Capítulo 6

Os gemidos fracos de Ethan ecoavam na masmorra enquanto dois curandeiros da alcateia o colocavam cuidadosamente em uma maca improvisada.

Ivy permaneceu ao lado dele, segurando sua mão com firmeza, sentindo cada fragmento de dor do irmão como se fosse dela mesma.

— Você precisa cuidar das suas feridas, Ethan — disse Ivy, a voz embargada.

— E você precisa sair daqui — ele respondeu, tossindo. A fraqueza era evidente, mas havia fogo em seus olhos, mesmo quando estavam pesados de exaustão.

O curandeiro lhe aplicou um unguento nas feridas abertas enquanto Ivy se inclinava, acariciando os cabelos suados dele.

— Não se preocupe comigo. Eu vou dar um jeito, Ethan. Prometo.

Mas antes que pudesse dizer mais, a porta de ferro rangeu. Lucian entrou, sua presença preenchendo o espaço como uma tempestade.

— Ele vai viver. — Disse Lucian, de maneira seca, com os olhos focados em Ivy. — Agora você vem comigo.

Ivy lançou um último olhar ao irmão, sabendo que ele seria levado à enfermaria. Seus lábios tremiam enquanto ela era forçada a se levantar e seguir Lucian.

O céu estava limpo quando chegaram ao lado de fora, ao mesmo tempo em que estava pesado com a aflição crescente.

Na praça central da alcateia, a multidão se reunia. Homens, mulheres e jovens lobos esperavam, olhos famintos, sussurros fervendo entre eles, ansiosos para o início daquele tão esperado julgamento.

No centro, o estrado de execução permanecia vazio, as cordas e instrumentos preparados.

Ivy estremeceu ao ver aquilo, mas o andar firme de Lucian à sua frente foi implacável, a forçando a também seguir em frente. Ele liderou o caminho até o centro, seus olhos brilhando com autoridade enquanto toda a alcateia o observava, curiosa.

Ao chegar, no topo ele virou-se para encarar a multidão e falou, sua voz grave ressoando como um trovão:

— Ninguém vai morrer hoje.

O choque tomou conta da multidão, seguido de um murmúrio de surpresa, dúvidas, indignação.

Gritos de protesto ecoaram por entre os presentes, não podiam aceitar que os filhos de traidores fossem facilmente perdoados.

— A ordem foi dada! — um homem gritou da multidão, sua voz ecoando acima dos outros.

— E foi revogada. — cortou Lucian, o olhar afiado como lâmina. — Se vocês têm respeito pela Deusa, vão aceitar a decisão dela. Porque foi ela quem fez de Ivy minha companheira. Ela é minha Luna. E qualquer um que desrespeitar isso... morrerá pela minha mão.

Os gritos cessaram por um instante, mas a apreensão estava evidente nos olhares horrorizados de todos.

 Ivy, ao lado de Lucian, sentia o mesmo terror que via no rosto da multidão. Não podia aceitar, acreditar que estava passando por aquela situação. Porque a plena menção de Lucian se referir a ela como sua Luna, fez um buraco ainda maior se abrir em seu peito. Que destino trágico a vida reservou pra ela.

A atenção de Ivy foi tomada, quando os anciões deram um passo à frente, seus olhares frios e penetrantes pousando sobre Lucian.

— A tradição não pode ser ignorada, alfa, nem mesmo por você. Essa mulher, a sua família, trouxe conflito para nossa alcateia. E agora você vai fazer dela nossa Luna?

Lucian encarou os anciões com um olhar feroz.

— Sim. E desafio quem for contra a vontade da Deusa. Se o desejo dela era unir essa mulher a mim, então é isso que será respeitado. Eu mataria qualquer um que tentasse interferir.

Ivy permaneceu em silêncio, o peso das palavras de Lucian caindo sobre ela como um manto sufocante. Os olhares acusadores e o ódio na multidão eram como facas cravadas em sua pele. Ela não era apenas indesejada; era odiada.

Como poderia ser a Luna de uma alcateia que a odiava pelo simples fato de estar viva?

Lucian se virou para Ivy, sua mão buscando a dela, como se para selar o anúncio. Ivy resistiu por um momento, a palma de sua mão pegando fogo onde ele fazia questão de tocar. No entanto, Ivy sabia que se recusasse ali, significaria o fim para ela e para Ethan.

Relutantemente, deixou que suas mãos se tocassem, selando aquele anúncio e o seu destino.

***

Mais tarde, no pequeno alojamento improvisado da enfermaria, Ivy encontrou Ethan acordado, seus olhos cheios de uma mistura de tristeza e determinação.

— Eles vão te liberar... — disse Ivy, sentando ao lado da cama dele.

Fisicamente, ele parecia um pouco melhor. Ainda que houvesse tamanha dor em seus olhos tão azuis.

Ethan encarou sua irmã por um longo momento antes de responder:

— Eu não vou ficar aqui, Ivy. Não posso.

— Ethan, por favor... — Ivy começou, mas ele a interrompeu.

— Não. Você sabe tão bem quanto eu que aqui não é mais seguro para mim. Você terá a proteção do alfa, eu não. — Ethan diz com seriedade. — Eu vou buscar meu próprio bando. Nossa Alcateia Sanguínea ainda tem força, e vou encontrar aqueles que compartilham nosso sangue.

Ivy começou a chorar copiosamente, segurando a mão dele com firmeza. Jamais poderia imaginar que também precisaria se despedir do seu irmão. Que ele iria buscar a alcateia deles, sozinhos.

— Por favor... tome cuidado. — Ivy disse depois de um tempo, as lágrimas ainda descendo. — Prometo que vou te encontrar, Ethan. Que vou ficar ao seu lado novamente e vamos manter nossa linhagem viva. Eu só preciso de tempo.

Ethan apertou a mão dela de volta, os olhos pesados de preocupação.

— Só prometa que vai ficar alerta. Não confie nele, Ivy. Não confie em Lucian.

— Eu jamais poderia — ela respondeu, com a voz dura. — Porque toda vez que olho para ele... vejo os rostos dos nossos pais sendo ceifados.

A dor nos olhos de Ethan era nítida. Com dificuldade, ele se sentou e a puxou para um abraço.

— Seja forte. Fique viva.

E simples assim, Ethan se levantou, ainda com um pouco de dificuldade e seguiu. Deixando sua irmã para trás, sem ter certeza de que algum dia, poderia vê-la novamente.

Ivy permaneceu parada no lugar, o observando desaparecer.  Até que no instante seguinte, Lucian chegou à enfermaria, e a encontrou ainda de pé, as lágrimas secas em seu rosto, mas os olhos brilhando de determinação e confiança.

— Está na hora — disse ele.

Ivy se virou para ele, sua postura rígida como aço.

— Sim. Está. Mas saiba de uma coisa, Alfa... — Ivy murmurou com descontentamento. — Durante cada dia em que eu for forçada a ficar aqui, com você, vou desprezá-lo. E um dia... você vai sentir o mesmo vazio que me fez carregar.

Lucian não respondeu, mas seus olhos escureceram enquanto a acompanhava. Ele sabia que aquilo não terminaria tão facilmente.

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