Badá
As horas aqui parece que não passa, como se eu tivesse parado no tempo a cada vez que chegava mais perto da minha liberdade. Aqui dentro, eu tentava não meter nesses bagulhos de confusão, por que eu sabia que o juiz era doidinho pra acrescentar alguns anos na minha pena. E sinceramente irmão, eu já tô de saco cheio dessa porra toda.15 anos trancado como se fosse um animal e sendo tratado da mesma forma, isso aqui não é vida pra ninguém não. 15 anos sem tomar um sol direito, bobear tô mais branco que o próprio finado Michael Jackson. Sem ver minha coroa e só trocando papo com os aliados por um celular que pra funcionar era igual puta, levava vários t***s.Aqui dentro conheci a Erica, mina era firmeza e foi quando eu tive um lance com ela dentro dessas visitas que ela me fazia. Acabou engravidando e botou a boca dizendo que o filho era meu. Não tinha como saber irmão, não sabia dos passos dela lá fora e eu aqui dentro preso, sem saber de quase porra nenhuma.Mas o moleque cresceu po, tinha nem como negar que era meu filho, minha cópia até na marra.Hoje era só mais um dia daqueles que eu não quero ir pro pátio tomar sol, a penitenciária inteira parecia ter rebelado contra mim, e os únicos que sobraram ao meu lado foram da minha cela, que também não confio muito não, parceiro.Dispiei acendendo um cigarro pra ver o tempo passa, ainda era cedo e as celas já havia sido aberta. Os corredores daqui tinha cheiro de morte, e o caminho até a solitária fazia tremer até o homem mais frio da face da terra.Encosto a cabeça na parede fumando e observando a cela, 4 camas de concreto com um fino colchão de espuma, cobertores finos e um banheiro que as vezes passava 3 dias sem água. O inverno aqui era cruel, po. Papo de tu nem conseguir dormir a noite de tanto frio. Sem falar nos ratos que de vez enquando vinha nos fazer uma visita.LK: Vai estourar a boa quando sair daqui, Badá? - LK era meu parceiro de cela, se pá tá aqui comigo já tem uns 10 anos pra lá. Cumprindo pena por homicídio duplamente qualificado, formação de quadrilha e assalto a mão armada, o currículo do homem era recheado.Badá: Quero curtir minha liberdade, tá ligado? Tomar um banho de umas 2 horas na água quente. 15 anos tomando banho nessa gelada pra caralho e as vezes suja.LK: Po, quando eu sair daqui quero ir a um puteiro, namoral mesmo. Comer umas negas e ficar doidão. Dá nem pra tocar umazinha aqui, po. Geral escuta!Fico rindo da marola do LK, quem olha pra cara dele nem imagina essa porrada de coisa que ele já fez, menor ainda tinha uns anos bom pra cumprir, se pá.LK: Tô aguento isso aqui mais não, parceiro. Papo reto mermo? Vou fugir irmão, não sei o dia e nem a hora, mas eu vou. Se eu passar mais 10 anos aqui dentro eu vou enlouquecer.Badá: Mano, cumpri minha pena no sapatinho, mas tu viu aí o sofrimento. Nunca vi meu filho po, só por foto e tô doido pra dar um abraço nele, tá ligado? Se eu tivesse que esperar mais 10 anos pra isso acontecer, eu também meteria o pé daqui.Antes dele me responder, ouço o barulho dos passos do guardinha e o cassetete passando pelas grades só pra ele ter o prazer de anunciar sua chegada. Ele aponta com a cabeça e b**e duas vezes na grade.— Visita pra você, Badá.LK: iiih, caralho. Depois de tanto tempo, agora tu arruma outro muleque. - Desviei meu olhar para o dele o repreendendo, que levantou as mãos para o alto em forma de rendição.Não sabia quem era, mas sabia que trazia informações lá de fora que eu precisava. Tô aqui dentro, mas tô ligado nos bagulhos que acontece no mundao, ligado e montadora 24 horas por dia.Tô ligado na Erica lá fora também trabalhando abessa pra sustentar, orgulhosa pra caralho, não gostava de aceitar meu dinheiro como ajuda, mesmo sabendo que tinha responsabilidade minha no bagulho.Ando os corredores algemado e ouvindo ameaças dos outros detentos, já tô até acostumado po, estranho seria se eles não ameaçassem. Mas atrás do portão, qualquer cachorro late, e homem nenhum me amendrota. Caminho até a sala de visita, pelo menos aqui tínhamos privacidade pra conversar com alguém.Entro me sentando do outro da mesa e apoio meus dois braços sobre ela. Fico ali aguardando quem quer que seja, entrar.Minutos depois entrar uma menina toda acanhada, uma criança, é de fuder mesmo.O guardinha aparece na porta avisando que teríamos uma hora somente. Tempo de sobra!Ela permanece parada na porta me olhando como se eu fosse o maior monstro do mundo e eu mantenho o contato visual com ela sem desviar o olhar, vamos ver quem vai ceder primeiro.Badá: Qual seu nome?Mavi: Maria... - Ela quase gagueja ao falar. - Maria Vitória!Badá: senta aí, po. Qual foi? Vou fazer nada contigo não, fica suave mina.Ela afirma com a cabeça e caminha até a mesa se sentando a minha frente, Com o cabelo preso num coque, uma camisa branca junta a calça cinza e chinelos havaianas. Aqui só podia entrar assim, mó onda, parecia que os visitantes eram os próprios detentos.Ela me entrega o papel pelo o qual ela está aqui agora e eu abro lendo as informações que eu precisava. Um carregamento de arma vindo lá de fora, coisa grande e com grandes chances de dar uma merda do caralho e eu mal coloquei meus pés na rua.Leio tudo atentamente e entrego de volta pra ela que dobra guardando no bolso, a mina tá tão tensa que consigo sentir sem muito esforço.Badá: Tu tem quantos anos?Mavi: Acabei de fazer 18...Badá: Tá nessa por que? Tu é nova pra caralho, tem idade pra ser minha filha, se pá. - Ela nega com a cabeça desviando o olhar para a parede lateral da sala.Mavi: Minha mãe está doente e precisa de um transplante de rin, nem eu e minha irmã somos compatíveis com ela. A fila do Sus demora muito e estamos ficando sem tempo. A cirurgia é muito cara e estamos tentando um meio de conseguir o dinheiro.Badá: Quanto? - Ela demora a responder, me encarando como se tentasse me decifrar. - Quanto Maria?Mavi: Muita grana... Quase 40 mil reais!Suspiro fundo passando a mão na cabeça e fecho os olhos, de certa forma aquilo me incomodou e ela ter que fazer um bagulho desse pra ajudar a mãe, me deixava puto, pelo simples fato dela ser nova e nem saber no problemão que ela podia se envolver..Badá: tua irmã lá, tem quantos anos?Mavi: 23, ela trabalha num quiosque lá no morro, mas não ganha tão bem assim.Badá: E tu, trabalha? - Ela afirma com a cabeça ainda me olhando, uma percepção de sua pessoa que amava conversar olhando dentro dos olhos. - com o que?Mavi: Sou babá. - Respondeu sem delongas.Badá: É o seguinte, tu vai marcar a próxima visita, mas tem que ser íntima. - Ela me olha assustada levantando o corpo na cadeira e respirando fundo. - Tu é virgem né?Mavi: Como sabe?Badá: Percebi pela sua tensão. Mas eu não quero transar contigo, Maria. - Ela afirma com a cabeça soltando o ar que prendia. - Pra mim tu ainda é uma criança. Eu só preciso que traga um bagulho pra mim lá de fora, e depois disso, pega a grana pra cirurgia da sua mãe e não aparece mais aqui pra nada, tá me ouvindo?Mavi: E se eles me prenderem por esta trazendo algo pra você? Sei lá. É droga?Badá: no dia tu vai saber, mas é nada que te complica, pode ficar tranquila. - Me levanto ajeitando a cadeira no lugar e ela levanta o olhar em minha direção. - Tu tá me encarando por que?Mavi: Eu te imaginava totalmente diferente.Badá: Um magrelo alto e Careca? Tu não é a primeira a me falar isso. - Ela sorri deixando a mostra todos os dentes alinhandos e perfeitamente brancos. - Rangel vai te dar o papo e te trazer na próxima vez. Pode ir!Ela se levanta saindo da sala e eu fico ali aguardando o agente vir pra me levar pra cela novamente.MaviEu saio da cadeia me tremendo tanto, que pareço uma idosa com mal de Parkinson. Sinceramente, nem sei o que deu na minha cabeça de que isso seria uma boa ideia. E ainda ter que ouvir na minha cara, que sou uma criança.Na minha cabeça Badá já era um velho, careca e sem dente. E não aquela muralha de homem todo posturado, tatuagem dos pés a cabeça e com uma marra que só cabe nele.Me aproximo do carro onde Rangel me esperava e respiro aliviada por esta já distante daquele ambiente horrível.Rangel: Deu tudo certo lá? - Estendo o papel de volta pra ele que não fiz nem questão de saber o que estava escrito.Mavi: Ele pediu uma visita íntima. Tem certeza que aquele homem não vai tentar transar comigo? Rangel: Tá doidona, Maria? Cara é sujeito homem po, tá lidando com vacilão não. Se tu tiver com medo, passa a bola que outra vem no teu lugar, da o papo.Eu já queria ter desistido quando passei pela revista, com várias paranoias na cabeça do tipo "E se eu tiver com uma arma?" "Drogas?
Acordo com sol queimando meu rosto, e só aí percebo que dormi com a janela aberta. Me levanto num pulo já animada pra ver a reação da minha mãe, quando meu telefone toca.Olho no visor o nome da Laura, ainda é bem cedo e obviamente ela ainda está no hospital com minha mãe.Atendo coçando os olhos e caminhando até o guarda-roupa para procurar uma roupa e tomar banho.Mavi: Bom dia. Tá tudo bem?Laura: A mãe morreu, Maria. - Sinto meu corpo gelar e fico imóvel para de frente ao espelho e vejo meu semblante mudar. - eu não vi, quando acordei ela já havia morrido e eu não pude fazer nada.Mavi: Eu tô chegando aí! - desligo o telefone e sento na beirada.Encarado a parede branca a minha frente e em minha mente não passa absolutamente nada, a não ser a imagem da minha mãe cuidando do meu ferimento quando eu cai de bicicleta e cortei a cabeça.Ela sempre cuidou da gente, sempre. Era mãe, amiga, médica e conselheira. Sempre fez de tudo e eu não fiz absolutamente nada pra poupar sua vida.Eu s
Badá"Ninguém confia em ninguém, é melhor assim. Eu nem na minha sombra e nem ela em mim.Hoje qualquer muleque tá andando armado, puxar o cão sem pensar, pra ser respeitado.Eu tô ligado, eu sei quem é quem, o super-homem de bombeta vai matar alguém.Sendo refém de espíritos malignos, mal intencionado, cínico, leviano, indigno. Fui obrigado a conviver com isso, com uma quadrada e um velho crucifixo. É sempre bom andar ligeiro na calada, A VIDA NÃO É UM CONTO DE FADAS!"Encosto a cabeça na parede jogando a fumaça pro alto, falta pouco tempo pra eu ficar aqui dentro.A notícia que Rangel trouxe lá de fora não é a melhor delas, e eu não posso imaginar o que Maria tá sentindo agora.Perder um ente querido é sempre doloroso, mas uma mãe, deve ser uma parada coisa de louco, da até um arrepio só de imaginar.LK: tá pensativo aí por que, irmão?Badá: várias fitas pra resolver quando sair daqui. Só queria paz e sossego por um tempo.LK: Tu é chefe, tem paz não. Trabalha até aqui dentro.Badá:
MaviEu achei que a pior hora seria quando enterrasse minha mãe, mas não. A pior hora está sendo agora, que cheguei em casa e está vazia. Dói por que nunca mais vou ter seu abraço e seu sorriso. Dói por que ela nunca mais irá me acordar cedo, mesmo quando não precisa. Dói por que caramba, eu nunca mais vou sentir o cheirinho dela. Agora ficou um vazio imenso dentro dessa casa, e eu nunca havia percebido o quanto ela é enorme, não quando ela ainda estava aqui.Eu tomo banho enquanto Laura se arruma para ir trabalhar. O patrão dela disse que não precisava dela ir, mas ela insistiu para ir, e eu vou ficar em casa mesmo. Não há nada a fazer e nem para onde ir. Então só deito olhando pra parede e fico na mesma posição.Laura: eu já tô indo. Tem certeza que não quer ir comigo? - ela pergunta da porta do meu quartoMavi: Não, tá tudo bem. Pode ir.Laura: ok… Mais tarde eu tô de volta. Não vou demorar lá, só mesmo ajudar o pessoal pra não ficar na mão.Afirmo com a cabeça sem nem virar para o
BadáAcordo nem sentindo meu braço, até eu abrir os olhos e me dar conta de que não estou em minha casa e ainda na casa da Maria. Caralho, faz tempo que eu durmo assim, mas tá desconfortável pra porra ela deitada no meu braço desse jeito.Procuro o celular no meu bolso e olho a hora, ainda vai dar duas da manhã e eu tô caindo de sono. A irmã dela disse que sairia antes da meia noite, então o que significa que ela já chegou faz uma cota e nem me falou nada. Tento tirar o braço debaixo dela, mas sua mão está agarrada na minha e ela puxa quando eu tento tirar.Mavi: Não vai embora não…Badá: Achei que estava dormindo.Mavi: ta desconfortável nós dois nessa cama minúscula, né? - sorrio murmurando um uhum e ela aperta mais ainda minha mão - Mas fica, vai embora não.Badá: Eu não tô sentindo meu braço, Maria.Mavi: Quer deitar no chão? Posso pegar outro colchão e nós dois ficamos no chão.Badá: Quinze anos dormindo em cima de uma cama de concreto, o que eu menos quero é dormir no chão nesse
Mavi Eu ando pelas ruas com ele, e passo as mãos nos meus braços sentindo o arrepio causado pelo vento que sopra. Não está frio, mas já passa das duas da manhã e eu sai debaixo do cobertor para dormir na casa de um desconhecido para mim. Por que ele é desconhecido, quando foi preso eu era uma bebê e agora ele tá aqui cuidando de mim como se eu fosse a porra da filha dele e ele tivesse alguma obrigação. Não fode, Badá.Badá: Vou deixar tu dormir na minha cama. - ele quebra o silêncio entres nós dois.Mavi: Cama de solteiro? - Pergunto e olho para sua direção e ele nega com a cabeça passando a língua nos lábios - E você vai dormir onde?Badá: Sofá.Mavi: Não faz sentindo. Não quis dormir no chão, mas quer dormir no sofá, e só pra não dormir comigo? Relaxa, eu sou uma virgem, e não uma desesperada por sexo que vai te atacar durante o sono. - Ele gargalha negando com a cabeça e me olha.Badá: Tu só fala merda, doidona.A gente dobra a esquina e entra numa rua deserta, com tantos canto pr
Acordo com o celular berrando embaixo do travesseiro, pego ele tentando pegar fogo em minha mão de tão quente que ele está. Olho no visor e vejo o nome da Helen, a essa hora da manhã. Mas aí me dou conta que já é quase uma da tarde e eu não estou na minha casa.Mavi: Oi? - Atendo o celular, fechando os olhos novamente.Helen: onde você tá? Vim aqui na sua casa e Laura disse que tu saiu cedo, por que não te viu quando acordou.Mavi: Ah, eu não dormi em casa.Helen: dormiu onde, sua louca?Mavi: Tô na casa do Badá.Helen: O que? Você é louca? Você transou com ele?Mavi: nossa, calma. Pra que tantas perguntas assim?Helen: Transou ou não?Mavi: não.Helen: nada, nem uma mãozinha boba?Mavi: não cassete, para de doideira. Só vim dormir aqui por que não consegui ficar em casa, só isso. Mas não aconteceu nada, nem mão boba, nem sexo e nem a porra de um beijo.Helen: mas você queria! - Ela afirma.Mavi: Não.Helen: Não mete essa.Mavi: Tchau Helen, já estou indo pra casa.Desligo a ligação e
Entro em casa onde Laura e Helen conversa, e elas param na hora que vê passar pela porta.Laura: você saiu que horas que eu não vi?Mavi: de madrugada, não estava conseguindo dormir. - me sento na mesa e coloco café no copo - Não queria te acordar só pra avisar isso.Laura: Vocês…Mavi: não, pelo amor de Deus. Tá igual a Helen.Helen: Nem falei nada. - ela permanece parada encostada na porta e levanta as mãos. - Eu só perguntei. Por que o morro inteiro de uma hora para a outra, tá querendo sentar pra aquele homem.Laura: Ele é gato, não podemos negar isso. - Minha irmã afirma, mexendo algo na panela - Estranho seria quem não queira sentar pra ele.Mavi: você quer? - pergunto tão rápido que quando percebi, já tinha saído da minha boca.Laura: você está ficando com ele?Mavi: O que? Claro que não.Laura: Então não vejo problema em eu querer isso algum dia. - Ela da de costa novamente com a atenção no fogão.Mavi: Helen, a gente pode ir ao baile hoje? - Ele cospe a água que bebia na hora