Meu pai me conduziu pelo corredor da igreja e as centenas de convidados divididos dos dois lados do corredor me encaravam, Cosa Nostra de um lado, 'Ndrangheta do outro, os olhares observadores em mim, alguns com pena, outros com cobiça e aqueles que eu não conseguia decifrar, mas todos estavam ali vendo a virgem vestida de branco, sendo entregue ao próximo dono pelo próprio pai.
Olhei para o final do corredor, onde Filippo estava em pé. Alto e forte, com um sorriso doentio nos lábios, me esperando como se fosse o momento mais feliz da vida dele.
Talvez fosse para ele, mas para mim seria o meu fim.
Meu pai me puxou e minhas pernas pareciam me carregar em seu próprio ritmo enquanto meu corpo tremia de nervoso. Pétalas de rosas vermelhas cobriam meu caminho, amaciando meu caminho para um futuro duro e triste.
Eu sabia o quanto Filippo era horrível e que jamais me respeitaria, eu seria apenas um pedaço de carne, um corpo onde ele poderia se enterrar, um recipiente para carregar seus filhos.
A mão de meu pai se apertou em torno de meus dedos e eu soube que deveria erguer o rosto e voltar a encarar meu futuro marido, mas queria poder fugir dele pelos últimos segundos que me restavam.
A caminhada levou uma eternidade e, ainda assim, acabou rápido demais, eu só queria nunca chegar até o fim do corredor. Meu pai parou em frente ao altar e segurou os cantos do meu véu levantando antes de entregar minha mão a Filippo.
— Oi noivinha. — eu me forcei a sorri para ele, mas não porque gostava quando me chamava assim, era apenas por obrigação.
Depois que ele tinha me encurralado em um canto da casa na noite do nosso noivado e forçado sua língua para dentro da minha boca, todo o meu desprezo por ele se transformou em uma mistura de nojo e pavor, pois eu sabia que seria exatamente assim que ele faria essa noite, se forçaria para dentro de mim sem se importar com qualquer coisa que eu sentisse, simplesmente porque eu era sua propriedade.
“Quero ver você fugir de mim assim quando estivermos casados, você vai ser minha e vou fazer o que quiser com você.” Foi o que ele disse quando tentei desviar dos lábios nojentos dele.
O sacerdote, que vestia uma túnica branca, cumprimentou a nós e aos convidados, antes de começar sua oração inicial.
Tentei respirar fundo e me manter firme, mesmo que o espartilho apertado cortasse meu ar, dificultando minha respiração, mas a única coisa que mantinha meu foco era a mão dele apertado a minha, se esfregando de forma insinuativa só para me desestabilizar.
Quando finalmente o sacerdote chegou ao fim do Evangelho, minhas pernas estavam ainda mais moles enquanto o homem ao meu lado mantinha o sorriso nos lábios.
— Filippo e Angela, vocês estão aqui livremente e sem reservas para se entregarem um ao outro em matrimônio? — NÃO, era o que eu queria gritar. — Irão se amar e honrar um ao outro como marido e mulher até que a morte os separe?
Mas antes que pudéssemos responder passos sincronizados, como botas de combate batendo contra o piso da igreja foram ouvidos. Todos os homens puxaram suas armas, menos Filippo, que continuou segurando minha mão parecendo confiante de mais.
Talvez ele tivesse razão em pensar que não era um ataque, afinal os homens de guarda do lado de fora da igreja não tinham dito nada, não se ouviu nenhum barulho vindo de fora.
Mas antes que qualquer um surgisse na porta o barulho de um metal caindo no chão ecoou no silêncio da igreja.
— Granada! — ouvi alguém gritar e a multidão se agitou correndo, gritando, se esbarrando uns nos outros.
Filippo olhou em volta como uma barata tonta, desesperado por um abrigo, apertando minha mão com tanta força que pensei que quebraria meus ossos. Então algo explodiu a nossa volta, o som alto de mais massacrando nossos ouvidos, ele se virou correndo e me empurrando, eu não consegui e equilibrar com os saltos e cai no chão, batendo os joelhos na pedra dura e fria.
O caos em volta me deixava desorientada, a dor em meus joelhos me fazia querer chorar enquanto meus ouvidos ainda zuniam de forma dolorida, minha cabeça girava e todos os meus sentidos estavam uma bagunça.
Levei as mãos aos ouvidos tentando abafar o som ou ao menos conseguir pensar, enquanto as pessoas corriam a minha volta, me empurrando, pisoteando, me machucando sem se importarem.
— Mãe! Pai! — gritei tentando encontrar alguém.
Não havia fogo em volta, apenas uma fumaça branca tornando difícil a localização de qualquer coisa. Não tinha como achar meus pais ou irmãos, nem mesmo nossos seguranças pareciam estar por perto.
Quando eu pensei que ficaria ali esquecida, até ser pisoteada ou morta por nossos invasores, mãos grandes e firmes envolveram meu corpo me levantando e me aninhando nos braços fortes.
Eu não conseguia enxergar com a fumaça e a bagunça, mas me deixei ser levada pelo homem que me seguravam com maestria e de forma protetora, me levando para fora daquele inferno de lugar direto para a segurança de um carro.
Respirei aliviada quando a porta foi fechada e o carro saiu do lugar, com sorte eu teria ganhado mais alguns dias sem um marido, eu só podia torcer para que não tivessem muitos feridos e para que minha família estivesse em segurança.
Nem tinha me dado conta de estar sentada no colo do meu salvador desconhecido, mas bastou olhar para o lado para saber que havia algo de errado. Nenhum dos homens ali no carro era do meu pai, eu nunca os tinha visto.
— Quem são vocês? — perguntei já empurrando o homem que me segurava, querendo me livrar de suas mãos e sair de seu colo, mesmo que não houvesse outro lugar para sentar.
Minhas mãos voltaram molhadas e quando olhei para baixo vi que estavam vermelhas, o homem me segurando estava com a camisa branca cheia de sangue, assim como os homens ao lado dele, mas nenhum dos outros me olhavam.
— Bom dia anjo, me desculpe estragar o seu casamento desse jeito, mas foi a única forma de fazer seu pai ouvir a razão. — a voz grossa e imperiosa do meu salvador me arrepiou dos pés a cabeça. Franzi a testa confusa, ainda tentando me afastar dele e manter aquelas mãos longe de mim, mas ele apenas balançou a cabeça em negação. — Marco Falcone.
Os olhos castanhos e penetrantes, emoldurados pelas sobrancelhas grossas se focaram nos meus, enviando uma onda de calor por meu corpo, não estava a ser encara de forma descarada assim, os homens sempre desviavam os olhos de mim quando sabiam quem eu era.
Então aquele nome fez algum sentido na minha mente, eu já tinha escutado em algum lugar...
— Falcone? Chefe da...
— Camorra! — ele completou a frase para o meu total espanto, abrindo um sorriso lindo e assustador.
Mas tudo o que eu conseguia pensar agora era que eu estava morta, aquele seria o meu fim, foi o que conclui enquanto olhava aquelas íris hipnóticas e me dava conta de quem estava a minha frente.
— O Demônio da Camorra.
O homem que tinha me tirado da igreja, que me carregou no colo e ainda me mantinha próxima a seu corpo, sentada em seu colo, era ele, o homem mais temido por todos, que desde garoto fez sua fama de monstro e que se orgulha dela.
O chefe da Camorra e um dos inimigos de meu pai. O que ele queria comigo? Me tirar da igreja depois de nos atacar no meio do casamento e estar coberto de sangue, só me dizia que seu plano era terrível.
— Eu mesmo, anjo. E é um prazer finalmente te conhecer, minha futura esposa!
Angela me olhava aterrorizada, com as mãos estendidas em frente ao corpo tentando manter alguma distancia entre nossos corpos, mesmo que a um segundo atrás ela estivesse com o corpo aconchegado contra o meu, tão relaxada depois de ter sido salva, que eu conseguia sentir cada curva dela.Não foi difícil encontrar a mulher de branco caída no chao, sendo pisoteada por todos os outros a sua volta. Um minuto antes de entrarmos ali ela era a salvação deles de uma guerra ou da total ruína, Angela estava ali para se casar pela famiglia e eles mostraram quanto valor isso tinha a eles: nenhum!Até mesmo o desgraçado do noivo dela não foi capaz de protegê-la, Filippo a empurrou no chão antes de correr por sua vida e eu vi tudo isso muito claramente.— O que querem? O que vão fazer comigo? — ela perguntou afobada, com a voz quase perdendo o folego enquanto olhava para o meu irmão Nero e Frank no banco ao meu lado. — Tenho certeza que papai pagará qualquer valor para me ter de volta intacta. Por f
Ficar naquele carro rodeada daqueles homens só me fazia lembrar do meu encontro com Filippo na noite que fomos oficialmente apresentados como noivos. Mesmo que por um segundo eu quase tivesse esquecido de toda a maldade que eles podiam fazer, apenas por ouvir eles falando que uma suposta mulher não era uma submissa completa.Mas era claro que aquilo era só uma distração, uma forma de me deixar cair fácil nas garras da Camorra, e eles terem falado mal do meu pai e de Filippo era uma prova disso, queriam me fazer passar para o lado deles, mas isso não ia acontecer! Por isso quando a porta do carro foi aberta eu corri.Não que eu acreditasse que meu pai e seus aliados prestassem ou fossem boas pessoas, eu sabia bem quem Giovanni Mancini era, ele me vendeu sem nem pensar duas vezes.Duvidava muito que não fossem me confundir com uma prostituta vestida como uma, afinal meu pai tinha me feito usar aquele vestidinho apertado e decotado para mostrar a Filippo o que ele ganharia com o casament
Eu não tinha ideia do que aquelas minhas palavras implicavam, mas estava falando sério, eu queria Angela ao meu lado, se tornando o terror dos nossos inimigos, colocaríamos fogo juntos no mundo se ela quisesse.Mas ela ergueu o corpo, apoiando as mãos em meu peito e se levantando, afastando-se de mim no mesmo instante. Da posição que eu estava consegui ver as longas pernas dela, pareciam tão macias e eu me perguntei se seriam tão macias quanto pareciam.— Deixe de ser indecente! — ela gritou assim que notou meu olhar tratou de empurrar o vestido de volta ao lugar, tentando fazer seu melhor trabalho em se cobrir com o vestido rasgado e amassado.Ela não tinha ideia do que era ser indecente, mas eu ia adorar levá-la na descoberta do mundo da perversidade, ensinar a ela cada coisa promiscua e indecente.— Não acho que seja errado olhar para minha futura esposa. — falei me levantando e batendo todos os cascalhos grudados em meu corpo, vendo o estrago que tinha causado em minha roupa, não
Mêses atrásEu estava diante de Giovanni Mancini, o Capo da Cosa Nostra, muito atento a qualquer movimento dele, afinal sabia que ele era capaz de muitas coisas.A última vez que nossa gente tinha se encontrado foi há dois anos, quando selamos nossa trégua para focarmos nos nossos inimigos em comum, na época meu pai ainda era o Capo da Camorra, agora esse titulo era meu e o assunto é ainda mais urgente.— Os russos estão fazendo alianças, se casando e unindo as organizações. Não podemos ficar apenas os atacando para na próxima semana enviarem mais de seus homens para cá. — falei calmo e direto, meus dedos entrelaçados sobre a mesa, demonstrando uma tranquilidade que eu não sentia, afinal ainda éramos inimigos mesmo em trégua.— Concordo com você. Soube que eles estão fazendo laços com os carteis e estão com planos de se juntar aos japoneses, não podemos deixar isso acontecer ou será uma guerra ainda mais sangrenta.Ao menos ele era sensato, eu sabia que Giovanni era implacável, não se
Quando meu pai me disse que eu ia casar com Filippo para que nós tornássemos aliados e assim pudéssemos ganhar a guerra contra os russos eu não discuti, aquela era a primeira vez que meu pai falava qualquer coisa sobre os assuntos da máfia comigo.Mulheres não deveriam saber dessas coisas, não podíamos aprender a lutar, ou ir para a faculdade. Nossa função era apenas casar, ser uma esposa atenciosa e obediente, submissa a todos as vontades do marido.Era isso que éramos ensinadas desde pequenas. Essa era a forma de garantirem que não nos envolveríamos nos negócios da famiglia, nos portaríamos como bela esposas e mães obedientes.Mas desde que eu tinha encontrado com Marco Falcone algo me impulsionava a fazer as perguntas que estavam em minha cabeça. Pela primeira vez eu não me sentia forçada a guardar meus pensamentos para mim mesma.Ele me desafiava até mesmo com o olhar e as palavras dele não saíam da minha cabeça: Você pode ser a própria Diaba da Camorra ao meu lado. Aquelas palavr
Os lábios carnudos se moldaram aos meus se rendendo tão facilmente ao meu toque, eu segurava o rosto dela, mas queria mesmo estar tocando suas curvas. Maldita a hora em que prometi que me comportaria e ganharia sua confiança.Mordi o lábio inferior de Angela, querendo que ela abrisse a boca e me deixasse deslizar minha língua ali, mostrando como logo faria por todo seu corpo. O gemido que ouvi escapar dela me deixou ainda mais excitado, meu pau se apertou dentro da calça social e eu me amaldiçoei por ser levado por tão pouco com aquela garota.— Abra a boca Angel, me deixe mostra como faz. — meu pedido fez seu corpo inteiro endurecer.Mas que porra? Eu estava tentando não assustá-la, mas já parecia que ela tinha sido aterrorizada.— Para Filippo! Por favor.O nome dele deixou os lábios dela com verdadeiro medo e as feições dela estavam tomadas por nojo, bem diferente da mulher que tinha me pedido para ensiná-la a beijar.Mas agora meu pensamento estava correndo para outro lugar, imagi
Eu fiquei ali parada no banheiro sem entender porque Marco saiu rapidamente, praticamente fugindo de mim. Em um segundo o homem parecia não ser capaz de me deixar em paz, eu cheguei até a pensar que ele ficaria ali enquanto eu tomava banho.Mas no minuto seguinte ele saiu correndo, como se eu fosse seu pior inimigo. O que tinha dado nele pra sair assim?Minhas perguntas ficaram em segundo plano, pois quando virei me deparei com meu real estado no espelho. O cabelo que antes estava em penteado perfeito, agora estava bagunçado e jogado em todas as direções, meu vestido sujo e rasgado, minha maquiagem completamente arruinada.— Como é que ele quis me beijar eu estando desse jeito? — falei comigo mesma no espelho enquanto arrancava todos os grampos que ainda restavam no meu cabelo.Eu estava horrível, como um homem como Marco iria se interessar por mim? Só podia mesmo estar interessado em atingir meu pai ou Filippo. Isso ficou óbvio quando conversávamos no escritório.Marco sabia que não
Eu precisei sair do banheiro no momento em que ela perguntou sobre minha cicatriz. Eu tinha um monte delas, mas aquela em particular significava muito para mim, foi onde se deu início a minha fama de demônio da Camorra.A última coisa que eu queria naquele momento era falar sobre aquilo com ela, contar como me tornei um assassino tão novo. Eu precisava ganhar a confiança dela, já bastava todas as coisas que o pai dela havia contado fora de contexto.Mas não consegui me manter longe, mesmo que a porra do mundo estivesse pegando fogo lá fora, todos em busca de descobrirem quem tinha invadido o grande casamento da Coisa Nostra, eu só queria manter meus olhos no anjo que seria minha perdição.Eu entrei no quarto dela e assumi o lugar da minha irmã, penteando os cabelos dela. Precisava me manter perto dela o tempo todo, porque quanto antes Angela tomasse sua decisão melhor seria, tudo se resolveria bem mais rápido.— Me conte o que está acontecendo. — ela falou, mesmo que eu estivesse sent