Vicent
Quase todas as minhas lembranças são animadas, quando não é para bem, é para mal.
E aqui estou eu, fugindo à cavalo do estabelecimento que acabei de assaltar, e com um sorriso no rosto por ter conseguido uma boa quantidade.
Eu não sou herói, apesar de bravo e corajoso, sou um vilão. Talvez se sua vida tivesse sido diferente, quem sabe eu não poderia ter sido um cavaleiro real?
Mas eu não reclamo, eu gosto da minha vida como ela é.
- Oshi, e desde quando eu preciso dessa quantidade toda? Peguei por vocês, quero lhes ver bem. - entrego a quantia toda para os meus pais.
- Isso será o suficiente para irmos embora. - Nardina, minha mãe.
- Não posso esperar para retornar à Kahabe, lá sim iremos viver bem. - meu pai parece sonhar acordado, provavelmente sonhando com riquezas e mais riquezas.
Ambos, meu pai e minha mãe, são loiros, Nardina é uma senhora açoitada pelas marcas do tempo, mas possui uma vaidade surreal com os seus dentes, já o Pedro, é muito conservado para a sua idade, apesar de ser dois anos mais velho que sua companheira, aparenta ser bem mais jovem que ela.
- Como vocês sabem, pretendo criar o meu próprio caminho, espero que esse quantia lhes sirvam por um bom tempo, preciso de um bom tempo pra retornar a pegar emprestado, uma quantia tão alta.
- Não seja tolo, filho, em Kahabe haverá abundâncias pra você roubar, duvido que irá se conter. - meu pai diz rindo com o olhar longe, provavelmente ainda sonhando com a possibilidade de enriquecer-se.
Minha mãe parece vizualizar os pensamentos do marido.
Eu, às vezes, sinto uma raiva interior, sem motivo algum, sou grato por minha vida, eu sei que poderia ter sido muito pior se eu não fosse adotado por Pedro e Nardina. Essa raiva eu sinto involuntariamente, e isso me faz ter comportamentos brutos, principalmente com estranhos e agora algo me preocupa: já estou na idade de me casar e construir uma família, porém, como eu poderia submeter uma moça à aguentar o meu mau humor pela vida toda? E mais, submeter um moç a à uma vida fugindo comigo?
Lívia
Meu nome é Lívia, estou há doze anos preza nesse mosteiro. Me sinto uma pecadora por não ter vocação religiosa, graças que eu realmente não preciso ser uma irmã.
Eu sou a princesa Lívia Girland, irmã do príncipe Arthuro, filha de Garth e Bessa, o rei e a rainha de Kahabe. Então, na hora certa deverei me casar com um pretendente vantajoso para o trono.
Qualquer coisa, menos ficar aqui. Por favor!
Não que eu não goste totalmente, aqui tem os momentos bons: quando estou dormindo, quando estou comendo e, quando estou lendo os livros contrabandeados da minha amiga, leio os livros escondida pelo vasto e colorido campo do mosteiro.
Doze anos... Já fazem doze anos que eu não piso os meus pés em Luzem! Eu tinha apenas oito anos quando meu pai me deixou aqui com o argumento de que minha reputação precisa ser preservada, um mal entendimento qualquer pode estragar toda a minha vida, não sei o motivo de ele ter tanto medo de que algo aconteça com a minha reputação, mas, o fato é que ele prometeu me casar aos vinte anos! E aqui estou eu, completei meus vinte anos. E continuo aqui, nesse tormento. Se pelo menos eu tivesse algum laço fraternal com as irmãs, mas, não... Estar aqui realmente não é bom.
- Irmã Lívia? Terminou as suas orações da tarde?
- Ainda não, irmã Sara.
- Pois apressa-te, ainda tens de limpar os bancos próximo ao altar de diamantes.
- Logo irei, irmã Sara, logo irei.
Irmã Sara revira os olhos.
Pelo menos as orações me permitem enrolar.
Odeio limpar as coisas, principalmente quando nunca parece estar limpo o suficiente. As irmãs sempre mandam eu limpar mais uma vez. Arg.
Mal espero pra poder sair daqui, conhecer o mundo e explorar outras atividades. Sonho em usar belos vestidos e passear por Marlenout, o país além do oceano. É óbvio que antes eu quero conhecer o meu próprio país.
Ah, como anseio sair daqui. Estou ansiosa pela chegada dos meus pais. Eles vem me ver todos os meses e, amanhã eles virão.
Liberdade. É só isso que eu quero.
Possuo a educação esperada para uma princesa e esposa da realeza. Me sinto totalmente preparada para enfrentar o meu destino. Mal espero sair daqui com os meus pais e então ter uma vida normal, bom, o mais próximo do normal possível.
(...)
- Pai, mãe! Não fazem ideia do quanto eu estava ávida pela visita esplendorosa de vocês!
- Fazemos ideia sim, filha. - Minha mãe diz sem rodeios.
Minha mãe é uma mulher jovem, tem trinta e nove anos, casou-se com o meu pai por questões políticas e ele já tinha bastante idade. Meu pai é um velho senhor charmoso. Me entristece o fato de não ter convivido com eles como toda criança e jovem deveria. Mas sou grata por saber que fizeram o que consideram melhor pra mim, e eu venci. Agora é só sair daqui.
- Bom, eu me expressei de forma errada, na verdade eu estou ávida por ir embora com vocês! Este lugar aqui é enorme e tenho muitos afazeres, não posso dizer que fico à toa, mas, os senhores sabem, fiz vinte anos, já posso ir morar no Palácio, com vocês!
- Minha filha, olha...
- Eu sei, só até eu me casar, mas o que eu acredito será em breve... E sobre o que eu falei antes de estar ávida em sair daqui eu não quis dizer que eu não estivesse ávida em receber as suas visitas... Porque...
- Sabemos querida.... Sabemos... - Meu pai me interrompe. - Sabemos o quanto você deseja ir pra casa, conosco, mas...
- Mas? Tem um mas? - Pergunto começando a sentir a ansiedade tomar conta das minhas veias.
- Ainda não decidimos quem será o seu noivo. - Minha mãe completa.
Fico perplexa.
Não que eu deseja me casar o mais rápido possível, mas, eu desejo sair daqui o mais rápido possível!
- Como assim? Eu fiz vinte anos! Eu fui uma boa filha e fiquei aqui por longos doze anos sem reclamar!
- Você reclamava sim, querida.
- Sério, mãe? Eu resmungava às vezes, mas vocês sabem muito bem que eu nunca questionei!
- Filha, acredite! É para o seu bem! Você não vai querer que algo de ruim aconteça à você, vai?
- Pai! O que de tão ruim poderia me acontecer? Como o Arthuro não precisa ficar aqui? Por que só eu?
- Seu irmão não corre o risco de ter a honra manchada. - Meu pai diz a mesma desculpa de sempre.
- Eu não sei o motivo de você ter esse medo todo, meu pai, mas, eu lhe imploro! Tire-me daqui! Eu estava contando os dias para completar os meus vinte anos! - Peço sentindo uma falta de ar conhecida por mim.
-Acalme-se filha! No mais tardar, só mais um ano! É esse o tempo que iremos demorar para o seu pai decidir qual é o melhor pretendente para o nosso reino.
- Pensei que eu fosse a noiva, não Kahabe.
- Não seja imatura! Você sabe muito bem quais são os seus deveres com o nosso reino.
- Se vocês não conseguiram encontrar alguém doze anos, não acho que irão se decidir em apenas um. - Digo desanimada.
- Seja uma boa menina e continue os seus ensinamentos com as irmãs, que lhe tratam tão bem e possuem afeição por você.
- Elas me odeiam!
- Não diga isso! - Minha mãe da um tapa no meu rosto.
Isso é o suficiente pra eu me sentir envergonhada.
Eu devo ser a pior filha do mundo.
*Arte da capa: Sabrina Almeida (@sabryniedesign)
LíviaPassei dois dias sufocada em lágrimas e falta de ar. Um desespero louco que me faz sentir vontade de sair correndo. Se isso continuar eu sou capaz de me suicidar. Eu juro. Mas, não. Eu preciso sair desse lugar que me atormenta por anos. Preciso sair. Vou sair.Fiquei o dia todo pensando em uma forma de fugir daqui, e cheguei em uma conclusão, no dia da feira para arrecadações, isso. E para a minha sorte, faltam apenas três dias.Sinto muito meu pai e minha mãe, mas, terei de lhes provar que eu consigo muito bem sobreviver ao mundo fora desses muros.Não posso mais ficar aqui, morrerei de desgosto. Estou muito frustrada em saber que fiquei anos esperando pelo dia de sair dessa prisão, e quando esse dia chega eu descubro que terei de ficar mais um ano. Esse um ano irá me parecer uma década!– Essa sua expressão está me assustando. –Raquel diz em minha frente.Minha a
LíviaEstou me segurando pois estou em pé. O homem que provavelmente está roubando a carroça está se divertindo com o que está fazendo. Não consigo vê-lo com clareza pois os raios do sol estão muito fortes.Olho para trás e percebo que tem alguns homens correndo atrás de nós, imagino que seja à mando das irmãs, para o meu resgate, mas, eles estão à pé, então não irão nos alcançar.- Senhor?! - Chamo-o mas ele parece não me ouvir. - Senhor?!Aff. Ele precisa deixar que eu me sente, se eu continuar desse jeito eu irei me desequilibrar e cair.- PEGUEM O LADRÃO! - Consigo ouvir um dos homens que está nos perseguindo, e todas as pessoas que estão na estrada começam a nos olhar e gritar alguma coisa.Eu começo e me sentir amedrontada. Isso não estava nos planos, e se der tudo errado?Conforme vamos avançando, tudo vai se distanci
VicentEu realmente não havia percebido que a carroça estava ocupada, também, como eu iria imaginar que havia alguém escondido na parte de trás?E ainda mais uma jovem moça ingênua, com o cabelo preso na nuca, pele branca e pálida, a imagem perfeita de uma inocente.Ter uma jovem moça me seguindo durante uma fuga, literalmente não estava nos meus planos.Principalmente se ela for uma tagarela.– Você está carregando ouro e joias nesse saco, não estou certa? Quando você o balança eu posso ouvir o som das peças se encostando umas nas outras. – Se essa moça não parar de tagarelar, seremos capturados antes do anoitecer. – Você já pensou em não ser um ladrão? Sei lá, poderia ser um bravo cavaleiro real, imagina só?! Você seria admirado e seria inspiração...– O que ouve com a primeira regra? – Pergunto sem me virar para trás.– Podemos parar e descansar? Não
LíviaEntro no estabelecimento sob olhares curiosos de estranhos.– Por favor, alteza. – Vicent diz enquanto me espera passar pela porta.Vicent parece querer me torturar com essa estupidez em me chamar de alteza, mau sabe ele que realmente sou.Eu apenas quis dizer para ele ser mais agradável comigo, pois ele é muito rude, mas ele insiste em ser irônico em me chamar de alteza. Arg.– Pare de bobagens. – Sorrio sem graça, pois uma mulher ouviu ele me chamar de alteza.Não quero chamar a atenção de ninguém. Não posso deixar ninguém saber que eu realmente sou a princesa.Eu não queria passar a noite aqui, eu deveria já estar chegando em Luzem, os guardas provavelmente já estão lá e logo meu pai vai pôr toda a cavaleria atrás de mim. Mas o que está feito já está feito. Quis o destino que eu me encontrasse com o senhor Vicent, o destino ou a minha estupidez,
Lívia Já que estamos aqui eu poderia aproveitar e descansar, já que estamos aqui e não lá fora indo pra casa.– Descanse. – Ele pode ouvir pensamentos, é isso?Espero que não.– Eu não conseguiria me deitar com um desconhecido tão próximo de mim.– Pare de dizer asneiras, já somos próximos, e se eu fosse lhe fazer alguma coisa eu já teria feito, tranquilize-se, você não me atrai em nada. – Se levanta da cadeira e começa a observar para fora da cortina da janela, sondando.– Está preocupado com algo senhor Vicent? – Pergunto tentando ignorar o fato de que o primeiro homem lindo que eu encontro em toda a minha vida não se sente atraído por mim.Ótimo. Eu nunca iria querer nada com um ladrão. Um criminoso. Um libertino.– Não interessa à você, doce Lívia, apenas descanse e deixe todo o mais para mim, pode ser? – Como ele ou
Vicent– Estamos à procura de um criminoso alto e branco de aproximadamente trinta anos, ele roubou o santo mosteiro e sequestrou uma das irmãs, se alguém aqui o está escondendo, será julgado como cúmplice de roubo e sequestro. – O guarda superior diz em tom sério e acusador.– Aqui não tem ninguém com essa característica, somos todos homens de bem e não iríamos apoiar tamanho crime. – Digo fingindo indignação.– Sim, aqui não há nenhum ladrão. – Lúcio afirma.Os guardas entram ainda mais e começam a vasculhar por tudo.Eu nunca fui tão perseguido dessa forma, talvez Kahabe seja mais intolerante com ladrões. Deve ser por isso que o reino é próspero.– Iremos pernoitar em sua vila, nos acolham em nome do rei Garth, amanhã iremos retomar as buscas pelo criminoso, a irmã que ele sequestrou está correndo enorme perigo, el
Sessenta e nove dias depois...TrentoAproximadamente vinte e seis anos se passaram. Longos e infindáveis vinte e seis anos.– Querido!? – Me sobressalto com a voz calma de Diane. – Está perdido em pensamentos novamente?Eu sobrevivi. Posso dizer com todas as letras que a vida não é fácil. Poderia ter sido mais fácil, mas dificilmente é.– Sim. – Sussurro sem muita atenção.Estou há vinte e seis anos procurando, procurando e procurando. Não perco as esperanças, preciso encontrar o meu filho. Algo me diz que ele está próximo. Não posso desistir de encontrar ele.– Suas filhas estão lhe aguardando para o passeio que prometestes à elas. – Diane beija as minhas mãos e então se retira, deixando-me com meus pensamentos em minha poltrona do gabinete.Ela é uma boa esposa, uma b
Aproximadamente vinte dias depois...VicentConfesso que eu nunca estive em um calabouço tão bem guardado, essa é nova pra mim, geralmente eles me jogam em uma masmorra qualquer de fuga fácil. Kahabe é mesmo um país diferente, com leis mais severas. Espero não ser decapitado. Estou sentado em um canto escuro, o mais retirado possível dos ferros que me cercam, e se eu quiser ficar em pé não terei espaço o suficiente para que eu fique de corpo bem esticado, aqui é muito baixo. Não tomo banho desde há muito tempo, estou fedendo, essa situa&ccedi