Quase uma hora depois, uma vez que Elizabeth havia demorado uma eternidade tomando banho e Adriana aproveitou o momento que foi chamá-la para se trocar também, pois ainda vestia sua roupa de ginástica. Depois de um longo tempo onde ambas estavam se arrumando, se maquiando, estavam finalmente no restaurante iniciando a comemoração.
Richard e mais dois amigos, no ano em que Damien nasceu, abriram uma agência de propaganda com um conceito inovador e arrojado, vários experts na área diziam que a empresa não duraria um ano. Contradizendo todas as predições, a agência não só foi um sucesso, conquistando diversos prêmios importantes nos seus primeiros anos, como expandindo seus negócios em outros países.
Desde o início, a intenção de Richard era bem clara, conquistar sua estabilidade financeira e conseguir viver da renda de seus investimentos particulares e, como sempre foi um homem que gostava de curtir a vida e a família, queria isso o mais breve possível.
Ele e Adriana se conheceram três anos antes da abertura da agência, ele participava de um encontro internacional de profissionais da propaganda em um hotel de luxo no Rio de Janeiro. No mesmo hotel, acontecia uma palestra sobre arte barroca, evento que tinha Adriana como palestrante.
Após ambos eventos, acabaram por unir, coincidentemente, os dois grupos para jantar no restaurante do hotel. Adriana o viu primeiro, enquanto estava em sua mesa rodeada por outros palestrantes, todos centrando a conversa ainda sobre artes e elogiando o desempenho dela, no entanto ela parecia estar respondendo à todos mecanicamente, paquerando Richard à distância.
No momento em que ela se levantou para ir embora, já havia perdido todas as esperanças de chamar a atenção daquele homem que despertou em seu íntimo tamanho interesse, Richard se levantou. Mesmo assim ainda achou que ele poderia estar apenas indo ao banheiro. Caminhou até a porta e ele a interrompeu. Depois de uma breve conversa, mesmo com Richard falando um português sofrível marcaram de se encontrar no dia seguinte.
A atração entre eles foi imediata, amor à primeira vista, poucos meses depois já estavam planejando casamento. Em seguida veio a primeira gravidez: Elizabeth, e mesmo com muita resistência de Xavier e Sandra, pais de Adriana, eles se mudaram para Inglaterra, terra natal de Richard. Damien, obviamente, nasceu dois anos depois, já na Inglaterra.
Na época que se mudaram, antes do nascimento de Damien, Richard morava em um apartamento pequeno de apenas um quarto, na área central de Londres, muito diferente do apartamento duplex em Bloomsbury Square, a residência atual. Com uma vista belíssima para a praça e para Victoria House.
Damien já estava visivelmente satisfeito quando o garçom trouxe o cardápio das sobremesas, que ele prontamente fez questão de olhar.
-Não sei porquê você faz tanta questão de olhar o cardápio. Você sempre pede a mesma coisa.
-Irmãzinha, apenas costume.--respondeu com ar de superioridade. Virou-se para o garçom e fez seu pedido.--um Hot’n Ice Mountain. O bolo é de baunilha.
-Tá vendo? É isso que eu falo. Você sempre pede isso.—olhou para o garçom e sussurrou para ele.--Para mim, o mesmo.
-Que original.--brincou Damien.--E você sempre vai nas minhas águas.--Elizabeth fez uma careta para ele.
-E para os senhores?--perguntou o rapaz.
-Podemos dividir um, não podemos Richard? Acho que não agüento comer um sozinha.
-Para nós o bolo é de chocolate, iremos dividir.
O garçom saiu para atender aos pedidos. A sobremesa escolhida sempre por Damien é sua única fraqueza, a única forma de Elizabeth conseguir que ele fizesse algo para ela era prometendo (e cumprindo) fazer um desses Hot’n Ice Mountain para ele em seguida. Esse doce consiste em um bolo com recheio cremoso e muito quente envolvido por sorvete de baunilha com pedaços de chocolate fazendo o formato de uma montanha. Para completar, muito chantilly.
-E agora, pai? Qual será a primeira coisa que pretende fazer? Já que vai ficar em casa?
-Filho... Passei os últimos anos planejando isso, mas agora que estou livre para fazer o que quero, não sei nem por onde começar.--todos riram.--talvez começar com uma viagem, ou escrever um livro... agora tenho tempo para decidir, só tenho certeza de uma coisa.
-De quê?
-Que se não fosse por vocês, jamais teria conseguido atingir essa meta. Você, sua irmã e sua mãe...--pegou nas mãos das duas, uma estava de cada lado dele.--são tudo pra mim. O resto não tem a menor importância.
Diferente do início do relacionamento entre Richard e Adriana, o português dele estava praticamente natural, poucas eram as palavras onde ele ainda tinha alguma dificuldade de pronunciar, e isso só foi possível porque Adriana fez questão de manter a conversação dentro de casa em seu idioma.
Não demorou muito, a conta do restaurante foi paga e se levantaram. Para chegar em casa, tinham apenas que atravessar a praça, o que fizeram questão de fazer bem lentamente.
Estava uma noite linda, estrelada, a lua grande no céu, e várias pessoas passeando no local. A praça havia passado por uma reforma recentemente, acrescentando ainda mais charme.
Damien e Elizabeth permaneciam em silêncio, enquanto seus pais andavam logo atrás em um papo animado sobre possíveis viagens assim que ela conseguisse tirar férias no trabalho.
Passaram por um homem maltrapilho no caminho, sentado ao lado de um banco, todo encolhido pedindo esmolas para todos que passavam. Ninguém estava dando atenção, exceto Damien, que por algum motivo que não sabia explicar tinha a sensação de conhecê-lo de algum lugar. Subitamente Damien parou.
-O que foi?--perguntou Elizabeth. Damien virou-se para trás, olhou para o mendigo e em seguida para seu pai.
-Pai, você tem algum trocado para me emprestar? Pode descontar da minha mesada, se quiser.
-Claro, filho.--deu uma nota de cinco euros para ele.—está bom assim?
-Está...--caminhou na direção do mendigo. Adriana, Richard e Elizabeth parados olhando para ele. Estavam todos sem entender o rompante de Damien. Ao chegar perto do homem, que estava com a cabeça abaixada entre as pernas, se agachou e tocou o braço dele.--Senhor?
-Hum?!--espantou-se o mendigo.
-Tome.--estendeu a nota para ele.--não é muito, eu sei, mas espero que possa ajudar de alguma forma.--Damien deu um sorriso. Demorou um pouco para o maltrapilho pegar a nota, estendeu lentamente a mão e retribuiu o sorriso.
-...--ele não falou nada.
-Não há de que. Tenha uma boa noite.
-Espere.--Já ia retomando seu lugar junto a sua família quando ele o interrompeu com sua voz rouca.--Como chama?
-Damien.
-Obrigado, Damien.--Olhava para o livro dele e o jovem Forst percebeu.
-O senhor gosta de ler?
-Adoraria ler algo que não fosse jornal de ontem. Estou sempre por aqui... se não for abusar de sua generosidade, meu filho, será que você poderia me emprestar? Prometo devolver.--Alguma coisa dizia dentro de Damien que mesmo que não fosse ver seu livro novamente, não faria mal algum ceder a mais um pedido daquele homem que estava diante dele passando por dificuldade. “Ora... eu posso comprar outro se for o caso.” Pensou. Estendeu o livro para ele.
-Não precisa ter pressa, quando voltarmos a nos ver você me devolve, se tiver terminado de ler, claro.
-Muito obrigado.--Damien sorriu e já ia se levantando novamente quando foi interrompido de novo, e junto com um espirro muito forte falou.—A-Aaron.
-Desculpe, não entendi.
-Esse é o meu nome.--estendeu a mão para o jovem Forst.
-Prazer.--Apertaram as mãos.--Deixe-me ir agora, meus pais estão me esperando.--apontou na direção de Richard e Adriana.
-Ah! Claro... me desculpe. Espero não ter causado nenhum problema.
-Fique tranqüilo, não tem problema. Então, até a próxima.
Sentiu-se leve após ter feito aquilo. Continuava sem entender exatamente o que o fez fazer aquilo, e o pior, não entendia porquê tinha dado o livro que ainda não tinha terminado de ler e que tinha prometido ceder para sua mãe ler em seguida para um completo estranho. No entanto, mesmo assim se sentia bem por ter feito aquilo.
-O que deu em você?--perguntou Liz.
-Não pergunte... nem eu sei. Mas me fez bem.--Adriana pegou a mão de seu filho, Richard se apoiou no ombro de Damien.
-Estou orgulhosa de você, Damien. Enquanto ninguém deu atenção ao pobre homem, foi lá e além da ajuda simbólica em dinheiro ainda deu seu livro para ele... foi um gesto muito bonito.--Abraçou Damien com carinho, isso fez ele sentir-se ainda melhor.—Parabéns, filhote.
-Valeu mesmo, filho.--Richard apenas bateu em seu ombro e se juntou a Elizabeth.
-Não consigo te entender, pirralho.--resmungou sua irmã.
Essa é a comprovação de que a conexão entre os quatro era muito forte, mesmo entre brincadeiras, sarcasmos e até, muito raramente, algumas brigas.
Continuaram a caminhada, que não era muito longa até o prédio quando ouviram um agito em uma das esquinas. Um carro todo preto e escoltado por duas viaturas policiais havia dado uma freada brusca ao ser interceptado por um grupo de pessoas vestidas de preto e vermelho escuro, estas apontavam armas para o veículo.
Os disparos iniciaram, os policiais das motos foram atingidos sem ter tempo de reagir e caíram mortos no local. As pessoas correram em pânico para todas as direções. Richard abraçou Elizabeth e correu com ela, enquanto Damien era puxado pelo braço por Adriana logo atrás.
Embora o prédio ficasse na direção oposta de onde estava acontecendo o atentado, o risco de ser atingido por um disparo era grande.
Se deslocaram o mais abaixados que podiam para garantir sua segurança quando quase chegando, Damien, que à essa altura já puxava sua mãe, tinha sido interrompido pela queda dela. Damien virou-se para ajudar, mas o que viu foi algo que marcou sua vida de uma vez por todas.
Adriana tinha sido atingida por um disparo e caiu no chão inerte.
-Mãe... MÃE!!!—seu grito competia com o das outras pessoas desesperadas, entretanto o mendigo ajudado por Damien minutos atrás levantou-se de súbito.--MÃÃÃÃÃÃEEEEEE!!!!
Com o rosto de sua mãe apoiado em seu colo, Damien virou-se para a direção de onde acontecia ainda o incidente e, embora não conseguisse ver nada com nitidez por causa das lágrimas e da distância, viu em sua mente dois dos nove terroristas, em seguida conseguia apenas ver imagens que não faziam o menor sentido para ele e desmaiou.
Richard chegou logo em seguida, pegou Damien no colo, levou-o até a portaria do prédio. A calça de seu filho estava toda suja de sangue, Elizabeth estava em pânico e enquanto o porteiro tentava acalmá-la. Deixou Damien deitado no sofá da portaria enquanto voltava para o local do incidente.
Os disparos já haviam parado, algumas pessoas estavam caídas no chão, muitas delas feridas. Chegou perto de Adriana e hesitou em colocar sua mão no pescoço dela. Catou o telefone celular dentro do paletó, suas mãos estavam trêmulas, apesar do nervosismo conseguiu discar o número da emergência, o que diversas pessoas já deveriam tê-lo feito. Comunicou o ocorrido e em seguida notou a poça de sangue que se estendia pela calçada e escorria pelo meio-fio.
Apesar de procurar manter a esperança sabia que no fundo era tarde demais.
Adriana, sua tão amada esposa, estava morta.
“Nenhum grupo terrorista conhecido assumiu a autoria do atentado a diplomata Anastasia Krivorsky ontem à noite em Bloomsbury Square, quando ela se dirigia para Victoria House, para assistir à uma apresentação musical de amigos da família. Sra. Krivorsky e sua comitiva saíram ilesos do ataque graças à blindagem de seu veículo oficial, os dois policiais locais que escoltavam o veículo levaram sofreram vários disparos morrendo no local, e dois de seus seguranças, ao saírem da viatura da diplomata para dar apoio aos policiais, levaram alguns tiros de raspão apenas...” O noticiário da manhã seguia na sala, enquanto Damien estava sentado na varanda do apartamento olhando para o nada, seu pai preparava algo para o café-da-manhã, auxiliado por sua mãe, Virginia. Elizabeth era amparada pelo avô e por sua amiga em seu quarto.&
Na manhã seguinte, Damien retomou seu lugar na varanda, desta vez acompanhado pela irmã. Ambos olhavam para a praça, e perceberam que o mendigo que Damien tinha ajudado estava sentado no mesmo lugar lendo o livro que ele havia emprestado.-Liz.-Diz, pirralho.--sempre chamava Damien de pirralho.-Nossos pais esconderam alguma coisa de nós durante todo esse tempo.-E o que era? Como sabe?--lançou-lhe um olhar curioso.-Escutei a conversa do papai com nossos avós. Eu não queria, mas acabei ficando do outro lado da porta escutando tudo...-O que você ouviu?-Nada concreto, mas algumas coisas me deixaram sem dormir... falaram sobre Deuses, visões... algo sobre não sermos humanos comuns.-Acha que devíamos perguntar?-Não acredito que vai adiantar, e além do mais, acho que ficariam chateados se soubessem que
Embora não fossem mais para a mesma escola, e provavelmente graças à diferença de início de ano letivo ser de seis meses entre as escolas do Reino Unido e do Brasil, em Londres faltava apenas uma semana para o reinício dos estudos e Damien ainda tinha a sensação de que o fim das férias se aproximava.A rotina na casa dos Forst estava totalmente alterada, empacotando apenas os pertences necessários para levar para o Brasil, cobrindo os móveis e equipamentos que ficariam no apartamento, definindo roteiros e outras coisas mais.Os irmãos eram pegos às vezes parados olhando para o nada, tristes e pensativos, no entanto esses momentos estavam ficando ainda mais escassos.-Estou tão curiosa para saber o que há de tão importante entre nós dois.-Liz... acho que não devíamos falar... eu escutei por acidente, não q
Acordaram muito cedo no dia seguinte. James dizia o tempo todo para uma Elizabeth mal-humorada, que teriam tempo para dormir assim que zarpassem. Em poucos instantes estavam entrando na minivan, com Richard no volante.-Todos preparados? Aqui vamos nós.--falou animado. Elizabeth deu um sorriso amarelo, em seguida deu partida no carro e foram para a marina.Atravessaram os estreitos corredores de madeira até chegar em um dos maiores barcos do local. Tinha cinco dormitórios, todos suítes, e uma grande cozinha no mesmo andar. No andar superior havia um grande salão dividido em dois ambientes e uma varanda onde havia uma mesa de carteado e um living, ainda nesse andar havia um acesso à proa e ao deck de popa que ficava ao nível do mar, lugar predileto de Elizabeth. Subindo mais um andar estava a cabine de controle e navegação.O DreamDolph
Richard e seus filhos estavam no deck inferior, sentados com as pernas na água. Os três em completo silêncio. Todos agiam normalmente como se nada tivesse acontecido perto deles. No entanto, quando estavam sozinhos, mal se olhavam, especialmente Richard e James.-É impressão minha, ou vocês estão evitando falar qualquer coisa comigo?--ambos permaneceram em silêncio absoluto, apenas mirando a água.--Ótimo. Acho que fiz por merecer.-Você sabe o que queremos saber, pai.--falou Liz.-Tudo bem... acho que chegamos a um ponto sem saída, certo? Tudo bem, mas antes eu quero que vocês entendam que isso pode mudar drasticamente tudo aquilo que acreditam, por favor, me perdoem e perdoem sua mãe também, pois nossa preocupação com a segurança de vocês nos fez tomar essa decisão...De repente um
Tudo naquele lugar me transmite paz, calma e tranqüilidade. A brisa suave no rosto, balançando suavemente meus cabelos, a fragrância das flores que trazia uma mistura de sensações, contudo...Eu não conseguia parar de mirar aqueles olhos de ouro daquele homem enorme, belo e sereno. Só sua presença já irradiava uma sabedoria infinita, talvez por isso cultivasse lá no fundo um pequeno receio.De repente ele estende suas mãos para mim, percebo que era para tocá-la. Nossa que mão macia e quente. Ele envolve minhas mãos com tanto cuidado e carinho. Me sinto tão protegido e seguro.-Onde estou?--pergunto meio sem jeito.De qualquer forma eu já imaginava que não teria resposta, pelo menos não nesse momento. A figura limitou-se a continuar emitindo seu inebriante sorriso.Continuava a segurar m
Apenas um dia após o sumiço de James, Elizabeth e Damien, Richard estava pousando no aeroporto internacional de Atenas, na Grécia, e não estava só: Virgínia, Xavier e Sandra estavam com ele.-Uma coisa não bate com o comportamento de James.--Xavier tentava voltar ao assunto.--ele jamais passaria por cima da sua autoridade, mesmo depois daquela...-Xavier, eu o respeito e o admiro como se fosse meu pai também, mas eu quero deixar para resolver isso quando chegarmos lá.--tratou de encerrar secamente o assunto.Era um fim de tarde belíssimo quando estavam enfim desembarcando no aeroporto Eleftherios Venizelos em Atenas na Grécia. Um carro oficial já os aguardava.-Espero que tenham feito uma boa viagem.--falou o chofer.-Obrigado, Enothe.As ruas de Atenas estavam pouco movimentadas, uma coisa incomum para essa época do ano. Em pouco ma
Damien sentiu o corpo dolorido, como se um trator tivesse passado por cima dele. Abriu os olhos, mas não conseguiu ver nada, estava tudo completamente escuro. Notou que estava deitado em um lugar muito macio e que estava coberto. Sabia que não estava em sua cama no barco.“Onde será que estou?”--pensou.Estava com muito medo, e sua mente estava confusa, talvez por esses motivos não tivesse tentado se levantar para procurar um interruptor ou algo parecido pra iluminar o lugar. Procurou por algo em sua mente que o fizesse lembrar a última coisa que tinha feito, não lhe ocorria nada, não havia simplesmente nada o que lembrar.“O que será que está acontecendo comigo... Que lugar é esse? Será que estou sonhando?”-Olá!... Tem alguém aí.--falou baixo.-Fique calmo, está tudo bem.--falou