Destino implacável
Destino implacável
Por: Laila neves
Prólogo

Badá

Uma bala pode matar de 3 formas.

A primeira: Nas extremidades. Sem uma arterial principal terá de 10 a 20 minutos, antes de sangrar até morrer.

A segunda forma, em qualquer lugar da caixa torácica, centro do peito. A bala resvala, ossos são partidos o coração ou uma artéria é atingida, e a pressão sanguínea cai pra zero. A última forma é o tiro fatal, centro do crânio, qualquer ângulo. Como uma marionete com as cordas cortadas, você morre antes do seu cérebro saber o que houve. Armas mudam tudo, e uma bala é pra sempre.

- Bob Lee Swagger

(...)

Sou filho de mãe solo, e nunca me importei com isso. Minha coroa junto com minha vó sempre batalhou pra me criar. Eu não conhecia meu pai, até 15 anos atrás quando finalmente bati de frente com ele.

Minha mãe sempre me contou o quanto ele negava minha existência, e até ofereceu dinheiro para o aborto quando ela contou que estava grávida.

A vida tem muitas circunstâncias, e todas elas voltam no início de onde você saiu, sempre pra te cobrar por um erro que tu cometeu lá atrás. A terra é o verdadeiro inferno, irmão. Então não pense tu que vai fazer maldade e passar batido, nossos pecados pagamos aqui mesmo.

Nascido e criado no salgueiro, era só um moleque qualquer, catarrento que corria na rua descalço pra jogar bola, porém um dos mais necessitados desse sistema falho que é o Brasil. Uns com tanto e outros sem ter ao menos um pão pra comer dentro de casa.

A desigualdade brasileira é muito grande, e há quem diga que entra pro crime quem quer.

A vida do crime não é fácil, apesar de muitas pessoas acharem que é. "Entra quem quer", "é só arrumar um emprego digno", "bandido bom é bandido morto". Isso só vale para os negros da favela ou vale para os engravatados lá de Brasília?

É muito fácil julgar quem tá no crime hoje em dia, quando a maioria já nasceu de cu virado pra lua. Não precisa trabalhar, tem tudo que quer, carro aos 16 anos de idade, casa como presente de aniversário.

Quando sua realidade é totalmente diferente e te deixa frustrado. Eu nunca tive isso, nunca tive um pai presente, uma festa de aniversário, uma bicicleta. E ver sua mãe doente se matando na casa de madame pra sustentar seu filho, sofrendo humilhação todos os dias, e tu ali, parado, sem poder fazer nada.

Sai pra entregar currículo em qualquer lugar, mas quando menciona ser morador de favela e  negro, eles nem fazem questão de analisar seu currículo, simplesmente rasgam na sua cara e jogam fora.

Tu acha que eu queria essa vida pra mim? Nem fudendo, meu parceiro. Também quis estudar e ser alguém na vida, um médico, arquiteto, tanto faz. Ser diplomado e dar orgulho aquela que me criou, mas as circunstâncias da vida eram totalmente diferentes das que eu esperava.

Entrei para o crime porque foi o meio mais fácil de conseguir dinheiro e tirar minha mãe daquela humilhação, depois de tanto currículos entregues e depois de ouvir tantos não, uma hora cansa, tá ligado?

Mas esse não é o conselho que eu dou pra molecada hoje em dia não, estude, respeite pai e mãe e o restante Deus proverá.

Aos meus 12 anos entrei como aviãozinho, um papel aqui outro lá, e fui só crescendo. Aos 14 fui fogueteiro, e te contar que era louco pra sentir a adrenalina dos caras trocando tiro com a polícia, sempre me fez enxergar que eu poderia ir mais além na hierarquia do crime. Aos 18 era subgerente, num confronto com a polícia tomei dois tiros que quase me deixaram sem andar. Já o finado G3, não teve a mesma sorte.

Ele era o dono do Salgueiro, e com sua morte tive que assumir a responsabilidade dessa porra toda, e tão novo. E é aquilo né, dinheiro e poder sempre vai subir pra cabeça de alguns e pra tentar atrasar o lado de qualquer pessoa, nego é capaz de tudo.

"Em troca de dinheiro e um carro bom, tem mano que rebola e usa até batom."

Minha cabeça vale ouro dentro do rio de Janeiro inteiro, e eu tô ligado nisso a mó cota. Tô aqui hoje, cumprindo minha pena desde os 22 anos por ter matado um policial. E aqui dentro, tu é herói pra uns e inimigo declarado para outros, 15 anos preso e todos os dias alguém afim de me matar, é de fuder mesmo. Dormir com um olho aberto e outro fechado pra não amanhecer com a boca cheia de formiga.

Quantas e quantas vezes já levei sacode desses guardinhas de merda daqui de dentro dessa penitenciária. A comida era horrível, muita das vezes eles deixavam no sol só pra ter o prazer de ver a gente comer esse rango todo azedo. Cadeia é pra reabilitação, reeducar o criminoso? Nem fudendo. O irmão vai preso por roubar um leite pro filho, cumpre aí, 5 anos de pena, e quando sai, tu é pra sempre conhecido como ex presidiário. Quem é que vai dar emprego pra essa cidadão? Ninguém. De ladrão de leite, ele vai para assaltante de banco, me diz aí tu, de que valei os 5 anos preso?

Foi numa operação que teve na favela, a bope invadiu pesadão no meio do dia, várias crianças saindo da escola e outros moradores voltando do emprego. Eles nunca invadem de madrugada, vai tá geral em casa po, só os bandidos na rua, por que não batem de frente?

Desci o beco com os menor e adrenalina a mil, já com sangue quente que me deixava cego, esses bagulho me incomoda pra caralho, trocar tiro no meio do dia com geral na rua e coisa de covarde, tá ligado? Mas dou minha cara a bater e meto o peito pra defender os meus sem pensar duas vezes.

As pessoas naquele morro me viam como um herói, e eu nem sabia se merecia aquela porra mermo.

Um blindado e dois policiais do lado de fora, meu fuzil apontado pra um deles, quando minha mãe chegou gritando desesperada, que ele era meu pai...

"Destino implacável, revelou seu segredo."

No momento eu só senti ódio, e queria encher a cara dele e aquele blindado de tiro até descarregar o pente, sem remorso nenhum. Por um momento mudei de ideia, e abaixei o fuzil.

💭

Luzia: Não faz isso meu filho, ele é seu pai...

Badá: ele não vale nada, a senhora foi mãe e pai!

Luzia: seja diferente dele então, não se iguale a esse erro...

Aponto o fuzil pra ele que já estava com as mãos para o alto, meu dedo já tava pronto pra disparar, eu olhei dentro dos olhos dele e não via um homem com dignidade, e ele sempre com aquele sorrisinho irônico no rosto como se fosse o maior de todos eles. Um verme!

Badá: Só não te mato por que eu não sou igual ao senhor...

Foi tempo de eu abaixar a arma, e ele disparou dois tiros no peito do formiga, menor caiu ajoelhado.

💭

3 meses para minha liberdade, e eu sinto que a cada dia se torna mais difícil sobreviver aqui dentro.

Um tiro de fuzil, no meio do crânio do homem que se dizia meu pai, 15 anos perdidos dentro da cadeia, o sofrimento de uma mãe lá fora, e um morro inteiro esperando sua volta.

Uma bala é para sempre!

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