Capítulo 8

Ivy se virou em frente ao espelho pela última vez enquanto as mulheres ao seu redor terminavam de ajustar o seu vestido. O azul celeste abraçava seu corpo delicadamente, realçando a palidez de sua pele e o brilho de seus olhos intensos. Apesar da indignação de ser moldada como um objeto, por um momento, ela não reconheceu o próprio reflexo.

Ela mal suportava o peso daqueles toques "delicados". Como alguém poderia achar que um vestido ou cabelos trançados poderiam mascarar o furacão que ela sentia por dentro? Ela não era apenas outra peça naquele jogo implacável. Não poderia ser.

Antes que pudesse mergulhar mais fundo nesses pensamentos, a porta do quarto se abriu, revelando Lucian.

— Está pronta? — ele perguntou, sua voz firme preenchendo o ambiente antes que pudesse vê-la completamente.

Quando seus olhos a captaram, Lucian parou. Ele não era um homem facilmente surpreendido, mas ali estava ela, uma versão de Ivy que ele não esperava. Seu olhar deslizou do cabelo vermelho, agora caindo em ondas brilhantes e perfeitamente arrumadas, até o corpo dela no vestido que parecia feito sob medida. Ele demorou-se mais do que deveria. Por um breve momento, parecia que ele queria dizer algo. Um pequeno movimento vacilou em sua expressão.

Nesse momento, Ivy também parou para analisá-lo; ele era uma presença imponente, quase intimidadora, com seus ombros largos e postura rígida. Seu terno perfeitamente ajustado realçava seu físico atlético, enquanto o preto do tecido contrastava com a pele pálida de um predador.

Os cabelos escuros estavam arrumados em um penteado impecável, embora algumas mechas teimosas caíssem sobre sua testa, suavizando, ainda que levemente, sua expressão severa.

Seus olhos, de um tom âmbar intenso, brilhavam como se contivessem uma chama interna, sempre atentos e avaliadores, fazendo quem o encarasse sentir que ele enxergava além das palavras.  A mandíbula era angular, destacada por uma barba perfeitamente alinhada que aumentava seu ar de elegância controlada.

Lucian parecia esculpido para dominar qualquer espaço, uma força indomável camuflada em charme gélido.

De repente, toda aquela observação silenciosa foi interrompida pela voz grave e baixa de Lucian. Ivy desviou os olhos, sentindo todo o sangue do seu corpo se concentrar em suas bochechas.

— Não sabia que era possível te transformar assim... — disse Lucian, com um tom que soava quase como um elogio, mas a arrogância não deixava dúvidas.

— Uma mulher fica bem até vestindo trapos se o alívio de não ser executada for suficiente — respondeu Ivy com sarcasmo, virando-se para ele, as faíscas de raiva ainda visíveis.

Lucian estreitou os olhos, ainda não conseguia assimilar toda a teimosia e prepotência de Ivy.

 — Não abuse do meu bom humor. Estou aqui para te levar ao jantar. Membros e representantes de outras alcateias estarão presentes. Sua presença é indispensável.

— Jantar? — Ivy cruzou os braços. — Eu não vou. E se você acha que pode me forçar, boa sorte.

Ele deu um passo à frente, sua altura projetando uma sombra que cobriu Ivy, mas sua voz agora era mais contida, quase em um tom moderado.

— Acha que gosto dessa situação, Ivy? — murmurou ele, o olhar fixo no dela, um raro momento de abertura espreitando pela máscara de pedra. — Isso não é sobre o que eu quero ou você quer. É sobre a deusa Selene e o vínculo que ambos detestamos, mas não podemos ignorar.

Ela estreitou os olhos, desafiadora.

— Então me diga, Lucian, por que você se importa tanto com essa “vontade da Deusa”? Você acha que isso tudo vai lavar a culpa que carrega pelos segredos dessa alcateia, pelo sangue de inocentes que corre em suas mãos?

Lucian hesitou, e Ivy captou esse instante. Sua guarda caiu, mesmo que brevemente, como se a pergunta tivesse atravessado uma armadura bem protegida. Mas ele não respondeu.

— Não torne isso mais difícil para você mesma, Ivy. — Ele recuou, com o tom sombrio de sempre, mas sem disfarçar completamente a fissura em sua expressão. — Além do mais, se você está se referindo aos seus pais como inocentes; você não poderia estar mais equivocada.

E simples assim, ele deu as costas a ela, a deixando com lágrimas nos olhos e uma raiva latente queimando em seu corpo. Não conseguia conceber que ele tivesse coragem em falar sobre os seus pais, que ele fosse tão sujo e maquiavélico que trouxesse a tona toda a razão do ódio que Ivy sentia por ele.

Respirando fundo, e enxugando as lágrimas, Ivy também começa a seguir em frente.

— Isso não vai ser para sempre. — Ela sussurrava para si mesmo, incapaz de deixar-se cair pelas provocações e maldade do alfa.

***

Ao chegar no térreo, a grande sala de jantar era um redemoinho de movimentos e vozes, com o aroma de carne assada e especiarias preenchendo o ar. Ivy entrou ao lado de Lucian, que a esperava no final da escada, todos os olhares se voltaram para eles instantaneamente.

Aquele momento parecia sufocante, como se cada um naquela sala estivesse avaliando o menor dos seus movimentos. Ivy se forçou a manter o olhar altivo, até que captou trechos de uma conversa entre dois membros mais velhos da alcateia, encostados próximos à lareira.

— O novo alfa fez o que pôde para manter a verdade escondida.

— Mas por quanto tempo ele vai conseguir? Tudo isso vai cair sobre nós eventualmente.

— Foi o preço para manter a paz, mas ela... — o mais velho fez um gesto sutil na direção de Ivy. — ... ela é um risco.

Ivy virou a cabeça ligeiramente para escutar melhor, mas antes que pudesse captar mais, Lucian tocou seu braço, forçando-a a avançar com ele.

— Não vou permitir que você cause uma cena. — Ele murmurou, entre dentes, ignorando os murmúrios ao redor.

Ivy o encarou, a inquietação ainda fresca na memória das palavras  que ouvira minutos antes. “A verdade escondida”, ecoava em sua mente como um alerta.

Até que ponto Lucian precisava dela? Era apenas em respeito a vontade da Deusa, ou uma jogada política para manter segredos perigosos ou algo mais sombrio estava por trás do vínculo que ele tanto valorizava?

No meio do salão, as portas principais se abriram em baque surdo, revelando a entrada de três figuras imponentes. Eram os anciãos que haviam sentenciado Ivy e seu irmão à morte. Suas presenças fizeram o ar na sala se congelar, e Ivy sentiu o pânico subir como um choque frio por sua espinha.

— Lucian... — ela sussurrou, tentando conter o tremor na voz. — O que eles estão fazendo aqui?

Ele manteve a expressão rígida, mas havia algo em seus olhos — uma sombra de desconforto.

— Eles vieram avaliar você. — Foi tudo o que ele disse antes de se afastar ligeiramente, deixando-a sozinha para encarar os anciãos que se aproximavam.

O coração de Ivy disparava em seu peito. Eles voltariam atrás? Finalmente executariam a sentença? E, mais importante, qual seria o verdadeiro papel de Lucian nisso tudo?

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