Era um sábado de céu nublado quando Marcus finalmente cedeu ao impulso que vinha sufocando seus dias: ligar para Eveline.Ele tinha passado a semana inteira se convencendo de que ela precisava de espaço. Que precisava de tempo. Que em breve, por orgulho ou saudade, ela voltaria. Talvez uma mensagem. Talvez um sinal.Mas os dias se transformaram em semanas.E nada.Agora, sentado no sofá do quarto deles — que permanecia como ela deixou — Marcus segurava o celular com os dedos trêmulos. O nome “Eveline” ainda estava salvo. O coração bateu forte ao tocar a tela. Esperou. Ansioso. Nervoso. Esperançoso.“Este número não existe ou foi desativado.”Ele congelou.Tentou de novo.Mesmo resultado.O coração acelerou. O mundo pareceu girar. Ela havia mudado de número. Bloqueado o passado. Bloqueado ele.Levantou-se de súbito, tropeçando nas próprias ideias, no orgulho esmagado, no desespero que vinha como avalanche.Pegou as chaves. Saiu sem pensar.Clara não se assustou quando viu Marcus à port
A mansão dos Avelas era diferente da que Eveline havia deixado para trás.Não por ser maior ou mais luxuosa — na verdade, era mais simples, mais silenciosa. Mas havia algo ali que preenchia os espaços: Vida.Crianças rindo pelos corredores, vozes leves, o som das pequenas corridas de pés descalços no tapete. Tudo pulsava com uma energia que ela não sentia havia muito tempo. Ali, naquele lugar, não existiam gritos, nem desconfiança, nem acusações.Ali, Eveline podia respirar.Eveline havia sido oficialmente contratada no dia seguinte à entrevista. Daniel, com um sorriso honesto e um aperto de mão firme, disse apenas:— Eu confio em você. E eles também vão confiar."Eles" eram Lucas, de 7 anos, e Beatriz, de 4. Duas pequenas almas que haviam perdido a mãe para uma doença devastadora dois anos antes e que, desde então, viviam com uma sucessão de babás impessoais e cuidadoras ocupadas demais.Mas com Eveline... foi diferente.Logo nos primeiros dias, Beatriz passou a segui-la pela casa co
Marcus sempre fora um homem de presença marcante. Mas naquele início de manhã, sentado à beira da cama, ele parecia outro. O espelho à sua frente refletia uma versão dele mais polida, mais contida — mais humana.Usava uma camisa branca de linho engomado, abotoada até o pescoço, com um blazer grafite sob medida, sapatos de couro preto recém-lustrados. O cabelo, agora ligeiramente mais longo, estava penteado para trás com pomada fosca. A barba bem aparada delineava o novo formato do rosto — fruto das cirurgias faciais iniciadas meses atrás.A cada nova consulta com o cirurgião plástico, ele se via menos como o homem do passado e mais como alguém em construção. As cicatrizes físicas quase não existiam mais. Mas as emocionais? Essas ele estava aprendendo a encarar em outro lugar.Seu acompanhamento psicológico semanal se tornara um hábito inegociável. O consultório era aconchegante, com estantes de livros e janelas que deixavam a luz entrar. Ali, Marcus não era o herdeiro dos Castelão. Ne
A caneta escorregava entre os dedos finos de Eveline Rocha. O papel à sua frente tremia como se denunciasse o que ela não podia dizer em voz alta. Aquela não era uma assinatura de amor. Era um contrato de resgate. Resgate financeiro — não emocional.Sentada à mesa da sala de jantar, Eveline parecia pequena demais para a gravidade daquela decisão. A jovem de pele alva e cabelos negros como a noite encarava o documento com os olhos cor de mel marejados. Seu coração batia tão alto que podia jurar que os outros escutavam.Mas ninguém escutava nada naquela casa.Seu pai, Júlio Rocha, estava de pé ao lado da lareira, com os braços cruzados e a expressão fria como mármore. Desde que a fábrica da família — uma tradicional tecelagem herdada do avô de Eveline — começara a falir, ele já não a olhava como filha. Era uma moeda de troca, e nada mais.— Assine de uma vez, Eveline. Não temos o dia todo — disse ele com voz áspera, sem tirar os olhos do relógio de bolso que herdara como um troféu de te
Eveline observava, pela janela do carro, as vastas paisagens da fazenda, a estrada de terra, ainda um pouco empoeirada pela recente chuva, parecia não ter fim. O coração dela batia acelerado, mas ela tentava controlar as emoções. Era a primeira vez que estava indo para lá, e apesar de tudo, uma sensação de ansiedade misturada com curiosidade dominava seu corpo.Ela não sabia bem o que esperar. As palavras de seu pai, Júlio, ecoavam em sua mente: "Este casamento é sua salvação, Eveline. A nossa única chance." Ele e a madrasta, Claudia, tinham apostado tudo naquele matrimônio. Marcus Castelão não era apenas rico — ele era a última tábua de salvação para os negócios em ruínas da família Rocha. Eveline nunca pensou que um casamento, tão frio e imposto, pudesse ter algo de bom.Ela chegou à fazenda por volta do final da tarde, o céu tingido de laranja, como um aviso de que a noite estava prestes a cair. Quando o carro parou, não havia ninguém à porta esperando por ela, nada que lembrasse u
O jantar foi silencioso.Eveline sentou-se à mesa longa, comendo sob o olhar atento de Maria e os poucos funcionários que transitavam discretamente pela casa. Marcus não apareceu para comer com ela. A mesa, embora farta, parecia um palco vazio. Nada ali era acolhedor, e cada mordida parecia feita por obrigação.Depois do jantar, Maria levou-a de volta ao quarto. As malas já estavam no lugar, as roupas cuidadosamente organizadas no armário. A noite estava quente, e uma brisa morna entrava pela janela, balançando levemente as cortinas.Eveline trocou-se por uma camisola leve de seda vermelha, que Claudia fizera questão de colocar no fundo da mala. O tecido macio grudava em seu corpo como uma segunda pele, destacando sua silhueta. Ela hesitou em se olhar no espelho, mas o fez. Pela primeira vez, se viu com os olhos de um homem. Um homem como Marcus.Será que ele me deseja? Ou só me escolheu pelo ventre?Bateu à porta. Um toque firme. Ela se sobressaltou.Maria entrou.— O senhor Marcus e
O corpo de Eveline ainda tremia. A primeira vez deixara marcas que ela jamais esqueceria. Marcus, mesmo com seu jeito contido e palavras frias, havia sido intenso, dominador... e surpreendentemente carinhoso durante o ato. Mas, assim que seus corpos se separaram, a distância entre eles voltou a se instalar.Ela observava de lado, deitada nua entre os lençóis, o homem que agora se levantava da cama, recolocava a camisa e virava de costas.— Você pode ficar aqui. Amanhã, Maria irá te mostrar o resto da casa. — A voz dele voltou ao tom seco, formal. Quase impessoal.Eveline sentou-se lentamente, os cabelos caindo sobre os ombros nus, os seios ainda sensíveis. A frieza dele depois de tanta entrega era como um tapa.— É só isso? — a pergunta escapou de seus lábios sem que ela planejasse.Marcus virou-se devagar, os olhos verdes a examinando como se ponderasse cada palavra.— O que você esperava?Ela baixou os olhos, engolindo o gosto amargo do silêncio que se seguiu. Ele não disse mais nad
O sol entrou tímido pela janela, iluminando o quarto silencioso. Eveline despertou sozinha. A cama estava fria ao seu lado.Nenhuma carta. Nenhuma palavra.Levantou-se em silêncio, vestiu-se e desceu para o café da manhã. Maria já a esperava na cozinha com frutas frescas e pão caseiro.— O patrão saiu cedo para a lida com os assuntos da fazenda. Disse que tinha muito o que resolver hoje.— Ele... falou algo sobre mim? — Eveline perguntou, tentando soar indiferente.— Apenas que você deveria se sentir em casa — respondeu Maria, sorrindo com doçura. — Mas eu conheço aquele homem... tem coisa no coração que ele tenta esconder.O dia passou devagar. Eveline passeou pela fazenda, caminhou entre as árvores e acabou encontrando o jardim nos fundos da casa principal. Estava um pouco descuidado, mas ainda assim havia rosas, lavandas, jasmim... o cheiro a abraçou como um carinho silencioso. Ela sorriu.Ali, com a terra entre os dedos, ela sentia paz.No fim da tarde, ouviu o som dos cascos dos