Capítulo 1

Maria Vitória

Eu já não estou mais aqui, cada célula do meu corpo pede socorro, minha mente agoniza em puro desespero... Mas não se pode salvar algo que já está morto.

E eu morria aos pouco vendo minha mãe sofrer naquela de hospital, necessitando de uma transplante de rin e eu sem poder fazer nada, era angustiante.

Eu sempre quis retribuir tudo que ela já fez por mim... E nem que eu vivesse mil anos, não conseguiria.

Somos eu, ela e a Laura, minha irmã mais velha. Apesar de ser bem doidinha na maioria das vezes, era ela quem me acalmava em casa quando ficava aflita.

Minha mãe já está no hospital há quase um mês, e na fila de transplante há anos. Ela sempre tinha crises, mas era coisa rápida de passar 2 dias internada e depois ia pra casa, mas dessa vez não, ela precisava do transplante o mais rápido possível e esperar por um doador na saúde pública, não era viável. Cada dia que passava parecia um cronômetro da vida dela diante dos meus olhos, eu não tô vivendo, tô me arrastando pra tentar ajudar no que é necessário.

Eu choro baixinho sentada ao seu lado, que permanecia com os olhos fechados mas eu sabia que ela estava acordada.

Fernanda: Não chora, Maria... - Levanto meu olhar para o dela que me olhava na maior paz do mundo, mesmo sabendo que ela estava morrendo de dor. - Fica tranquila, está tudo nas mãos de Deus.

Mavi: Parece que Deus esqueceu da gente nessas horas.

Fernanda: Não fala isso. - Me repreendeu com o olhar sério e eu desviei o olhar para a porta que estava fechada. - Deus nunca nos dará um fardo mais pesado que conseguimos carregar. Ele não desapara seus filhos e nem os abandona.

Mavi: Eu não entendo por que a senhora tá passando por tudo... - volto a chorar só em pensar no sofrimento dela, eu só queria ser capaz de tirar toda a dor e passar para mim. - a senhora é tão boa mãe, não merece tá passando por essas coisas...

Fernanda: Olha pra mãe, princesa... - Obedeço encarando seu rosto sereno, minha mãe transpassava uma paz surreal, mesmo diante dessa enfermidade que nos assombra. - Deus escreve certo em linhas tortas, Ele escreve o destino de cada um de nós aqui na terra, e se esse for o meu, não há o que questionar. Somente agradecer por ter me dado vida até aqui e ter criado você e sua irmã.

Mavi: Quanto é o transplante?

Fernanda: O valor é muito alto...

Mavi: Quanto mãe?

Fernanda: pode chegar a 40 mil... isso é muito dinheiro!

Minha irmã trabalha num quiosque lá no morro, o que ela ganha da pra ajudar dentro de casa, mas não é muita coisa. E eu, bom, terminei os estudos ano passado e desde então trabalho de babá, recebia um valor bom até, mas nem que eu juntasse um ano seguido, ainda não dava o valor, e minha mãe não aguentaria esperar por mais esse tempo.

O chefe lá do morro está preso tem um bom tempo, tanto é que eu não lembrava dele, foi preso quando eu ainda era um bebê praticamente. Mas eu sei que de vez enquando eles procuram alguma menina pra ir visitar ele e levar alguma coisa, era o único meio dele receber algo.

O comentário era que ele estava pra ser solto, mas ainda precisava de algumas coisas lá dentro e precisava de uma pessoa pra levar, e eu sabia que aquilo rendia uma boa grana, mesmo não chegando ao valor que eu necessitava no momento, mas era um bom começo.

E meu corpo arrepia automaticamente só em pensar que ele poderia tentar algo comigo caso eu venha aceitar fazer essa visita, por que ele tem o que, sei lá, quase 40 anos. Tem idade pra ser meu pai.

Nego com a cabeça pra afastar os pensamentos e olho pra minha mãe que encarava o teto, as vezes eu queria ter o poder de entrar na mente dela só pra saber o que se passava lá.

Mavi: Tenho que ir mãe, daqui a pouco tenho que pegar o Samuel na escola e levar pra mãe dele. A Laura vem dormir com a senhora. Tudo bem?

Fernanda: Pode ir filha, eu vou ficar bem. - Deposito um beijo em sua testa que fecha os olhos lentamente e abre um sorriso lindo.

Mavi: Eu vou tirar a senhora dessa mãe, é uma promessa! - Ela afirma com a cabeça mesmo que desacreditada. - Eu te amo, amanhã volto aqui pra passar o dia com a senhora!

Fernanda: Vai com Deus. Cuidado em casa sozinha, tranca tudo e não fale com estranhos. - afirmo com a cabeça saindo dali com um turbilhão de pensamentos.

Pego meu celular do bolso do meu jeans que já estava ficando apertado para mim, e vou direto na conversa com a Helen.

Helen é minha amiga de longas datas, mas diferente dela, eu sou mais na minha, não sou muito de sair, beber e essas coisas. Já Helen era doida até demais. Um equilíbrio para nossa amizade, digamos.

Eu: preciso da sua ajuda pra uma coisa.

Helen: fala minha gata. O que tu manda?

Eu: Sabe o chefe, Badá né?

Helen: sei, tá pra ser solto. Mas o que tem?

Eu: Tu consegue desenrolar de eu ir visitar ele? Não surta, eu preciso da grana pra ajudar minha mãe!

Helen: Tem certeza disso, minha vida? Olha, eu não conheço ele também, era bem pequena quando ele foi preso, mas sei lá, ne? Não sei se confio.

Eu: agora eu não tenho a opção em confiar ou não. Tu consegue?

Helen: Posso ver com o Rangel se consigo pra tu. Eu te aviso assim que falar com ele.

Eu: Tudo bem, vida. Eu tô indo buscar o Samuca pra levar pra mãe dele. Dorme lá em casa comigo hoje? Minha irmã vai dormir com minha mãe no hospital eneu vou ficar sozinha.

Helen: durmo, minha gata. Me avisa quando chegar em casa!

Eu: aviso, beijos.

Guardo o celular novamente e logo chego em frente a escola do Samuel. Ele tem 7 anos, e fico com ele na parte da manhã, levo e busco da escola e depois fico livre. Já tem 6 meses que estou com ele, que é tão bipolar, uma hora me ama e outra me odeia. Crianças. A mãe dele é dona de um salão bem renomado mó morro, ela dá o nome no que faz.

Eu espero até o sinal bater e de longe vejo ele correndo todo atrapalhado com aquela mochila nas costas, ela abre os braços agarrando minhas pernas e me abraçando todo sorridente.

Mavi: Oi meu amor, como foi a aula hoje?

Samuel: Muito legal, Maria. Sabia que Jesus é brasileiro? Ele nasceu em Belém, aprendi na aula de ensino religioso. - solto uma risadinha só pela inocência dessa criança e a falta dessa professora de não atentar a esses detalhes.

Mavi: Fora isso, o que fez de bom?

Samuel: A gente assistiu filme e comeu pipoca. A Isadora mordeu o braço do Levi e machucou. Não sei Maria, pra mim aquela menina não b**e bem das ideias não. - Ele saiu andando em minha frente e eu ria sozinha da esperteza que essas crianças são hoje em dia. Antigamente os bebê nasciam e tinha que esperar 7 dias pra abrir os olhos, hoje já nasceu até com dente se bobear. Daqui uns dias eles mesmo farão seu próprio parto.

Ajeito ele na garupa da bicicleta e subo olhando pra trás me certificando de que ele estava sentado direito.

Mavi: Preparado?

Samuel: Taca o pau, doido! - disse gritando, eu amava quando ele fazia isso. Só Samuca pra me arrancar uns sorrisos nesses dias tão sombrio.

Desço com aquele morrinho me desviando dos outros alunos que já havia saído, e ele toda animado na garupa da bicicleta cantando uma música que eu nunca havia escutado na vida.

Paro em frente ao salão de sua mãe e encosto a bike na beirada da calçada atravessando a rua de mãos dadas com ele.

Mavi: Seu pacote está entregue! - digo da porta e Erica sorri pra mim alisando o cabelo da moça que estava sentada a sua frente.

Erica: Obrigada Maria. Quer comer alguma coisa?

Mavi: Eu como em casa, não se preocupe.

Erica: E sua mãe, como está?

Mavi: Na mesma... - Suspiro fundo entrando e sentando na cadeira próximo ali. - Tô muito preocupada com ela.

Erica: Tudo vai dar certo... Sua mãe é uma boa mulher.

Afirmo com a cabeça e observo Samuca já jogando no celular todo animado.

Erica: Vai tirar esse uniforme Samuel, daqui a pouco teu pai liga pra falar contigo.

Samuel: E desde quando dentro da cadeia pode ter celular?

Eu não sabia quem era pai do Samuel, Erica nunca havia falado e eu também não fazia questão de buscar fundamento pra saber quem era.

Erica: Olha só que menino abusado, tá vendo Marli? -Fala com a moça a frente e eu gargalho, ele realmente era abusado demais. Marli: Fiquei sabendo que ele tá pra sair, é verdade?

Erica: Cada um fala uma coisa né, Marli. Eu já nem sei. Mas por mim tanto faz!

Marli: Esse menino é a cara do Badá.

Afirmando isso, eu quase que acabo me engasgando com a própria saliva. Então badá era casado? E ainda com minha patroa? Meu Deus. Eu não podia visitá-lo, seria muita falta de caráter da minha parte. Mas se samuca tinha 7 anos e Bada preso há 15 anos, esse menino foi feito lá dentro, misericórdia.

Erica: Eu amo meu filho, sabe. Mas aquela visita só me rendeu foi isso. Boba são essas meninas novinhas que se iludem e vai lá visitar ele. Eu não caio mais nessa, uma vez pra nunca mais e tá aí o Samuel.

Engulo seco me despedindo dela e indo pra casa, e o caminho inteiro pensando em altos bagulhos. Sou virgem, e se esse homem decide quer transar comigo? Perder s virgindade dentro de cadeia com um total desconhecido não é bem um dos meus fetiches.

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