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Capítulo 3 - O Segredo dos Forst

“Nenhum grupo terrorista conhecido assumiu a autoria do atentado a diplomata Anastasia Krivorsky ontem à noite em Bloomsbury Square, quando ela se dirigia para Victoria House, para assistir à uma apresentação musical de amigos da família.  Sra. Krivorsky e sua comitiva saíram ilesos do ataque graças à blindagem de seu veículo oficial, os dois policiais locais que escoltavam o veículo levaram sofreram vários disparos morrendo no local, e dois de seus seguranças, ao saírem da viatura da diplomata para dar apoio aos policiais, levaram alguns tiros de raspão apenas...”  O noticiário da manhã seguia na sala, enquanto Damien estava sentado na varanda do apartamento olhando para o nada, seu pai preparava algo para o café-da-manhã, auxiliado por sua mãe, Virginia.  Elizabeth era amparada pelo avô e por sua amiga em seu quarto.  Damien não tinha ainda conseguido assimilar o que estava acontecendo.

Ao chegar em casa, depois do ocorrido, a primeira coisa que Richard fez foi ligar para seus pais, que chegaram em questão de minutos.  Seus filhos choravam silenciosamente, os vizinhos vinham em intervalos oferecendo ajuda, enquanto Richard havia saído com seu pai para iniciar todos os procedimentos para o registro do óbito e enterro de sua mulher.

Quando chegou em casa, já passava de meia-noite e seus filhos haviam adormecido em sua cama, Liz abraçada ao seu coelho de pelúcia cor-de-rosa e Damien com uma foto da mãe.  Virginia estava sentada na sala assistindo ao noticiário noturno.

Ele, Richard, não derramou uma lágrima sequer desde o incidente, procurava manter sua cabeça ocupada para dar o máximo de apoio aos seus filhos, apenas algumas horas depois já estava preparando o café-da-manhã para todos, auxiliado por sua mãe.

-Devíamos levá-los para nossa casa.--insistia Virgínia.

-Mamãe.  Vocês podem até tentar conversar com eles, mas não vão conseguir convencê-los.  Eu digo que não vou, pelo menos não por enquanto.

-Você deveria tentar, afinal é o pai deles e eles vão te ouvir.--Richard respirou fundo.

-Está bem...  vou falar com eles.--largou tudo o que estava fazendo e foi até Damien.--Filho?

-...--não falou nada.

-Por favor, sei que estamos passando por um momento difícil...

-A minha resposta é não.--falou direto.--Vovô já tentou,...  aqui é o nosso lugar, papai.  Não vou sair daqui, e sei que Liz não vai aceitar também...  ele está lá tentando convencê-la agora.--Richard virou para retornar para a cozinha, olhou para a mãe que ficou com uma expressão indecifrável. De repente, Damien puxou seu pai pelo braço e o abraçou, retomando o choro.

-Pai...--se afastou um pouco para enxugar as lágrimas e olhou para Richard.--eu...  acho que eu não amava a mamãe o suficiente...--James ia chegando na sala no exato momento em que Richard ficava perplexo pelo que tinha ouvido.

-Que absurdo é esse, Damien?  Por quê está dizendo isso?--o jovem Forst desatou a chorar, e soluçar em meio às palavras.--Eu vejo as pessoas que perderam pais, mães, filhos...  elas sofrem de uma maneira tão forte...  eu não sinto da mesma forma.  Sinto muita falta da mamãe, mas não da mesma maneira.--o pai de Richard sentou-se na poltrona próxima e fingiu prestar atenção no noticiário.

-Meu filhote...  não era assim que sua mãe chamava você?--Damien apenas concordou com a cabeça.  Se agachou, fez um carinho no rosto do filho e continuou.--Eu tenho certeza de que você está sofrendo o suficiente pela sua mãe.  Não precisa agir como as outras pessoas, cada um reage de uma forma diferente.  Não se culpe por não estar sofrendo com a intensidade das outras pessoas, seu sentimento é somente seu, é único e ninguém sente as coisas igual a ninguém.

Richard procurou o olhar do pai no momento, mas este agora estava realmente prestando atenção de fato no noticiário.

“...Somente dois dos terroristas foram encontrados no local. Ambos haviam sido mortos por estrangulamento, e o que deixa o caso ainda mais misterioso é que ninguém recorda do suposto agressor...”--Damien se afastou um pouco e olhou para a televisão perplexo.  Richard e James, seu pai, sentiram ao mesmo tempo um arrepio forte na nuca, precisamente no momento que o pequeno Forst entrou em pânico.

-P-pai...  eu fiz aquilo.--disse olhando para as fotos dos terroristas.--eu matei eles!!!  F-fui eu!!!  Eu sou o culpado!!!

-Calma, Damien...  como você pode ser responsável...?—Richard, que até então parecia um autômato, olhou para James, que mantinha uma expressão séria no semblante.

-Pai! Estou dizendo, eu...  fiz isso na minha mente!  Vi exatamente o que aconteceu.  Eu estrangulei aqueles homens!!!--ele suava frio e tremia.

-Você não fez nada, Damien...--ele tentava segurar seu filho quando a avó dele chegou logo em seguida com uma xícara de chá que tinha um aroma um pouco diferente do normal.  Fizeram ele beber alguns goles e, poucos instantes depois, Damien adormeceu nos braços do pai.

-Obrigado, mãe.  Ainda bem que vocês estão aqui.--recostou no sofá com a cabeça de Damien em seu colo.

-Como você está, Richard?

-Como acha que eu estaria, mamãe?  Acho que a ficha ainda não caiu.  Tenho medo de que quando a ficha cair eu não tenha forças para levantar.

-Ah!  Mas você tem que levantar.  Seus filhos vão precisar muito de você, especialmente agora...--James chegou mais perto de seu filho, olhou no fundo de seus olhos verdes, idênticos aos de Damien e disse.--temos certeza que você vai dar conta, Rich.  Além do mais, você tem à mim, sua mãe e toda a família da Adriana para te ajudar...  por falar nisso, você já...

-Já... Xavier e Sandra estão vindo, devem chegar hoje à noite.--Interrompeu James já sabendo qual seria a pergunta.

-Eles autorizaram fazer o enterro dela aqui em Londres?

-Preferiram assim.  Disseram que o corpo dela pode estar em qualquer lugar, pois o que importa são as lembranças que carregamos--sua voz ficou um pouco embargada, respirou fundo e continuou.--dentro de nossos corações.

-Não esperava atitude diferente de Xavier e da Sandra...  eles são formidáveis.

-Filho... está tudo bem!  Pode desabafar...--falou Virginia.

-Não dá... simplesmente não sai.  Vou levar esse rapazinho aqui para cama dele.  Ficarei um pouco com ele.  Vocês poderiam atender os telefonemas para mim enquanto isso?

-Vá, Rich, nós cuidamos do resto.--falou seu pai.

-Filho, você não quer algo para relaxar?  Posso preparar um chá mais leve para você.--sua mãe ofereceu.

-Não, mamãe...  não é preciso, obrigado.--pegou Damien no colo e saiu da sala arrastando os pés lentamente para não acordar seu filho, nesse momento sua mãe começou a chorar silenciosamente.

Richard entrou no quarto de Damien, colocou-o na cama, puxou a cadeira do computador para perto e ficou acariciando os cabelos do filho, olhando para o nada.  Sua mente ainda estava confusa, perdida.  Em um momento estava comemorando sua mais recente conquista, no instante seguinte estava se preparando para enterrar o amor de sua vida, sem contar que tinha que ser o suporte de seus dois filhos.

E mesmo assim, quando um sentimento de perda e vazio tomou conta dele, continuou sem derramar uma única lágrima.

Damien abriu os olhos e se não fosse pelo abajur estar à meia-luz não conseguiria enxergar nada, as cortinas do seu quarto estavam fechadas, pegou seu relógio:  já passavam das oito da noite.  Ficou olhando para o teto, lembrando do dia em que ele e sua mãe subiram em escadas para colocar diversos adesivos fluorescentes em formatos de planetas, estrelas, cometas, asteróides e foguetes espaciais. Apenas um adesivo se destacava dos outros e tinha um lugar especial, que por algum motivo ninguém conseguia reparar, eram dois corações entrelaçados com uma estrela no meio.  Uma versão adaptada do pingente do cordão de Adriana, que no lugar dos corações tinham dois círculos perfeitos.

“Esse aqui simboliza nós dois.”--disse ela na ocasião. Damien tinha dez anos.

-Mamãe...  te amo.--as lágrimas escorriam silenciosas quando ele sussurrou essas palavras.

Levantou-se rápido, e se sentiu tonto.  Sua barriga roncou.  Foi até o banheiro de seu quarto, e sem acender a luz lavou o rosto.  “Preciso comer algo.”--pensou.

Estava a caminho da sala quando ouviu uma discussão acalorada no escritório.  Havia luz na sala, mas não dava para perceber se havia alguém.  James, Richard e Virginia estavam lá.

-Richard.  É um absurdo o que vocês fizeram com essas crianças até agora!--falou James.

-Pai, já disse que esse não é o melhor momento para conversarmos sobre isso.

-E quando vai ser, Rich?--perguntou Virginia calmamente.--Eles têm o direito de saber!

-Na minha opinião, já passou do tempo.--completou o avô de Damien, este já falava mais exaltado.

-Eu não posso falar sobre isso com eles agora.  O mundo deles acabou de desabar...  por sinal, o meu também, caso não tenham percebido...  mas não sou eu o ponto em questão agora.  O fato é que, a cabeça deles já está tendo que lidar com tanta coisa, se eu colocar mais isso...

-Meu filho, pelo amor dos Deuses, eles já são bem crescidinhos.  E, por mais que não consiga ver isso, tenho certeza que vão entender.  Mais ainda, não apenas nós estaremos por perto para auxiliá-lo, mas ainda tem Xavier...

“Deuses?!”--Damien se surpreendeu com esse detalhe na declaração de sua avó.

-Seria tão mais simples se nada disso tivesse acontecido, se nossas famílias fossem...--lamentou Richard, caminhando de um lado ao outro do escritório, sendo interrompido pela fúria de seu pai.

-Se nossas famílias fossem o quê?!  Por acaso, Senhor Richard Forst, está dizendo que não se orgulha de ser o que é e de pertencer a uma das mais nobres famílias...--Virgínia chegou perto, silenciou James.

-Assim vamos acabar acordando as crianças.

-Não, pai.  Eu não me envergonho de ser quem sou e como sou, mas tudo poderia ser muito mais simples se algumas coisas fossem diferente, só isso.

-Tudo bem...  tudo bem...--bebeu um gole de água e continuou.--Vamos apenas supor que eu me acalme por mais algum tempo.  Quando você pretende contar para eles, Richard?

-Pai!--ele parecia ainda mais exausto com essa conversa toda.

-Dois dias, uma semana... um mês, e então?

-Richard, entenda nossa preocupação.  Damien já mostrou o primeiro sinal, e certamente você notou isso.

-Eu sei, mamãe...  eu sei...  vocês não entenderam ainda?  Não acredito que possam ser tão insensíveis quanto à nossa preocupação, minha e de Dri.--Ele costumava chamar sua esposa de Dri quando falava dela com outras pessoas.

-Eu ouvi a conversa que você teve com Damien naquela hora do noticiário.  Ele está sentindo as coisas como todos nós estamos sentindo...  Richard, seus filhos não são humanos comuns!

“Humanos comuns?!  Que diabos isso quer dizer?”--o estomago de Damien dava voltas cada vez que surgia uma afirmação estranha.  Olhou instintivamente para seu corpo procurando por alguma “anomalia”.

Richard caminhou até a janela, contemplou o céu cinzento daquela tarde como se lá estivesse escrito uma palavra de conforto para a pressão que James e Virginia estavam fazendo nele.

-Filho, você não pode levar a Visão que tiveram como uma verdade absoluta.--James retomou o assunto com um pouco mais de calma.--Você prefere que ele descubra tudo sozinho?  Vamos supor que essa Visão que vocês tiveram esteja cem por cento correta, acha que vai conseguir impedir que ela aconteça?

-Pelo menos eu terei tempo para pensar em uma alternativa de impedir, pai.

-Richard, quanto mais cedo eles estiverem preparados é melhor!  E além do mais, só eles têm o poder para impedir que essa Visão se concretize.

“Visão...  poder...  esse papo está ficando cada vez mais esquisito.”--Damien se sentia ainda mais desconfortável, sua cabeça deu várias voltas.--“O que será que existe de tão especial em nós?”

-E então, como vai ser?--perguntou James.--Quem vai contar primeiro?  Você ou eu?

-Pai...--com um semblante conformado, deixando seus ombros caírem desolados. Virgínia pegou em sua mão.--tudo bem, eu conto.  Mas não por esses dias, vou deixá-los assimilar a perda da mãe...  durante a viagem eu prometo que conto para eles.

-Acho justo.--Virginia o abraçou forte.--Só estamos preocupados com vocês três, e essa conversa já foi adiada por muito tempo.

-Eu sei.  Sabia que esse dia ia chegar, só nunca estivemos realmente preparados.

Damien cambaleou em direção à sala, sua tontura estava piorando.  Sentiu o vazio no seu estômago se revolver, um enjôo forte em seguida.

-Dam?!  Você está bem?--apareceu Elizabeth, com a voz rouca, e preocupada.--PAI!

Todos saíram do escritório na hora, Richard e James levaram Damien para a sala, colocaram-no sentado no sofá. Liz sentou-se ao lado dele e o fez apoiar a cabeça em seu ombro, enquanto a avó deles foi para a cozinha, preparar algo para ele, o único que não tinha se alimentado, a única coisa que havia tomado era o chá preparado por ela até então.

Poucas horas depois ouviram a campainha tocar, Richard foi até a porta.  Damien, Liz e seus avós estavam sentados na sala de estar, mais calmos e alimentados.  A única pessoa que ainda alternava entre a calma e o choro era Elizabeth, que logo era consolada pelo irmão.

-Que bom que chegaram.--falou Richard em tom de alívio. Xavier abraçou Richard, enquanto Sandra correu para os netos. Os pais de Adriana haviam, enfim, chegado.

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