Anny Celik Miguel me olhava como se o mundo ao redor não existisse, e, mesmo tentando ignorar, eu sentia meu corpo reagir àquela intensidade. Sentada à frente dele no restaurante, senti como se estivéssemos presos em uma bolha onde nada mais importava. Ele tinha esse poder, e isso me assustava. O jantar seguia como um jogo de xadrez. Cada palavra trocada era um movimento calculado. Ele sempre foi assim, mestre em manipular o tabuleiro, mas eu estava determinada a não ser a peça que ele comandava. — Você ainda não respondeu à minha proposta — ele disse, sua voz baixa e carregada de expectativa. Desviei o olhar para o vinho no meu copo, girando-o levemente entre os dedos. — Duas noites por semana para jantar, Miguel? Depois de tudo? É sério? Ele apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se um pouco mais perto. O cheiro do perfume dele invadiu meus sentidos, uma mistura de notas amadeiradas e algo perigosamente familiar. — Sim, Anny. Duas noites. Não estou pedindo muito. Me
Anny Celik Ao chegar à porta do meu apartamento, senti uma estranha inquietação. A luz do corredor era fria, quase clínica, mas não era isso que me incomodava. Olhei para a fechadura digital, um novo sistema que eu não lembrava de ter instalado. Franzi a testa, confusa, e levantei a mão para tocar o teclado, mas parei ao ouvir passos atrás de mim. — Anny — a voz grave de Miguel soou próxima, e antes que eu pudesse me virar, senti sua mão firme pousar na minha cintura. Um arrepio percorreu minha espinha, mas me forcei a ignorar. — O que está fazendo aqui? — perguntei, girando levemente a cabeça para encará-lo. Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, esticou o braço e digitou a senha no painel com a facilidade de quem fazia isso há anos. Um som suave indicou que a porta estava destrancada. — O que foi isso? — perguntei, minha voz carregada de incredulidade. Ele abriu a porta com um movimento elegante e virou-se para mim, os olhos brilhando com aquela mistura de autoco
Anny Celik O som do abajur se estilhaçando no chão fez meu coração saltar. —Droga!—murmurei, inclinando-me para recolher os pedaços, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a porta do quarto se abriu com um movimento brusco. Miguel entrou rapidamente, os olhos escaneando o quarto até me encontrar ao lado da cama, vestindo apenas uma camisola de seda. O tecido fino caía sobre minha pele como uma segunda camada, e o olhar dele percorreu meu corpo de cima a baixo com intensidade suficiente para fazer meu rosto arder. — Está tudo bem? — perguntou ele, com a voz rouca, mas carregada de preocupação. Apressada, peguei o lençol da cama e o envolvi ao redor de mim, tentando criar alguma barreira entre nós. — Estou bem. Só derrubei o abajur, não precisava entrar assim. — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava, mas ele não parecia se importar. Ele deu alguns passos em minha direção, seus olhos ainda presos em mim como se eu fosse a única coisa naquele quarto. — V
Miguel Ylmaz Acordei com a luz da manhã invadindo o quarto. Minha cabeça ainda rodava, mas não por conta de bebida, e sim pelo que havia acontecido na noite anterior. Por um momento, senti um sorriso surgir nos lábios. Eu e Anny finalmente nos entregamos ao desejo que vinha nos consumindo. Mas a alegria durou pouco. Rolei na cama, ainda nu, esperando vê-la ao meu lado, talvez envolta nos lençóis, com aquele sorriso travesso que me enlouquecia. Franzi a testa. "Talvez esteja no banheiro", pensei, tentando afastar a sensação incômoda que começava a surgir. Levantei-me, vesti a calça rapidamente e comecei a procurar pelo apartamento. — Anny? — chamei, olhando pela cozinha. Nada. Fui até a sala. Silêncio absoluto. O apartamento parecia abandonado. Voltei para o quarto e foi então que vi o papel dobrado sobre o travesseiro. Peguei-o, ainda com as mãos trêmulas, e li. "Quando sair do meu apartamento, não esquece de trancar. Obrigada pela noite, mas não se esqueça: ontem eu só te
Anny Celik Saio da sala após a última entrevista do dia, sentindo o peso da exaustão se dissipar. Trabalhar no setor jurídico de um hospital como este, em Istambul, era um desafio diário, mas também um orgulho. Meu salto ecoava pelo corredor, uma batida ritmada que combinava com o zumbido distante dos monitores e passos apressados de médicos e enfermeiros. Enquanto revisava mentalmente as candidaturas, virei uma esquina e esbarrei em alguém. O impacto me desequilibrou, e uma pilha de currículos escapou das minhas mãos, espalhando-se pelo chão como folhas de outono. — Me desculpe, eu... — levantei o olhar, pronta para uma desculpa rápida, mas as palavras morreram na minha garganta. Diante de mim, estava um homem alto, musculoso, de olhos azuis tão intensos que pareciam atravessar qualquer barreira que eu tentasse construir. Ele sorriu, uma curva suave e provocante nos lábios, enquanto se abaixava para recolher os papéis. — Está tudo bem — disse ele, sua voz profunda e co
Anny Celik Ao sair da confeitaria, senti o ar frio da noite envolver meu corpo. A caminhada até meu apartamento era curta, mas o suficiente para me ajudar a organizar os pensamentos. Não consegui evitar que James invadisse minha mente novamente. Quem ele pensa que é para ser tão... presente? Sacudi a cabeça, tentando afastar a ideia. Eu precisava de paz, e meu lar era meu refúgio. Cheguei ao prédio, passei pelo porteiro com um sorriso educado e subi até o meu andar. Coloquei a senha na porta, e o clique suave indicou que estava aberta. Empurrei-a com uma mão enquanto colocava chave na bolsa, mas congelei assim que entrei. Minha sala estava repleta de buquês de rosas vermelhas. Havia flores em todos os cantos, sobre a mesa de centro, o aparador, o sofá. O perfume era intenso, quase opressor, e minha mente girava com perguntas. Fechei a porta atrás de mim, meus olhos percorrendo o ambiente, buscando alguma pista de quem havia feito isso. Um envelope branco repousava no meio de um
Miguel Ylmaz Eu nunca tive medo do fogo. Talvez por ser algo que sempre carreguei comigo, um calor constante, uma fagulha de raiva e determinação que me mantinha em pé. Mas hoje, ao encarar o telefone em minha mão, as palavras de Kemal ecoando como um trovão, percebi que o fogo que me consumia era muito mais destrutivo do que qualquer incêndio físico. — Dessa vez foi apenas um incêndio sem danos, mas se não quer que sua irmã e todas as pessoas que ama acabem sendo queimadas vivas como sua mãe, espero que aceite meu acordo. Ele sabia onde atingir. Meu peito apertava com a lembrança de minha mãe. Desliguei o telefone, incapaz de continuar ouvindo sua voz. Meus pensamentos estavam caóticos. Por mais que eu odiasse admitir, Kemal tinha razão: minha família era meu ponto fraco. Leyla, minha irmã... e agora até ela, a enigmática Anny Celik. A ideia de algo acontecendo com qualquer uma delas era insuportável. Caminhei até o bar no canto do escritório, da minha mansão, servi um copo
Miguel Ylmaz Eu nunca fui de me apegar. Não quando o apego significava fraqueza. Mas naquela noite, enquanto Anny estava sentada no meu sofá, segurando aquela rosa, entre tantas que eu mandei, algo mudou. Não era só a lembrança do incêndio ou a ameaça de Kemal que me perturbava. Era ela. Sua presença me inquietava de uma forma que eu não queria admitir. — Você deveria dormir aqui esta noite — eu disse, rompendo o silêncio que pairava entre nós. Ela levantou o olhar, surpresa e talvez um pouco desconfiada. — Miguel, não é necessário. Eu estou bem. — Bem? — Rebati, inclinando-me para frente. — Você veio até aqui no meio da noite porque estava preocupada comigo. E agora quer voltar para casa sozinha, sabendo que tem um incendiário à solta? Não seja teimosa, Anny. Ela respirou fundo, claramente tentando encontrar uma desculpa para sair, mas eu não ia deixá-la escapar. — Então, que tal isso? — continuei antes que ela pudesse argumentar. — Eu mesmo te levo para o seu apartament