Ivy se virou em frente ao espelho pela última vez enquanto as mulheres ao seu redor terminavam de ajustar o seu vestido. O azul celeste abraçava seu corpo delicadamente, realçando a palidez de sua pele e o brilho de seus olhos intensos. Apesar da indignação de ser moldada como um objeto, por um momento, ela não reconheceu o próprio reflexo.
Ela mal suportava o peso daqueles toques "delicados". Como alguém poderia achar que um vestido ou cabelos trançados poderiam mascarar o furacão que ela sentia por dentro? Ela não era apenas outra peça naquele jogo implacável. Não poderia ser.
Antes que pudesse mergulhar mais fundo nesses pensamentos, a porta do quarto se abriu, revelando Lucian.
— Está pronta? — ele perguntou, sua voz firme preenchendo o ambiente antes que pudesse vê-la completamente.
Quando seus olhos a captaram, Lucian parou. Ele não era um homem facilmente surpreendido, mas ali estava ela, uma versão de Ivy que ele não esperava. Seu olhar deslizou do cabelo vermelho, agora caindo em ondas brilhantes e perfeitamente arrumadas, até o corpo dela no vestido que parecia feito sob medida. Ele demorou-se mais do que deveria. Por um breve momento, parecia que ele queria dizer algo. Um pequeno movimento vacilou em sua expressão.
Nesse momento, Ivy também parou para analisá-lo; ele era uma presença imponente, quase intimidadora, com seus ombros largos e postura rígida. Seu terno perfeitamente ajustado realçava seu físico atlético, enquanto o preto do tecido contrastava com a pele pálida de um predador.
Os cabelos escuros estavam arrumados em um penteado impecável, embora algumas mechas teimosas caíssem sobre sua testa, suavizando, ainda que levemente, sua expressão severa.
Seus olhos, de um tom âmbar intenso, brilhavam como se contivessem uma chama interna, sempre atentos e avaliadores, fazendo quem o encarasse sentir que ele enxergava além das palavras. A mandíbula era angular, destacada por uma barba perfeitamente alinhada que aumentava seu ar de elegância controlada.
Lucian parecia esculpido para dominar qualquer espaço, uma força indomável camuflada em charme gélido.
De repente, toda aquela observação silenciosa foi interrompida pela voz grave e baixa de Lucian. Ivy desviou os olhos, sentindo todo o sangue do seu corpo se concentrar em suas bochechas.
— Não sabia que era possível te transformar assim... — disse Lucian, com um tom que soava quase como um elogio, mas a arrogância não deixava dúvidas.
— Uma mulher fica bem até vestindo trapos se o alívio de não ser executada for suficiente — respondeu Ivy com sarcasmo, virando-se para ele, as faíscas de raiva ainda visíveis.
Lucian estreitou os olhos, ainda não conseguia assimilar toda a teimosia e prepotência de Ivy.
— Não abuse do meu bom humor. Estou aqui para te levar ao jantar. Membros e representantes de outras alcateias estarão presentes. Sua presença é indispensável.
— Jantar? — Ivy cruzou os braços. — Eu não vou. E se você acha que pode me forçar, boa sorte.
Ele deu um passo à frente, sua altura projetando uma sombra que cobriu Ivy, mas sua voz agora era mais contida, quase em um tom moderado.
— Acha que gosto dessa situação, Ivy? — murmurou ele, o olhar fixo no dela, um raro momento de abertura espreitando pela máscara de pedra. — Isso não é sobre o que eu quero ou você quer. É sobre a deusa Selene e o vínculo que ambos detestamos, mas não podemos ignorar.Ela estreitou os olhos, desafiadora.
— Então me diga, Lucian, por que você se importa tanto com essa “vontade da Deusa”? Você acha que isso tudo vai lavar a culpa que carrega pelos segredos dessa alcateia, pelo sangue de inocentes que corre em suas mãos?
Lucian hesitou, e Ivy captou esse instante. Sua guarda caiu, mesmo que brevemente, como se a pergunta tivesse atravessado uma armadura bem protegida. Mas ele não respondeu.
— Não torne isso mais difícil para você mesma, Ivy. — Ele recuou, com o tom sombrio de sempre, mas sem disfarçar completamente a fissura em sua expressão. — Além do mais, se você está se referindo aos seus pais como inocentes; você não poderia estar mais equivocada.
E simples assim, ele deu as costas a ela, a deixando com lágrimas nos olhos e uma raiva latente queimando em seu corpo. Não conseguia conceber que ele tivesse coragem em falar sobre os seus pais, que ele fosse tão sujo e maquiavélico que trouxesse a tona toda a razão do ódio que Ivy sentia por ele.
Respirando fundo, e enxugando as lágrimas, Ivy também começa a seguir em frente.
— Isso não vai ser para sempre. — Ela sussurrava para si mesmo, incapaz de deixar-se cair pelas provocações e maldade do alfa.
***
Ao chegar no térreo, a grande sala de jantar era um redemoinho de movimentos e vozes, com o aroma de carne assada e especiarias preenchendo o ar. Ivy entrou ao lado de Lucian, que a esperava no final da escada, todos os olhares se voltaram para eles instantaneamente.
Aquele momento parecia sufocante, como se cada um naquela sala estivesse avaliando o menor dos seus movimentos. Ivy se forçou a manter o olhar altivo, até que captou trechos de uma conversa entre dois membros mais velhos da alcateia, encostados próximos à lareira.
— O novo alfa fez o que pôde para manter a verdade escondida.
— Mas por quanto tempo ele vai conseguir? Tudo isso vai cair sobre nós eventualmente. — Foi o preço para manter a paz, mas ela... — o mais velho fez um gesto sutil na direção de Ivy. — ... ela é um risco.Ivy virou a cabeça ligeiramente para escutar melhor, mas antes que pudesse captar mais, Lucian tocou seu braço, forçando-a a avançar com ele.
— Não vou permitir que você cause uma cena. — Ele murmurou, entre dentes, ignorando os murmúrios ao redor.
Ivy o encarou, a inquietação ainda fresca na memória das palavras que ouvira minutos antes. “A verdade escondida”, ecoava em sua mente como um alerta.
Até que ponto Lucian precisava dela? Era apenas em respeito a vontade da Deusa, ou uma jogada política para manter segredos perigosos ou algo mais sombrio estava por trás do vínculo que ele tanto valorizava?
No meio do salão, as portas principais se abriram em baque surdo, revelando a entrada de três figuras imponentes. Eram os anciãos que haviam sentenciado Ivy e seu irmão à morte. Suas presenças fizeram o ar na sala se congelar, e Ivy sentiu o pânico subir como um choque frio por sua espinha.
— Lucian... — ela sussurrou, tentando conter o tremor na voz. — O que eles estão fazendo aqui?
Ele manteve a expressão rígida, mas havia algo em seus olhos — uma sombra de desconforto.
— Eles vieram avaliar você. — Foi tudo o que ele disse antes de se afastar ligeiramente, deixando-a sozinha para encarar os anciãos que se aproximavam.
O coração de Ivy disparava em seu peito. Eles voltariam atrás? Finalmente executariam a sentença? E, mais importante, qual seria o verdadeiro papel de Lucian nisso tudo?
O peso no ar parecia maior conforme os anciãos avançavam em direção a Ivy. Eles eram vultos de autoridade, com passos lentos e olhares que intimidavam até os lobos mais experientes. Ivy respirou fundo, seus dedos entrelaçados em um esforço visível para disfarçar o nervosismo.Quando ficaram próximos, ela os saudou com um pequeno aceno de cabeça, mantendo um tom educado, embora sua voz traísse um leve tremor. — É uma honra conhecê-los pessoalmente, senhores. — Ivy falou, tentando manter um sorriso, apesar de não tolerar nem um pouco a existência daqueles homens.No entanto, Ivy percebeu que se quisesse sobreviver naquele lugar, precisaria aprender a fingir e ignorar seus reais sentimentos.Mesmo assim, os anciãos sequer reagiram a sua tentativa de aproximação. Suas expressões permaneceram imóveis, suas vozes inaudíveis enquanto sussurravam entre si. Sem nem dirigir uma palavra a Ivy, ou mísero olhar, fizeram um gesto chamando Lucian.— Alfa. Precisamos falar em particular. — a voz gra
Assim que Lucian entrou naquela sala com os anciões, Ivy começou a caminhar entre as pessoas, tentando não chamar atenção. Cada riso distante e olhar furtivo parecia uma crítica velada, como se ela fosse uma intrusa no mundo ao qual Lucian pertencia. A sensação de deslocamento era sufocante.Talvez voltar para o quarto fosse a melhor opção.Enquanto atravessava o salão, ela tentou desviar de um dos serviçais carregando bandejas. Sua atenção dispersa, somada ao tumulto ao redor, fez com que esbarrasse na pessoa, e tudo pareceu acontecer em câmera lenta: o equilíbrio perdido, a bandeja balançando no ar, e a certeza de que cairia no chão com um estrondo.Mas, antes que pudesse atingir o solo, mãos firmes a seguraram pela cintura, erguendo-a de volta com facilidade. Ivy ergueu os olhos rapidamente, o coração batendo descompassado. A figura que a amparava era alta, poderosa e imediatamente familiar. O olhar claro e penetrante era inconfundível.— Você está bem? — perguntou o homem, sua voz
O ar da noite era morno, perfumado pelo aroma das flores do jardim da alcateia. A lua cheia pairava alta no céu, sua luz prateada iluminando tudo com um brilho mágico e quase irreal.Ivy caminhava ao lado de Alaric, o coração inquieto, ora observando o homem que parecia impenetrável, ora se perdendo na beleza do cenário.— Não esperava que o jardim fosse tão... calmo — Ivy comentou, tentando quebrar o silêncio enquanto seus passos ecoavam em uníssono no caminho de pedra.— Surpreendente vindo de Lucian, não acha? — Alaric replicou, a voz carregada de uma ironia sutil, que fez Ivy desviar os olhos, sem saber como reagir.Eles atravessaram um caminho lateral e passaram diante de uma sala anexada à casa principal. As janelas estavam entreabertas, e Ivy mal pôde conter o susto ao ouvir a voz grave e autoritária de Lucian de dentro.— ... deixe que ele faça isso. Se é guerra que ele está pensando em criar, vai ter. Minha palavra segue imutável. Vamos aguardar, mas, se for necessário que ha
Alaric deu um passo para trás, ainda sorrindo, mas seus olhos brilharam com algo mais. Algo que Lucian não parecia ter percebido.— Interessante... — murmurou Alaric antes de se virar para Ivy, dando-lhe um olhar de despedida que a fez estremecer. — Conversaremos em outra ocasião. Boa noite, Ivy.Ele saiu sem pressa, deixando Lucian e Ivy a sós sob a luz prateada da lua. E, enquanto Ivy encarava o alfa, que parecia pronto para explodir, seu coração batia descontrolado.O que quer que estivesse acontecendo ali, ela sabia que estava no centro de algo muito maior do que poderia imaginar.Lucian não dissera mais nada, enquanto a noite parecia ainda mais escura enquanto ele guiava Ivy de volta à mansão principal.Ele permaneceu em silêncio, mas a fúria em cada passo seu falava mais do que qualquer palavra. Ivy quase podia ouvir o zumbido de sua raiva contida.O ar de dentro da mansão estava diferente, carregado, como se refletisse o humor de Lucian. Quando chegaram ao corredor, em direção
Capítulo 13A mansão estava envolta em um silêncio inquietante, interrompido apenas pelos estalos das madeiras antigas e o uivo ocasional do vento lá fora. Ivy caminhava de um lado para o outro no grande salão, sua inquietação evidente enquanto olhava repetidamente para a porta principal. Barulhos vindos da floresta haviam perturbado sua noite, sons que não pareciam naturais, como rosnados e gritos abafados.Ela estava ansiosa e cheia de medo, seus pensamentos eram um turbilhão. Algo estava acontecendo, e a ausência de Lucian tornava a espera ainda mais insuportável.Horas mais tarde, a porta da frente se abriu.Lucian entrou como uma tempestade, e a visão dele fez Ivy parar no meio do salão, enquanto seu coração parava por um momento ao vê-lo. Ele estava coberto de sangue, sujeira e folhas, os olhos dourados brilhando com uma intensidade assustadora, como brasas sob a pouca luz.— Lucian! — Ivy exclamou, correndo até ele, embora hesitasse antes de se aproximar completamente. — O que
— Você é impossível! — Ivy exclamou, o coração acelerado e a voz embargada pela mistura de indignação e... algo mais que ela não ousava nomear.Lucian apenas riu baixinho enquanto Ivy corria, para longe dele e daquele quarto.Quando já estava distante, Ivy sentiu o sangue subir ao rosto, a respiração ainda agitada. O olhar de Lucian estava gravado em sua mente, tão intenso e desafiador que quase a fez derreter no lugar.Ela desceu as escadas em silêncio, tentando manter a compostura, o coração batendo descontrolado, e Ivy levou a mão até o peito. O calor que se instalou em seu corpo era inusitado, e um tipo de excitação que ela não sabia como explicar se espalhou por ela.Era uma sensação quase absurda, e ela se odiava por isso.Se odiava por ter, mesmo que por um segundo, se sentido atraída por um homem tão cruel, tão autoritário, que não parecia ver nada além de seu próprio domínio.Ivy afastou esses pensamentos. Não queria sentir aquilo. Não podia.***No dia seguinte, Ivy acordou
O rosto de Lucian permaneceu impassível quando aquela mulher entrou, mas havia algo em seus olhos — uma mistura de reconhecimento e... irritação?Ivy não sabia dizer ao certo, mas sentiu seu coração apertar ainda mais. Quem era ela e qual sua relação com Lucian?— Então sou eu o quê? — Ivy se volta para a mulher em sua frente, agora menos intimidada do que antes, coberta de irritação e determinação. — Eu deveria conhecer você?Os olhos daquela mulher escanearam Ivy sem qualquer disfarce e cheios de indiferença, antes de se voltarem para Lucian, que continuava imóvel na varanda.Um sorriso quase imperceptível surgiu no canto dos lábios dela, enquanto declarava em alto e bom som:— Espero não ter chegado em um momento inconveniente. Parece que as coisas aqui andam... movimentadas.Lucian não reage de imediato ao que aquela mulher falara, pelo contrário, parecia calcular friamente quais seriam os seus próximos passos.Ivy espera que ele faça algo, ou que aquela mulher também reaja e fale
Assim que aquelas palavras deixaram a boca de Ivy, Lucian arrancou com o carro. Percebeu que não adiantava continuar ali, discutindo com uma mulher que era teimosa como o diabo.Por isso, aquela viagem começou em silêncio. Lucian dirigia como se quisesse deixar o mundo para trás, e Ivy podia sentir a raiva que ainda pulsava em cada movimento seu. O motor do carro rugia baixo, combinando com a aura intensa que ele exalava.Ivy olhava pela janela, absorvendo o cenário que mudava rapidamente. Eles deixavam para trás a floresta sombria e entravam em um terreno mais amplo, com colinas suaves iluminadas pela luz dourada do entardecer.— Para onde estamos indo? — Ivy quebrou o silêncio, mais por curiosidade do que por necessidade de saber.— Para onde estou indo. — Ele corrigiu. — Porque não a convidei para se juntar a mim.Ivy revira os olhos e está muito cansada para rebater qualquer insulto daquele homem vil.— Então, para onde você está indo? — ela refaz a pergunta simplesmente.O fato d