Mavi
Eu saio da cadeia me tremendo tanto, que pareço uma idosa com mal de Parkinson. Sinceramente, nem sei o que deu na minha cabeça de que isso seria uma boa ideia. E ainda ter que ouvir na minha cara, que sou uma criança.Na minha cabeça Badá já era um velho, careca e sem dente. E não aquela muralha de homem todo posturado, tatuagem dos pés a cabeça e com uma marra que só cabe nele.Me aproximo do carro onde Rangel me esperava e respiro aliviada por esta já distante daquele ambiente horrível.Rangel: Deu tudo certo lá? - Estendo o papel de volta pra ele que não fiz nem questão de saber o que estava escrito.Mavi: Ele pediu uma visita íntima. Tem certeza que aquele homem não vai tentar transar comigo?Rangel: Tá doidona, Maria? Cara é sujeito homem po, tá lidando com vacilão não. Se tu tiver com medo, passa a bola que outra vem no teu lugar, da o papo.Eu já queria ter desistido quando passei pela revista, com várias paranoias na cabeça do tipo "E se eu tiver com uma arma?" "Drogas?" Mesmo sabendo que não estava com nada, eu fiquei tão tensa que parecia que a qualquer momento os agentes iriam retirar um quilo de maconha do meu bolso.O tanto que minha irmã iria falar na minha cabeça se soubesse disso, não quero nem imaginar.Mavi: Eu vou, será a última. Ele mesmo quem disse!Rangel: tranquilo então, marco pra amanhã!Mavi: mas já? Tem que ver o horário, por que tenho que levar o samuca pra escola. Hoje eu pedi minha irmã, mas não posso ficar pedindo todo dia.Rangel: A visita é de manhã, se pá nem demora e dá tempo de tu ir levar o moleque.Mavi: Me adianta o que é que vou levar, se for droga não entro.Rangel: Tá peidando na farofa já? É um celular.Mavi: E onde eu vou esconder esse celular, Rangel? Meu Deus. - passo a mão no rosto sabendo que isso podia dar uma merda tão grande pro meu lado.Rangel: Já tá tudo no esquema, os guardas não vão te revista, relaxa.Ele liga o carro sem nem esperar por uma resposta minha vai em direção aí salgueiro.Já estávamos próximo ao Carnaval, por tanto o morro era aquela euforia toda, ensaio de escola de samba, bailes temáticos, Helen tentava me arrastar para todos, mesmo sabendo que eu não gostava tanto.Rangel para bem em frente ao salão da Erica, eu desço agradecendo e atravesso a rua chegando na porta onde Samuel estava sentado sem uniforme.Mavi: Vai estudar hoje não, neguinho? - Pergunto depositando um beijo em sua testa e me sento ao seu lado.Samuel: Hoje não tem aula, Maria. Tá doida?Erica: Fala direito menino, onde estão seus modos? - Erica se vira pra falar pra ele que sorri todo sem graça.Mavi: Ele é um cocudo mesmo, Erica. Um dia me ama e no outro me odeia.Erica: Tu pode ficar com ele agora na parte da tarde? Preciso sair pra comprar produtos pra repor aqui no salão, e Samuel se for comigo, eu não compro nada e ainda faz eu gastar todo meu dinheiro com ele.Mavi: Fico sim, sem problemas.Erica: Pode subir com ele se quiser, só vou terminar esse cabelo e vou. Não demoro!Afirmo com a cabeça e Samuel logo se levanta subindo as escadas, Erica morava em cima do salão bem no meio do morro, e as vezes Samuel me fazia subir empurrando a bicicleta com ele garupa, um Folgado.Me sento na sala onde ele já havia ligado a TV e fico ali atoa com ele que está vidrado num desses vídeos bobos do YouTube.Meu celular toca com um número desconhecido e eu fico cabulada em atender, sempre era trote e dessa vez não seria diferente. Resolvo não atender e jogo o celular de lado.A ligação insiste e eu atendo sem falar nada...Badá: Maria?Mavi: ah... oi, é você!Badá: Sou eu, se liga... a grana já tá com Rangel, ele vai te entregar mais ou tarde ou amanhã bem cedo, e não precisa aparecer aqui amanhã.Mavi: Por que? O que houve?Badá: Nada. Isso aqui não é lugar pra tu não, se ligou? Tu é novinha e tem uma vida pela frente aí, po. Fica envolvendo nesses bagulho sem fundamento não que é furada.Mavi: Mas eu vou... - crio coragem pra confrontar. - Eu quero que tu saia da cadeia daqui uns dias e ache que eu te devo alguma coisa por ter me polpado. Tu disse que seria a última vez e amanhã estarei aí.Badá: Tá lidando com moleque não, tenho 37 anos, se eu tô te dando o papo é de sujeito homem. Tô ajudando por que sei quem é tua mãe, já cuidou de mim quando eu era criança. Ela nem sabe que tu tá nessa né?Mavi: Só Helen sabe, é Rangel. Eu faço o que for preciso pra tirar ela daquele hospital, já te disse.Badá: Eu não te quero aqui, tá entendendo? Já dei meu papo é ele é um só, vê se não teima por que eu não costumo ter muita paciência. - a voz rouca dele ecoando do outro lado da linha fazia meu corpo se arrepiar por completo.Mavi: São 40 mil reais Ba... - já ia pronunciar seu vulgo quando me dei conta de que Samuel estava ao lado. - 40 mil reais, tu vai me dar essa grana toda de mão beijada? Nem fudendo.Badá: Tu tá com a boquinha muito suja, acha não? Malcriada. Meu papo é reto mina, ele não faz curva. Não te quero aqui e tu não me deve nada. Paga pela cirurgia da sua coroa aí e fica suave. Apaga essa ligação aí pra não te complicar. Tô indo nessa, boa sorte pra tua mãe aí.Ele desliga na minha cara sem nem esperar eu responder alguma coisa. O medo me domina de tal forma, só em pensar se ela seria capaz de me cobrar algo aqui fora, não da, sou medrosa demais.Respiro aliviada sabendo que logo minha mãezinha estará em casa, eu disse que lutaria pra compensar todas as coisas que ela já fez por mim, e isso não é nem o começo.—Entro em casa já anoitecendo e sinto o cheiro de comida, Laura cozinha muito bem, já eu, sabia mal fritar um ovo sem me queimar toda.Laura: Rangel deixou uma bolsa aí pra tu. - Me sento na mesa próximo a ela que está de costas mexendo algo na panela, ela se vira me fuzilando com os olhos. - De onde tu tirou aquela grana toda, Maria?Mavi: Eu visitei o Badá... - Ela me olha arregalando os olhos e apoia as duas mãos na mesa se abaixando. - Não foi nada demais, Laura. Era só pra entregar uma carta pra ele, ele disse que a mãe cuidou dele quando era criança e quis ajudar.Laura: Assim? Sem mais nem menos?Mavi: Foi. Ele só pediu pra que eu fizesse outra visita, mas me ligou dizendo que não precisava mais e que Rangel entregaria a grana pra cirurgia da mãe.Laura: Maria Vitória, acabei de crê que tu perdeu a sanidade mental.Mavi: Não conta nada pra mãe que eu fui lá, eu me resolvo com ela.Laura: Eu não me meto. E ele é como em? Fico curiosa pra saber. Nunca vi uma foto dele, deve ser um velho babão.Mavi: Não é, pode acreditar. - Começo a contar suas características físicas e Laura sorri toda animada, éramos o oposto uma da outra, ela dá bagaceira e eu na minha como sempre. - E tu não sabe a maior, sabe o Samuel da Erica? - Ela afirma com a cabeça esperando eu terminar de falar. - É filho dele!Laura: Meu Deus. Então ele é casado com a Erica?Mavi: Não... ouvi ela falar que engravidou dentro da cadeia quando fez uma visita pra ele.Laura: Que babado fortíssimo. - Ela gargalha desligando a panela e tampando. - Eu vou para o hospital dormir com a mãe. A janta tá pronta!Confirmo e vou para meu quarto, tomo um banho colocando uma roupa confortável e me sento na cama olhando aquela bolsa cheia de dinheiro, nunca vi tantas notas de cem em minha vida. Sorrio novamente, minha mãe está salva.Arrumo minha comida e me certifico que a casa está toda trancada, eu morria de medo de alguém entrar aqui, mesmo sabendo que a gestão do morro não aceitava isso, nunca se sabe.Acordo com sol queimando meu rosto, e só aí percebo que dormi com a janela aberta. Me levanto num pulo já animada pra ver a reação da minha mãe, quando meu telefone toca.Olho no visor o nome da Laura, ainda é bem cedo e obviamente ela ainda está no hospital com minha mãe.Atendo coçando os olhos e caminhando até o guarda-roupa para procurar uma roupa e tomar banho.Mavi: Bom dia. Tá tudo bem?Laura: A mãe morreu, Maria. - Sinto meu corpo gelar e fico imóvel para de frente ao espelho e vejo meu semblante mudar. - eu não vi, quando acordei ela já havia morrido e eu não pude fazer nada.Mavi: Eu tô chegando aí! - desligo o telefone e sento na beirada.Encarado a parede branca a minha frente e em minha mente não passa absolutamente nada, a não ser a imagem da minha mãe cuidando do meu ferimento quando eu cai de bicicleta e cortei a cabeça.Ela sempre cuidou da gente, sempre. Era mãe, amiga, médica e conselheira. Sempre fez de tudo e eu não fiz absolutamente nada pra poupar sua vida.Eu s
Badá"Ninguém confia em ninguém, é melhor assim. Eu nem na minha sombra e nem ela em mim.Hoje qualquer muleque tá andando armado, puxar o cão sem pensar, pra ser respeitado.Eu tô ligado, eu sei quem é quem, o super-homem de bombeta vai matar alguém.Sendo refém de espíritos malignos, mal intencionado, cínico, leviano, indigno. Fui obrigado a conviver com isso, com uma quadrada e um velho crucifixo. É sempre bom andar ligeiro na calada, A VIDA NÃO É UM CONTO DE FADAS!"Encosto a cabeça na parede jogando a fumaça pro alto, falta pouco tempo pra eu ficar aqui dentro.A notícia que Rangel trouxe lá de fora não é a melhor delas, e eu não posso imaginar o que Maria tá sentindo agora.Perder um ente querido é sempre doloroso, mas uma mãe, deve ser uma parada coisa de louco, da até um arrepio só de imaginar.LK: tá pensativo aí por que, irmão?Badá: várias fitas pra resolver quando sair daqui. Só queria paz e sossego por um tempo.LK: Tu é chefe, tem paz não. Trabalha até aqui dentro.Badá:
MaviEu achei que a pior hora seria quando enterrasse minha mãe, mas não. A pior hora está sendo agora, que cheguei em casa e está vazia. Dói por que nunca mais vou ter seu abraço e seu sorriso. Dói por que ela nunca mais irá me acordar cedo, mesmo quando não precisa. Dói por que caramba, eu nunca mais vou sentir o cheirinho dela. Agora ficou um vazio imenso dentro dessa casa, e eu nunca havia percebido o quanto ela é enorme, não quando ela ainda estava aqui.Eu tomo banho enquanto Laura se arruma para ir trabalhar. O patrão dela disse que não precisava dela ir, mas ela insistiu para ir, e eu vou ficar em casa mesmo. Não há nada a fazer e nem para onde ir. Então só deito olhando pra parede e fico na mesma posição.Laura: eu já tô indo. Tem certeza que não quer ir comigo? - ela pergunta da porta do meu quartoMavi: Não, tá tudo bem. Pode ir.Laura: ok… Mais tarde eu tô de volta. Não vou demorar lá, só mesmo ajudar o pessoal pra não ficar na mão.Afirmo com a cabeça sem nem virar para o
BadáAcordo nem sentindo meu braço, até eu abrir os olhos e me dar conta de que não estou em minha casa e ainda na casa da Maria. Caralho, faz tempo que eu durmo assim, mas tá desconfortável pra porra ela deitada no meu braço desse jeito.Procuro o celular no meu bolso e olho a hora, ainda vai dar duas da manhã e eu tô caindo de sono. A irmã dela disse que sairia antes da meia noite, então o que significa que ela já chegou faz uma cota e nem me falou nada. Tento tirar o braço debaixo dela, mas sua mão está agarrada na minha e ela puxa quando eu tento tirar.Mavi: Não vai embora não…Badá: Achei que estava dormindo.Mavi: ta desconfortável nós dois nessa cama minúscula, né? - sorrio murmurando um uhum e ela aperta mais ainda minha mão - Mas fica, vai embora não.Badá: Eu não tô sentindo meu braço, Maria.Mavi: Quer deitar no chão? Posso pegar outro colchão e nós dois ficamos no chão.Badá: Quinze anos dormindo em cima de uma cama de concreto, o que eu menos quero é dormir no chão nesse
Mavi Eu ando pelas ruas com ele, e passo as mãos nos meus braços sentindo o arrepio causado pelo vento que sopra. Não está frio, mas já passa das duas da manhã e eu sai debaixo do cobertor para dormir na casa de um desconhecido para mim. Por que ele é desconhecido, quando foi preso eu era uma bebê e agora ele tá aqui cuidando de mim como se eu fosse a porra da filha dele e ele tivesse alguma obrigação. Não fode, Badá.Badá: Vou deixar tu dormir na minha cama. - ele quebra o silêncio entres nós dois.Mavi: Cama de solteiro? - Pergunto e olho para sua direção e ele nega com a cabeça passando a língua nos lábios - E você vai dormir onde?Badá: Sofá.Mavi: Não faz sentindo. Não quis dormir no chão, mas quer dormir no sofá, e só pra não dormir comigo? Relaxa, eu sou uma virgem, e não uma desesperada por sexo que vai te atacar durante o sono. - Ele gargalha negando com a cabeça e me olha.Badá: Tu só fala merda, doidona.A gente dobra a esquina e entra numa rua deserta, com tantos canto pr
Acordo com o celular berrando embaixo do travesseiro, pego ele tentando pegar fogo em minha mão de tão quente que ele está. Olho no visor e vejo o nome da Helen, a essa hora da manhã. Mas aí me dou conta que já é quase uma da tarde e eu não estou na minha casa.Mavi: Oi? - Atendo o celular, fechando os olhos novamente.Helen: onde você tá? Vim aqui na sua casa e Laura disse que tu saiu cedo, por que não te viu quando acordou.Mavi: Ah, eu não dormi em casa.Helen: dormiu onde, sua louca?Mavi: Tô na casa do Badá.Helen: O que? Você é louca? Você transou com ele?Mavi: nossa, calma. Pra que tantas perguntas assim?Helen: Transou ou não?Mavi: não.Helen: nada, nem uma mãozinha boba?Mavi: não cassete, para de doideira. Só vim dormir aqui por que não consegui ficar em casa, só isso. Mas não aconteceu nada, nem mão boba, nem sexo e nem a porra de um beijo.Helen: mas você queria! - Ela afirma.Mavi: Não.Helen: Não mete essa.Mavi: Tchau Helen, já estou indo pra casa.Desligo a ligação e
Entro em casa onde Laura e Helen conversa, e elas param na hora que vê passar pela porta.Laura: você saiu que horas que eu não vi?Mavi: de madrugada, não estava conseguindo dormir. - me sento na mesa e coloco café no copo - Não queria te acordar só pra avisar isso.Laura: Vocês…Mavi: não, pelo amor de Deus. Tá igual a Helen.Helen: Nem falei nada. - ela permanece parada encostada na porta e levanta as mãos. - Eu só perguntei. Por que o morro inteiro de uma hora para a outra, tá querendo sentar pra aquele homem.Laura: Ele é gato, não podemos negar isso. - Minha irmã afirma, mexendo algo na panela - Estranho seria quem não queira sentar pra ele.Mavi: você quer? - pergunto tão rápido que quando percebi, já tinha saído da minha boca.Laura: você está ficando com ele?Mavi: O que? Claro que não.Laura: Então não vejo problema em eu querer isso algum dia. - Ela da de costa novamente com a atenção no fogão.Mavi: Helen, a gente pode ir ao baile hoje? - Ele cospe a água que bebia na hora
Eu espero Helen terminar a maquiagem na última menina para ela fazer em mim, a bichinha já está destruída e eu sorrio da porta, ouvindo o ronco do carro parando em frente a varanda da casa da Helen, já sabia quem era.Ele desce do carro todo trajado dos pés a cabeça, eu simbolo da Nike refletindo em sua camisa preta, o perfume que invadiu minhas narinas antes mesmo dele chegar perto. Ele troca a sacola de mão, e guarda a chave do carro no bolso da calça. Ele se aproxima de mim com meio sorriso no lábio, enquanto eu permaneço seria com os braços cruzados, fitando a mulher que está lá dentro do carro. Não dá pra saber quem é, mas eu sei que tem.Realmente, Maria Vitória… Você é apenas uma criança para ele.Badá: Tá tudo aí. - Ele estende a sacola para mim - sequinha.Mavi: Obrigado.Badá: Tá fazendo o que por esses lados?Mavi: Não sei se você sabe, mas Helen é minha amiga.Badá: Cassete, Maria. Se eu soubesse que a égua estava dando coice, tinha jogado o capim de longe. - fecho a cara