Estava começando a anoitecer em Londres, as luzes dos prédios e das ruas aos poucos iam se acendendo enquanto, em um clube estava um jovem de pouco mais de quinze anos, um pouco mais baixo para o padrão de sua idade, cabelos negros e compridos na altura do ombro e olhos verde esmeralda, lendo um livro particularmente longo. Ao seu lado estava uma mulher mais velha, belíssima, com longos cabelos castanhos e olhos bem vivos, vestia ainda sua roupa de ginástica e lia uma revista sobre decoração.
Apesar de estar no auge da adolescência, ele não sofria dos seus efeitos indesejados, o que despertava inveja na maioria das moças e rapazes de sua idade, inclusive de sua irmã mais velha, que estava no momento em sua aula de natação. Ela vivia reclamando sobre a injustiça de sua condição. “Isso é muito injusto! Não dá para você ser normal como todo mundo e aparecer com ao menos uma espinha de vez em quando?” Reclamava ela enquanto ele apenas zombava.
-Você não escutou uma só palavra do que eu disse, não é?--reclamou suavemente.
-Ah! Desculpe, mãe.--respondeu sem graça.--é que estava concentrado aqui na história.
-Isso eu pude perceber.--sorriu.--Trate de me emprestar depois, parece ser interessante.
-E é mesmo.
-Damien, querido, vá até a cantina e compre uma água com gás para a mamãe.--estendeu sua bolsinha de moedas para ele.--antes que me pergunte, pode escolher alguma coisa para beber também.
-Quer que eu compre para Liz também?
-É melhor que ela escolha depois, não acha?--deu uma piscadela e Damien sorriu. Chamou-o com o dedo, e deu um beijo em sua testa.--te amo muito filhote.
-Também te amo, mãe.
Damien virou-se na direção oposta e caminhou na direção da lanchonete do clube ainda com o que havia acabado de ler no livro na cabeça. Algumas cabeças viraram em sua direção e ele ficou ligeiramente envergonhado, detestava ser o centro das atenções. Uma garota loira que conversava animadamente com uma amiga deu um risinho que Damien retribuiu totalmente sem jeito fazendo com que ambas dessem risinhos uma para outra.
Entrou na fila para fazer seu pedido, quando avistou seu pai passando pela porta de vidro e vindo em sua direção mais animado que o normal.
“Cedo assim... só pode significar uma coisa.”--pensou.
Richard Forst parecia um garotão. A natureza também tinha sido igualmente generosa com ele. Cabelos loiro escuros bagunçados por causa do vento, tinham o rosto muito parecido, especialmente os olhos, eram exatamente da mesma cor e forma, e para completar tinha um físico invejável.
-Oi pai.--se abraçaram.
-Como vai? Já acabou sua aula?
-Já.
-Foi de quê hoje?
-Kendo.--Damien sempre foi desde pequeno fascinado por artes marciais. Nessa época vivia pegando os cabos de vassoura dentro de casa, fingindo que eram espadas, lutando contra inimigos invisíveis.
-Hum... sua mãe, Liz?
-Mamãe já acabou a aula de ioga, só a Liz que ainda está na natação.--Richard olhou o relógio.
-Mas já está no final, não é?
-Acho que sim.
-Vamos até a sua mãe.--disse puxando Damien pelo braço. Ele se desvencilhou suavemente e interrompeu seu pai.
-Tenho que comprar uma água para mamãe.
-Esqueça isso. Vamos sair para jantar fora.--Damien repetiu com o movimento dos lábios as mesmas palavras. Richard ficou olhando para ele perplexo enquanto seu filho apenas sorriu.
-De novo?--falou em tom sarcástico.
-Como assim ‘de novo’?
-Pai,...--falou com certo desdém na voz.--olha só: toda vez que você sai mais cedo do trabalho e encontra com a gente aqui no clube significa que a gente vai jantar fora... essa já é a terceira vez só nessa semana.--Richard coçou o alto da cabeça, seu sinal característico de estar sem graça.
-Essa semana está sendo realmente demais!--deu um tapinha no ombro de Damien.--vamos nos juntar à sua mãe, mas deixe eu dar a volta, quero fazer uma surpresa.
“Não acredito que ele vai fazer isso outra vez... o lance de tapar os olhos novamente... francamente.”--zombou de seu pai mentalmente.
Calmamente ele refez o caminho até sua mãe, ela olhou e notou que não tinha sido comprado o que ela havia pedido.
-O que aconteceu? Não tinha mais?
-Não foi isso... olha pra trás.--imediatamente Adriana virou-se e viu Richard reclamando com Damien que ria de se acabar.
-Isso significa que vamos jantar fora mais uma vez nesta semana, acertei?
-Mãe, sua perspicácia é fantástica. Só toma cuidado, ele pode acabar te perguntando o motivo de você achar isso como fez comigo.
-Você não perde uma chance, não é?--perguntou seu pai.
-E deixar de ver essa sua cara de quem ficou sem graça?! É uma recompensa que não vale a pena desperdiçar.
-Muito engraçadinho. Mas temos que comemorar! Finalmente consegui!--nesse momento Elizabeth vinha correndo vestindo seu roupão e se jogou nos braços do pai.
-Conseguiu o quê exatamente?--perguntou Liz.
-Definimos a nova estrutura da agência, e... nós, os fundadores passamos as responsabilidades para o recém-criado cargo de presidente da empresa. E isso significa...?--olhou para sua filha.
-Que você... vai ficar em casa cozinhando e cuidando da casa enquanto a mamãe continua trabalhando?—Richard não acreditou que até a própria filha iria zombar dele. Damien continuou.
-Ou então que vai ficar o dia inteiro com a bunda presa na cadeira do escritório em casa vendo TV, bebendo cerveja, comendo guloseimas, e acompanhando o mercado de ações pelo computador... Ah! E enchendo nosso saco.--dessa vez nem Adriana conseguiu conter o riso, mas abafou logo e tentou consertar a situação. Richard estava boquiaberto.
-Desculpe, meu amor...—pigarreou ela, ainda com dificuldades para conter o riso.--significa que terá mais tempo para nós a partir de agora.
-Exatamente!--continuou como se nada tivesse acontecido, ainda mais animado.--Estou aposentado em definitivo!
-Tá, mas... por quê você chegou aqui mais cedo?--perguntou Elizabeth. Damien olhou para a mãe colocando a mão na testa, demonstrando uma falsa impaciência.
-Mãe... eu posso ser mais parecido com o papai fisicamente, mas cada vez tenho mais certeza de que sagacidade e inteligência eu herdei de você. Liz é tão lenta quanto ele!--Liz deu um tapa por trás da cabeça dele.--Falo sério!
-Podemos comemorar em casa, meu amor. Eu faço um jantar especial para todos nós o que acha?
-Mãe! Agora fala sério você?--falou Damien indignado.--Quando poderíamos imaginar que um homem poderia se aposentar aos 39 anos? É óbvio que temos que comemorar, não é pai?
-Agora sim! Obrigado filho.
-Seu interesseiro...--falou Elizabeth.--você só quer ir jantar fora por causa da sobremesa.
-Milagre! Ela percebeu antes do papai.--levou outro tapa na cabeça.--se fizer isso de novo eu vou...
-Elizabeth e Damien.--falou Adriana com autoridade.--parem vocês dois. Você, vá se arrumar. E você mocinho, pare de provocar sua irmã.
-Eu não estou provocando ela!--indignou-se.
-Damien Forst!--falou séria.
-Ok, ok... já entendi. Não provocar minha irmã.--abriu o livro onde tinha marcado e voltou a lê-lo.
Imediatamente Liz se dirigiu ao vestiário do clube para se arrumar. Enquanto Damien lia, ficava periodicamente olhando por cima vendo seus pais namorando. Pensou nas garotas da lanchonete.
Elizabeth era dois anos mais velha que seu irmão. Enquanto ele era mais parecido com seu pai, ela tinha muita semelhança com sua mãe, exceto pela perspicácia, como Damien havia falado anteriormente. Tinha os olhos um pouco mais claros que o de Adriana, cabelos longos e castanhos geralmente presos em um longo rabo de cavalo.
Apesar das provocações, a ligação entre os dois irmãos era absoluta. Um não conseguia viver sem o outro, muito unidos, amigos e companheiros. Damien tinha um comportamento um pouco mais reservado, enquanto Elizabeth vivia saindo com os amigos, sua melhor amiga era figura fácil nas festas e nos finais de semana na casa dos Forst: Katherine, a qual todos chamavam de Kate, era considerada mais um membro da família.
Com relação aos pais, Damien era visivelmente mais apegado ao pai, enquanto Elizabeth à sua mãe. Contudo, isso não significava que todos convivessem muito bem entre si. Se existia um exemplo de família perfeita, a deles se encaixava perfeitamente nessa classificação.
O Bloomsbury Sport Club, o clube que freqüentavam, ficava próximo da casa deles. Richard se exercitava todas as manhãs ali, nas aulas de musculação. Sua mulher só comparecia três vezes na semana para aulas de ioga. Damien e Elizabeth tinham atividades todos os dias, ele fazia apenas lutas: kendo, ninjitsu e karatê, e ela praticava natação e tinha aulas de jazz e street-dance.
A família dos Forst pode ser considerada pequena, principalmente por parte de Adriana, que tem mais três irmãs, por outro lado Richard era filho único. Tanto os pais de Adriana quanto de Richard são vivos.
-Onde está essa menina que demora tanto?--reclamou Richard depois de meia hora de espera.
Quase uma hora depois, uma vez que Elizabeth havia demorado uma eternidade tomando banho e Adriana aproveitou o momento que foi chamá-la para se trocar também, pois ainda vestia sua roupa de ginástica. Depois de um longo tempo onde ambas estavam se arrumando, se maquiando, estavam finalmente no restaurante iniciando a comemoração.Richard e mais dois amigos, no ano em que Damien nasceu, abriram uma agência de propaganda com um conceito inovador e arrojado, vários experts na área diziam que a empresa não duraria um ano. Contradizendo todas as predições, a agência não só foi um sucesso, conquistando diversos prêmios importantes nos seus primeiros anos, como expandindo seus negócios em outros países.Desde o início, a intenção de Richard era bem clara, conquistar sua estabilidade financeira e conseguir viver da
“Nenhum grupo terrorista conhecido assumiu a autoria do atentado a diplomata Anastasia Krivorsky ontem à noite em Bloomsbury Square, quando ela se dirigia para Victoria House, para assistir à uma apresentação musical de amigos da família. Sra. Krivorsky e sua comitiva saíram ilesos do ataque graças à blindagem de seu veículo oficial, os dois policiais locais que escoltavam o veículo levaram sofreram vários disparos morrendo no local, e dois de seus seguranças, ao saírem da viatura da diplomata para dar apoio aos policiais, levaram alguns tiros de raspão apenas...” O noticiário da manhã seguia na sala, enquanto Damien estava sentado na varanda do apartamento olhando para o nada, seu pai preparava algo para o café-da-manhã, auxiliado por sua mãe, Virginia. Elizabeth era amparada pelo avô e por sua amiga em seu quarto.&
Na manhã seguinte, Damien retomou seu lugar na varanda, desta vez acompanhado pela irmã. Ambos olhavam para a praça, e perceberam que o mendigo que Damien tinha ajudado estava sentado no mesmo lugar lendo o livro que ele havia emprestado.-Liz.-Diz, pirralho.--sempre chamava Damien de pirralho.-Nossos pais esconderam alguma coisa de nós durante todo esse tempo.-E o que era? Como sabe?--lançou-lhe um olhar curioso.-Escutei a conversa do papai com nossos avós. Eu não queria, mas acabei ficando do outro lado da porta escutando tudo...-O que você ouviu?-Nada concreto, mas algumas coisas me deixaram sem dormir... falaram sobre Deuses, visões... algo sobre não sermos humanos comuns.-Acha que devíamos perguntar?-Não acredito que vai adiantar, e além do mais, acho que ficariam chateados se soubessem que
Embora não fossem mais para a mesma escola, e provavelmente graças à diferença de início de ano letivo ser de seis meses entre as escolas do Reino Unido e do Brasil, em Londres faltava apenas uma semana para o reinício dos estudos e Damien ainda tinha a sensação de que o fim das férias se aproximava.A rotina na casa dos Forst estava totalmente alterada, empacotando apenas os pertences necessários para levar para o Brasil, cobrindo os móveis e equipamentos que ficariam no apartamento, definindo roteiros e outras coisas mais.Os irmãos eram pegos às vezes parados olhando para o nada, tristes e pensativos, no entanto esses momentos estavam ficando ainda mais escassos.-Estou tão curiosa para saber o que há de tão importante entre nós dois.-Liz... acho que não devíamos falar... eu escutei por acidente, não q
Acordaram muito cedo no dia seguinte. James dizia o tempo todo para uma Elizabeth mal-humorada, que teriam tempo para dormir assim que zarpassem. Em poucos instantes estavam entrando na minivan, com Richard no volante.-Todos preparados? Aqui vamos nós.--falou animado. Elizabeth deu um sorriso amarelo, em seguida deu partida no carro e foram para a marina.Atravessaram os estreitos corredores de madeira até chegar em um dos maiores barcos do local. Tinha cinco dormitórios, todos suítes, e uma grande cozinha no mesmo andar. No andar superior havia um grande salão dividido em dois ambientes e uma varanda onde havia uma mesa de carteado e um living, ainda nesse andar havia um acesso à proa e ao deck de popa que ficava ao nível do mar, lugar predileto de Elizabeth. Subindo mais um andar estava a cabine de controle e navegação.O DreamDolph
Richard e seus filhos estavam no deck inferior, sentados com as pernas na água. Os três em completo silêncio. Todos agiam normalmente como se nada tivesse acontecido perto deles. No entanto, quando estavam sozinhos, mal se olhavam, especialmente Richard e James.-É impressão minha, ou vocês estão evitando falar qualquer coisa comigo?--ambos permaneceram em silêncio absoluto, apenas mirando a água.--Ótimo. Acho que fiz por merecer.-Você sabe o que queremos saber, pai.--falou Liz.-Tudo bem... acho que chegamos a um ponto sem saída, certo? Tudo bem, mas antes eu quero que vocês entendam que isso pode mudar drasticamente tudo aquilo que acreditam, por favor, me perdoem e perdoem sua mãe também, pois nossa preocupação com a segurança de vocês nos fez tomar essa decisão...De repente um
Tudo naquele lugar me transmite paz, calma e tranqüilidade. A brisa suave no rosto, balançando suavemente meus cabelos, a fragrância das flores que trazia uma mistura de sensações, contudo...Eu não conseguia parar de mirar aqueles olhos de ouro daquele homem enorme, belo e sereno. Só sua presença já irradiava uma sabedoria infinita, talvez por isso cultivasse lá no fundo um pequeno receio.De repente ele estende suas mãos para mim, percebo que era para tocá-la. Nossa que mão macia e quente. Ele envolve minhas mãos com tanto cuidado e carinho. Me sinto tão protegido e seguro.-Onde estou?--pergunto meio sem jeito.De qualquer forma eu já imaginava que não teria resposta, pelo menos não nesse momento. A figura limitou-se a continuar emitindo seu inebriante sorriso.Continuava a segurar m
Apenas um dia após o sumiço de James, Elizabeth e Damien, Richard estava pousando no aeroporto internacional de Atenas, na Grécia, e não estava só: Virgínia, Xavier e Sandra estavam com ele.-Uma coisa não bate com o comportamento de James.--Xavier tentava voltar ao assunto.--ele jamais passaria por cima da sua autoridade, mesmo depois daquela...-Xavier, eu o respeito e o admiro como se fosse meu pai também, mas eu quero deixar para resolver isso quando chegarmos lá.--tratou de encerrar secamente o assunto.Era um fim de tarde belíssimo quando estavam enfim desembarcando no aeroporto Eleftherios Venizelos em Atenas na Grécia. Um carro oficial já os aguardava.-Espero que tenham feito uma boa viagem.--falou o chofer.-Obrigado, Enothe.As ruas de Atenas estavam pouco movimentadas, uma coisa incomum para essa época do ano. Em pouco ma