Os gemidos fracos de Ethan ecoavam na masmorra enquanto dois curandeiros da alcateia o colocavam cuidadosamente em uma maca improvisada.
Ivy permaneceu ao lado dele, segurando sua mão com firmeza, sentindo cada fragmento de dor do irmão como se fosse dela mesma.
— Você precisa cuidar das suas feridas, Ethan — disse Ivy, a voz embargada.
— E você precisa sair daqui — ele respondeu, tossindo. A fraqueza era evidente, mas havia fogo em seus olhos, mesmo quando estavam pesados de exaustão.
O curandeiro lhe aplicou um unguento nas feridas abertas enquanto Ivy se inclinava, acariciando os cabelos suados dele.
— Não se preocupe comigo. Eu vou dar um jeito, Ethan. Prometo.
Mas antes que pudesse dizer mais, a porta de ferro rangeu. Lucian entrou, sua presença preenchendo o espaço como uma tempestade.
— Ele vai viver. — Disse Lucian, de maneira seca, com os olhos focados em Ivy. — Agora você vem comigo.
Ivy lançou um último olhar ao irmão, sabendo que ele seria levado à enfermaria. Seus lábios tremiam enquanto ela era forçada a se levantar e seguir Lucian.
O céu estava limpo quando chegaram ao lado de fora, ao mesmo tempo em que estava pesado com a aflição crescente.
Na praça central da alcateia, a multidão se reunia. Homens, mulheres e jovens lobos esperavam, olhos famintos, sussurros fervendo entre eles, ansiosos para o início daquele tão esperado julgamento.
No centro, o estrado de execução permanecia vazio, as cordas e instrumentos preparados.
Ivy estremeceu ao ver aquilo, mas o andar firme de Lucian à sua frente foi implacável, a forçando a também seguir em frente. Ele liderou o caminho até o centro, seus olhos brilhando com autoridade enquanto toda a alcateia o observava, curiosa.
Ao chegar, no topo ele virou-se para encarar a multidão e falou, sua voz grave ressoando como um trovão:
— Ninguém vai morrer hoje.
O choque tomou conta da multidão, seguido de um murmúrio de surpresa, dúvidas, indignação.
Gritos de protesto ecoaram por entre os presentes, não podiam aceitar que os filhos de traidores fossem facilmente perdoados.
— A ordem foi dada! — um homem gritou da multidão, sua voz ecoando acima dos outros.
— E foi revogada. — cortou Lucian, o olhar afiado como lâmina. — Se vocês têm respeito pela Deusa, vão aceitar a decisão dela. Porque foi ela quem fez de Ivy minha companheira. Ela é minha Luna. E qualquer um que desrespeitar isso... morrerá pela minha mão.
Os gritos cessaram por um instante, mas a apreensão estava evidente nos olhares horrorizados de todos.
Ivy, ao lado de Lucian, sentia o mesmo terror que via no rosto da multidão. Não podia aceitar, acreditar que estava passando por aquela situação. Porque a plena menção de Lucian se referir a ela como sua Luna, fez um buraco ainda maior se abrir em seu peito. Que destino trágico a vida reservou pra ela.
A atenção de Ivy foi tomada, quando os anciões deram um passo à frente, seus olhares frios e penetrantes pousando sobre Lucian.
— A tradição não pode ser ignorada, alfa, nem mesmo por você. Essa mulher, a sua família, trouxe conflito para nossa alcateia. E agora você vai fazer dela nossa Luna?
Lucian encarou os anciões com um olhar feroz.
— Sim. E desafio quem for contra a vontade da Deusa. Se o desejo dela era unir essa mulher a mim, então é isso que será respeitado. Eu mataria qualquer um que tentasse interferir.
Ivy permaneceu em silêncio, o peso das palavras de Lucian caindo sobre ela como um manto sufocante. Os olhares acusadores e o ódio na multidão eram como facas cravadas em sua pele. Ela não era apenas indesejada; era odiada.
Como poderia ser a Luna de uma alcateia que a odiava pelo simples fato de estar viva?
Lucian se virou para Ivy, sua mão buscando a dela, como se para selar o anúncio. Ivy resistiu por um momento, a palma de sua mão pegando fogo onde ele fazia questão de tocar. No entanto, Ivy sabia que se recusasse ali, significaria o fim para ela e para Ethan.
Relutantemente, deixou que suas mãos se tocassem, selando aquele anúncio e o seu destino.
***
Mais tarde, no pequeno alojamento improvisado da enfermaria, Ivy encontrou Ethan acordado, seus olhos cheios de uma mistura de tristeza e determinação.
— Eles vão te liberar... — disse Ivy, sentando ao lado da cama dele.
Fisicamente, ele parecia um pouco melhor. Ainda que houvesse tamanha dor em seus olhos tão azuis.
Ethan encarou sua irmã por um longo momento antes de responder:
— Eu não vou ficar aqui, Ivy. Não posso.
— Ethan, por favor... — Ivy começou, mas ele a interrompeu.
— Não. Você sabe tão bem quanto eu que aqui não é mais seguro para mim. Você terá a proteção do alfa, eu não. — Ethan diz com seriedade. — Eu vou buscar meu próprio bando. Nossa Alcateia Sanguínea ainda tem força, e vou encontrar aqueles que compartilham nosso sangue.
Ivy começou a chorar copiosamente, segurando a mão dele com firmeza. Jamais poderia imaginar que também precisaria se despedir do seu irmão. Que ele iria buscar a alcateia deles, sozinhos.
— Por favor... tome cuidado. — Ivy disse depois de um tempo, as lágrimas ainda descendo. — Prometo que vou te encontrar, Ethan. Que vou ficar ao seu lado novamente e vamos manter nossa linhagem viva. Eu só preciso de tempo.
Ethan apertou a mão dela de volta, os olhos pesados de preocupação.
— Só prometa que vai ficar alerta. Não confie nele, Ivy. Não confie em Lucian.
— Eu jamais poderia — ela respondeu, com a voz dura. — Porque toda vez que olho para ele... vejo os rostos dos nossos pais sendo ceifados.
A dor nos olhos de Ethan era nítida. Com dificuldade, ele se sentou e a puxou para um abraço.
— Seja forte. Fique viva.
E simples assim, Ethan se levantou, ainda com um pouco de dificuldade e seguiu. Deixando sua irmã para trás, sem ter certeza de que algum dia, poderia vê-la novamente.
Ivy permaneceu parada no lugar, o observando desaparecer. Até que no instante seguinte, Lucian chegou à enfermaria, e a encontrou ainda de pé, as lágrimas secas em seu rosto, mas os olhos brilhando de determinação e confiança.
— Está na hora — disse ele.
Ivy se virou para ele, sua postura rígida como aço.
— Sim. Está. Mas saiba de uma coisa, Alfa... — Ivy murmurou com descontentamento. — Durante cada dia em que eu for forçada a ficar aqui, com você, vou desprezá-lo. E um dia... você vai sentir o mesmo vazio que me fez carregar.
Lucian não respondeu, mas seus olhos escureceram enquanto a acompanhava. Ele sabia que aquilo não terminaria tão facilmente.
Ivy sentiu os olhares perfurando sua pele enquanto caminhava ao lado de Lucian. Os membros da alcateia estavam em silêncio, mas seus olhos eram cortantes. Ela sabia o que diziam. Sabia o quanto os desprezavam. E pior: sabia que a presença de Lucian ao seu lado não fazia as coisas mais fáceis. Para todos ali, ela era apenas uma intrusa, a nova Luna que precisaria se provar a todo custo. E Ivy, embora tentasse ocultar, se sentia perdida nesse jogo.— Você está bem? — A voz de Lucian, finalmente, cortou o silêncio.Ele a olhava de lado, com seus olhos frios como a noite. Não havia preocupação no tom, apenas uma indiferença calculada.— Claro. — Ela respondeu, tentando manter a compostura. Ela não iria ceder ao desconforto deles. Não agora, não nunca. — Só me sinto em casa aqui. — Disse com sarcasmo.Lucian ignorou, sua expressão de pedra nunca vacilando. Eles avançaram mais alguns metros até estarem no lado interno da casa da alcatéia, e seguiram até o que Ivy percebeu, ser o salão de m
Ivy se virou em frente ao espelho pela última vez enquanto as mulheres ao seu redor terminavam de ajustar o seu vestido. O azul celeste abraçava seu corpo delicadamente, realçando a palidez de sua pele e o brilho de seus olhos intensos. Apesar da indignação de ser moldada como um objeto, por um momento, ela não reconheceu o próprio reflexo.Ela mal suportava o peso daqueles toques "delicados". Como alguém poderia achar que um vestido ou cabelos trançados poderiam mascarar o furacão que ela sentia por dentro? Ela não era apenas outra peça naquele jogo implacável. Não poderia ser.Antes que pudesse mergulhar mais fundo nesses pensamentos, a porta do quarto se abriu, revelando Lucian.— Está pronta? — ele perguntou, sua voz firme preenchendo o ambiente antes que pudesse vê-la completamente.Quando seus olhos a captaram, Lucian parou. Ele não era um homem facilmente surpreendido, mas ali estava ela, uma versão de Ivy que ele não esperava. Seu olhar deslizou do cabelo vermelho, agora caind
O peso no ar parecia maior conforme os anciãos avançavam em direção a Ivy. Eles eram vultos de autoridade, com passos lentos e olhares que intimidavam até os lobos mais experientes. Ivy respirou fundo, seus dedos entrelaçados em um esforço visível para disfarçar o nervosismo.Quando ficaram próximos, ela os saudou com um pequeno aceno de cabeça, mantendo um tom educado, embora sua voz traísse um leve tremor. — É uma honra conhecê-los pessoalmente, senhores. — Ivy falou, tentando manter um sorriso, apesar de não tolerar nem um pouco a existência daqueles homens.No entanto, Ivy percebeu que se quisesse sobreviver naquele lugar, precisaria aprender a fingir e ignorar seus reais sentimentos.Mesmo assim, os anciãos sequer reagiram a sua tentativa de aproximação. Suas expressões permaneceram imóveis, suas vozes inaudíveis enquanto sussurravam entre si. Sem nem dirigir uma palavra a Ivy, ou mísero olhar, fizeram um gesto chamando Lucian.— Alfa. Precisamos falar em particular. — a voz gra
Assim que Lucian entrou naquela sala com os anciões, Ivy começou a caminhar entre as pessoas, tentando não chamar atenção. Cada riso distante e olhar furtivo parecia uma crítica velada, como se ela fosse uma intrusa no mundo ao qual Lucian pertencia. A sensação de deslocamento era sufocante.Talvez voltar para o quarto fosse a melhor opção.Enquanto atravessava o salão, ela tentou desviar de um dos serviçais carregando bandejas. Sua atenção dispersa, somada ao tumulto ao redor, fez com que esbarrasse na pessoa, e tudo pareceu acontecer em câmera lenta: o equilíbrio perdido, a bandeja balançando no ar, e a certeza de que cairia no chão com um estrondo.Mas, antes que pudesse atingir o solo, mãos firmes a seguraram pela cintura, erguendo-a de volta com facilidade. Ivy ergueu os olhos rapidamente, o coração batendo descompassado. A figura que a amparava era alta, poderosa e imediatamente familiar. O olhar claro e penetrante era inconfundível.— Você está bem? — perguntou o homem, sua voz
O ar da noite era morno, perfumado pelo aroma das flores do jardim da alcateia. A lua cheia pairava alta no céu, sua luz prateada iluminando tudo com um brilho mágico e quase irreal.Ivy caminhava ao lado de Alaric, o coração inquieto, ora observando o homem que parecia impenetrável, ora se perdendo na beleza do cenário.— Não esperava que o jardim fosse tão... calmo — Ivy comentou, tentando quebrar o silêncio enquanto seus passos ecoavam em uníssono no caminho de pedra.— Surpreendente vindo de Lucian, não acha? — Alaric replicou, a voz carregada de uma ironia sutil, que fez Ivy desviar os olhos, sem saber como reagir.Eles atravessaram um caminho lateral e passaram diante de uma sala anexada à casa principal. As janelas estavam entreabertas, e Ivy mal pôde conter o susto ao ouvir a voz grave e autoritária de Lucian de dentro.— ... deixe que ele faça isso. Se é guerra que ele está pensando em criar, vai ter. Minha palavra segue imutável. Vamos aguardar, mas, se for necessário que ha
Alaric deu um passo para trás, ainda sorrindo, mas seus olhos brilharam com algo mais. Algo que Lucian não parecia ter percebido.— Interessante... — murmurou Alaric antes de se virar para Ivy, dando-lhe um olhar de despedida que a fez estremecer. — Conversaremos em outra ocasião. Boa noite, Ivy.Ele saiu sem pressa, deixando Lucian e Ivy a sós sob a luz prateada da lua. E, enquanto Ivy encarava o alfa, que parecia pronto para explodir, seu coração batia descontrolado.O que quer que estivesse acontecendo ali, ela sabia que estava no centro de algo muito maior do que poderia imaginar.Lucian não dissera mais nada, enquanto a noite parecia ainda mais escura enquanto ele guiava Ivy de volta à mansão principal.Ele permaneceu em silêncio, mas a fúria em cada passo seu falava mais do que qualquer palavra. Ivy quase podia ouvir o zumbido de sua raiva contida.O ar de dentro da mansão estava diferente, carregado, como se refletisse o humor de Lucian. Quando chegaram ao corredor, em direção
Capítulo 13A mansão estava envolta em um silêncio inquietante, interrompido apenas pelos estalos das madeiras antigas e o uivo ocasional do vento lá fora. Ivy caminhava de um lado para o outro no grande salão, sua inquietação evidente enquanto olhava repetidamente para a porta principal. Barulhos vindos da floresta haviam perturbado sua noite, sons que não pareciam naturais, como rosnados e gritos abafados.Ela estava ansiosa e cheia de medo, seus pensamentos eram um turbilhão. Algo estava acontecendo, e a ausência de Lucian tornava a espera ainda mais insuportável.Horas mais tarde, a porta da frente se abriu.Lucian entrou como uma tempestade, e a visão dele fez Ivy parar no meio do salão, enquanto seu coração parava por um momento ao vê-lo. Ele estava coberto de sangue, sujeira e folhas, os olhos dourados brilhando com uma intensidade assustadora, como brasas sob a pouca luz.— Lucian! — Ivy exclamou, correndo até ele, embora hesitasse antes de se aproximar completamente. — O que
— Você é impossível! — Ivy exclamou, o coração acelerado e a voz embargada pela mistura de indignação e... algo mais que ela não ousava nomear.Lucian apenas riu baixinho enquanto Ivy corria, para longe dele e daquele quarto.Quando já estava distante, Ivy sentiu o sangue subir ao rosto, a respiração ainda agitada. O olhar de Lucian estava gravado em sua mente, tão intenso e desafiador que quase a fez derreter no lugar.Ela desceu as escadas em silêncio, tentando manter a compostura, o coração batendo descontrolado, e Ivy levou a mão até o peito. O calor que se instalou em seu corpo era inusitado, e um tipo de excitação que ela não sabia como explicar se espalhou por ela.Era uma sensação quase absurda, e ela se odiava por isso.Se odiava por ter, mesmo que por um segundo, se sentido atraída por um homem tão cruel, tão autoritário, que não parecia ver nada além de seu próprio domínio.Ivy afastou esses pensamentos. Não queria sentir aquilo. Não podia.***No dia seguinte, Ivy acordou