na quina da parede que separava a cozinha da sala, havia rastros de sangue sobre a tinta amarela. Uma mão se firmou ali antes de ser arrastada. Com olhos marejados e mãos trêmulas, continuei a caminhar. Uma linha de sangue percorria o chão do corredor até o último quarto. Era naquele cômodo que os meus pais dormiam.
A porta estava fechada. Segurando firmemente a maçaneta, pensei duas vezes se devia abri-la. Lágrimas desceram pela face, e um nó se formou na garganta. Tomada por toda a minha coragem, abri-a. Por alguns segundos, não soube decifrar o que era aquilo sobre cama. Mas, quando encarei os seus pés, as únicas partes que não estavam completamente vermelhas, entendi que aquele era o corpo da minha mãe. As unhas estavam pintadas de rosa e nos dedões havia margaridas desenhadas.
Eu não consegui gritar. Da minha boca não saía sequer uma sílaba, ou ruído. Não tinha forças. Virando-me lentamente, andei de volta para a cozinha. No chão, apanhei o machado e saí da casa. Desnorteada, apavorada e um tanto confusa, corri em direção ao estábulo. Precisava me esconder. Quem quer que tivesse feito aquilo, ainda poderia estar por perto.
Ao passar pelas portas, escutei barulhos vindo de uma das duas baias. Apertando as mãos no cabo do machado, me aproximei. No tanque de água, o meu pai lavava os seus braços ensanguentados. Meu pavor triplicou, e lágrimas desceram abundantemente. Quando notou a minha presença, ele ergueu a cabeça e me olhou, sorrindo. Havia sangue respingado no seu rosto e pescoço.
— Ela não vai mais me perturbar — disse ele, sem pesar.
— Você a matou? — sussurrei quase sem ar, sentindo o corpo todo estremecer.
— Precisava dar um jeito nela. — Sorriu.
Seus olhos desceram lentamente até as minhas mãos, observando o que eu segurava. O sorriso se desfez, e fúria preencheu a sua face.
— Me dê isso! — ordenou alto, aproximando-se rapidamente.
A sua roupa estava completamente manchada com o sangue e a honra da mulher para quem um dia ele jurou amor e cuidado eterno.
— Não! — Dei um passo para trás, tentando escapar dele. Tive medo de que me matasse também.
— Me dê isso agora! — gritou, avançando para cima de mim.
Eu não sei. Não sei se foi instinto, reflexo, ou se o mal também existia em mim, como existia nele. Em um instante, ele não mais gritava. Não andava. Apenas se engasgava com o próprio sangue, olhando para baixo, enquanto as mãos tentavam retirar o machado fincado por mim em seu peito.
***
Doze anos depois…
— Está na hora — disse Tate ao passar por mim, indo em direção ao palco.
Apanhei a minha jaqueta vermelha e vesti-a. Mas antes de deixar o pequeno camarim, olhei-me uma última vez no espelho. Ajeitei os cabelos, coloquei o chapéu e limpei o cantinho do lábio inferior onde havia um borrado de batom vermelho. Respirando fundo, dei um passo para trás e alinhei o vestido cravejado de cristais. Sorri para mim mesma e caminhei em direção à saída, apanhando meu violão que estava próximo à porta.
Ao chegar no palco, colocaram no meu ouvido o retorno do som e prenderam a caixa da bateria na parte de trás do vestido. Um dos auxiliares se aproximou e conectou um cabo no meu violão. A banda começou a introdução da canção Life Is A Highway. Lá fora, a plateia começou a gritar e bater palmas. Eu gostava disso. Gostava dessa empolgação, dos ânimos a flor da pele, de levar euforia com a música.
Sentindo um leve arrepio subir os braços, entrei no palco recebendo assobios e mais gritos. Toda aquela energia fez com que um pouco de emoção marejasse meus olhos. Aproximei-me do microfone no pedestal e comecei a cantar, enquanto os meus dedos tocavam as cordas do violão no ritmo da música.
O show chegou ao fim depois de duas horas, com apenas um intervalo de dez minutos. Tate assumiu o vocal nesse tempo, com as mais românticas. Quando descemos do palco, todos estavam animados e satisfeito com o que fizemos ali nessa noite.
— Vem, Oli. Vamos ver o rodeio. — Clay pegou-me pela mão e puxou-me para ir com eles.
No caminho até a arena, pessoas nos pararam e, pela primeira vez, pediram para tirar fotos conosco. Clay tinha um sorriso imensamente largo e feliz com a atenção que recebia das mulheres. Deixe-os com elas e segui caminho, sozinha. Estava na parte de trás da arena, procurando pela entrada. Talvez eu estivesse um pouco perdida. Ao lado, alguns peões que se preparavam para montar. Eles formavam um grupinho ao canto e fazia uma oração. Parei, observando-os.
— Boa noite, senhorita. — Uma voz grave ecoou atrás de mim, fazendo-me virar já com um sorriso no rosto, ao mesmo tempo que clamei mentalmente para que o homem fosse tão bonito quanto a sua voz.
E ele é.
— Boa noite.
Os seus olhos percorreram-me de cima a baixo.
— Amei a sua roupa — disse com um sorriso marcando o canto da boca.
— Adorei a fivela — falei olhando para a enorme fivela dourada acima do seu volume entre as pernas, divinamente marcado pelo jeans justo.
Uma risadinha escapou dele, que deu um passo adiante, estendendo-me a sua mão.
— Jason Bennett ao seu dispor. — Retirou o chapéu, revelando os seus cabelos escuros, lisos e de corte ligeiramente longo, um pouco acima dos ombros.
— Olivia Davis. — Coloquei a minha mão sobre a sua, sentindo a pele áspera e o calor que emanava dela.
Ele a segurou com firmeza e levou-a até seus lábios, beijando demoradamente o dorso.
— Muito prazer, Olivia. Está acompanhada essa noite?
— Direto ao ponto — disse, sorrindo.
— Rodeio para mim, só na arena. — Lançou-me uma piscadela.
— Desacompanhada e solteira.
— Por enquanto. — Soltou a minha mão e colocou o chapéu de volta na cabeça.
— Jason — chamaram-no.
— Tenho que ir, preciso ficar oito segundos em cima de um touro. Adoraria vê-la na plateia. Serei o sétimo a entrar.
— Estarei lá.
— Esteja livre para uma dança depois disso, Olivia.
Com um belo sorriso, ele piscou novamente para mim e se foi. O homem é lindo! Alto, pele levemente bronzeada e tinha belíssimos olhos azuis. Feliz em conhecer alguém bonito e cavalheiro, apressei os passos em direção à arquibancada. Tentei encontrar o melhor lugar.
OliviaAo me sentar, logo o primeiro peão entrou na arena. Pobre coitado. Não durou nem cinco segundos. Depois veio o segundo. Caiu faltando milésimos para o fim do tempo. Então veio o terceiro. Ele arrasou. Jason teria que fazer muito melhor do que isso.— Esse lugar está vago? — perguntou um homem.— Sim — respondi, olhando-o em seguida. E, para minha surpresa, era o cara da noite anterior, no bar. Aquele, o senhor não-estou-a-fim.— Boa noite, cantora — cumprimentou-me com um sorrisinho debochado e sentou-se ao meu lado.— Oi. — Limitei-me a dizer, olhando novamente para frente.Um pequeno nervosismo surgiu em mim.De todos os lugares vagos, ele tinha mesmo que se sentar aqui?Espiei-o pelos cantos dos olhos, observando-o. A luz ali era melhor do que a do bar. As pequenas costeletas abaixo do grande chapéu mostravam a cor do seu cabelo. É escuro. Ele, assim como muitos cowboys por ali, tem a pele bronzeada pela lida. Acho isso tentador. O rosto tem o maxilar marcado, o corpo é gran
JadenOs dois dançaram juntos. Riram juntos. Jason brincou de tiro ao alvo só para pegar para ela um bendito coala de pelúcia, e Olivia sorriu satisfeita com aquela coisa feia. Ao longe, os acompanhei por toda a feira. Ela é bonita, dos pés à cabeça. Tem grossas panturrilhas que preenchem bem o cano da sua bota cromada.Os dois se divertiram por três longas horas. Ele notou que eu os acompanhava e encarou-me feio por duas vezes. Talvez, se tivesse coragem, depois viesse tirar satisfação, querer saber o que eu estava fazendo e o porquê disso. Diria a ele qualquer coisa, menos que estava muito interessado em trepar usando de muita força com aquela garota, que ele nem sequer teve coragem de tocar na cintura.Não sei bem o que Olivia tem ou o que despertou em mim naquela noite no bar. Só sei que desde então me pego pensando em como seria espalmar a sua bunda a cada olhar rude e resposta maldada. Ela havia atiçado o bicho dentro de mim. Aquele que faz uso da força e do laço para chegar ao
JadenQuando o sol terminou de se erguer atrás das montanhas, eu já estava cavalgando de volta para o rancho. Vi homens retornando para o pasto oeste.— Algum problema? — perguntei, alto.— Sim — respondeu um deles, vindo até mim.— A cerca foi torada outra vez.— Deixa eu adivinhar. Outro buraco?Ele assentiu.— O terceiro em uma semana. — Respirei fundo, frustrado. — Que diabos essa pessoa quer? — perguntei, irritado.— Acreditamos que esteja procurando por alguma coisa.— Não tem nada para ela aqui, seja quem for. Consertem a cerca. Coloque alguém de vigia essa noite.— Sim, senhor.Continuei o meu caminho, rumo à sede. Ao chegar à casa, Jason estava sentado na varanda com uma caneca nas mãos. Subi os degraus em direção à porta, já esperando ser interceptado por ele.— Que merda era aquela ontem à noite? — O seu tom denunciou um pouco da sua irritação.— Estava de olho em você.— Por três horas? — Levantou-se, vindo até mim.— O nosso pai agora é o governador, não posso mais deixar
JadenUm sorriso foi inevitável. Sempre é. O seu jeito um tanto ignorante me atiçava ao mesmo tempo que me irritava, mas precisava admitir, combinava muito bem com ela.— Na verdade, me parece perdida — disse sério.Olivia cruzou os braços à frente e arqueou a sobrancelha esquerda para mim.— Acho melhor deixar eu te guiar pela pista. Estar junto de um local é mais seguro.— Hoje você parece bem a fim. — Lançou-me um sorriso debochado.— Talvez eu esteja.Ela se afastou do balcão e deu um passo na minha direção, ficando a centímetros de distância. O seu perfume doce recendeu no meu nariz. Os olhos subiram do meu peito indo de encontro aos meus. Ela era baixinha, talvez um metro e sessenta, uma boa diferença para um homem com quase dois metros de altura. Mas isso apenas a deixava ainda mais sensual para mim.— Está a fim? — perguntou com a voz baixa, tocando os meus ombros com as pontas dos dedos, subindo até o pescoço.Prendi a minha respiração, concentrando-me em evitar que o meu memb
OliviaQuando o calor do seu corpo se foi, continuei grudada na lataria. Sentia as pernas fracas e as minhas estranhas vibrarem quentes. Por Deus! O que foi aquilo? O que é esse homem?Em um impulso, abri rapidamente a porta do carro e entrei. Não liguei o motor imediatamente. Não sabia se conseguiria dirigir naquele minuto. Se não fosse a sua arrogância, talvez eu tivesse tirado a roupa para ele ali mesmo. Ou será que a vontade súbita de me despir era devido à sua arrogância? Isso é problemático? Não tenho certeza, mas acho que sim.A caminhonete dele passou pela minha, indo embora. Coloquei a chave na ignição e liguei o motor, seguindo de volta para o estacionamento de trailers. Ao entrar naquilo que eu tinha há alguns anos como a minha casa, sentei-me na cama e retirei as botas. O meu corpo se pendeu para trás, acomodando-se no amontoado de travesseiros e almofadas. A minha mão direita tocou a minha barriga onde a sua havia estado alguns minutos atrás. Era como se a minha pele ainda
OliviaSubimos no palco e logo começamos a cantar. Não demorou nem duas músicas para que, em meio a plateia, eu enxergasse Jason. Parecia animado e segurava um copo de cerveja. Quando acabamos, ele me esperava aos fundos do palco. Na mão, tinha uma única rosa de cor vermelha. Preso ao seu fino caule, um delicado laço de cetim branco.— Obrigada. — Sorri e coloquei-me na posta dos pés para beijar o seu rosto. Mesmo que as botas tivessem saltos médios, ele era grande como o seu irmão.— Não tem de que — disse, retirando o chapéu.As suas bochechas ficaram levemente coradas, achei isso adorável.— Que dar uma volta? — chamei-o.— Pensei em te comprar uma maçã do amor e depois irmos na roda gigante.Sorri novamente. Jason se parecia com um dos muitos personagens dos livros de romance que lia na adolescência. É gentil, galanteador e um tanto romântico. E eu gosto muito disso.— Aceito — disse, sentindo-me um pouco nervosa com a proposta da roda gigante.O seu rosto se preencheu com um enorm
Olivia— Dez minutos lá em cima — disse Jason, balançando os ingressos à minha frente. — Está tudo bem? — Franziu o cenho.— Sim. — Tentei forçar um sorriso.Não queria que o nosso clima adorável fosse embora por minha culpa. Ou melhor… por culpa do seu belíssimo irmão.A nossa vez logo chegou e nós entramos. Quando a trava foi abaixada sobre nós e começamos lentamente a subir, concentrei a minha visão na maçã do amor que segurava firmemente com as duas mãos, a fim de não olhar para baixo. Eu não me dou bem com grandes alturas, mas Jason não precisa saber. Ele está sendo um amor e não quero estragar o seu plano romântico. E além disso, é só uns trinta metros de altura, eu posso lidar com isso.— E então… O que está achando de Helena?— Gosto daqui. — Olhei para ele. — A cidade tem um tamanho ideal e as pessoas são educadas.— Moraria aqui?— Talvez um dia, quando eu me cansar dos palcos.— Para onde vai depois daqui?— Os meninos e eu queremos ir para Nashville.— Tennessee?! — pergunt
OliviaJason me ajudou a sair da roda gigante. A minha mão grudava cheia de açúcar e manchada de vermelho. Fomos até uma barraca de bebidas e ele comprou uma garrafa d’água. Abriu-a e despejou-a nas minhas mãos, para que eu pudesse lavá-las. Depois me deu guardanapos e seguimos andando pela feira.— Aí, Jason! — Alguém gritou por ele.Paramos e olhamos para trás.— Olá, moça bonita. — Um homem cumprimentou-me, tocando cordialmente a ponta do seu chapéu. — Sou o Will. — Estendeu-me a mão.— Olivia. — Apertei a sua palma.— Larga a mão dela — falou Jason, em um tom humorado, dando um tapinha no braço do homem.— Estamos indo para o rancho. Vamos dar continuidade na festa por lá — falou muito animado.— Não faria isso se fosse vocês. Lembrem-se que amanhã acordamos às quatro. E se Jaden descobre, ele não ficará nada feliz.— Ele está bem ocupado com os negócios por aqui.Jason me olhou apreensivo.— Vamos lá, cara. Estamos levando algumas garotas e cerveja. Pode levar a Olivia. — Piscou p