Lívia
Passei dois dias sufocada em lágrimas e falta de ar. Um desespero louco que me faz sentir vontade de sair correndo. Se isso continuar eu sou capaz de me suicidar. Eu juro. Mas, não. Eu preciso sair desse lugar que me atormenta por anos. Preciso sair. Vou sair.
Fiquei o dia todo pensando em uma forma de fugir daqui, e cheguei em uma conclusão, no dia da feira para arrecadações, isso. E para a minha sorte, faltam apenas três dias.
Sinto muito meu pai e minha mãe, mas, terei de lhes provar que eu consigo muito bem sobreviver ao mundo fora desses muros.
Não posso mais ficar aqui, morrerei de desgosto. Estou muito frustrada em saber que fiquei anos esperando pelo dia de sair dessa prisão, e quando esse dia chega eu descubro que terei de ficar mais um ano. Esse um ano irá me parecer uma década!
– Essa sua expressão está me assustando. –Raquel diz em minha frente.
Minha amiga albina.
– Rachel, eu me decidi, irei embora daqui. – Afirmo.
Raquel me abraça forte. Ela sabe o quanto eu não gosto daqui.
– Desejo-lhe sorte, querida amiga. – Me aperta contra si.
– Você sabe que eu terei... Você é a única parte daqui que eu sentirei saudades.
Pegamos papel, lápis e fomos jogar um jogo que achamos divertido. O jogo da forca. Óbvio que as irmãs não podem nos ver, ou, seríamos castigadas.
Passei os meus últimos dias aqui aproveitando cada momento ao lado de Raquel, sabendo que eu sairia não foi uma tortura.
E finalmente o dia chegou. É hoje, o grande dia.
Acordei antes do sol nascer, preciso me vestir e ir me esconder dentre as tralhas da carroça que sairá daqui a pouco.
Estou nervosa. Sinto borboletas saltitantes em todo o meu corpo.
Me visto.
– Vai dar tudo certo. – Rachel sussurra cruzando os dedos.
Abraço-a.
– Obrigada por tudo. – Digo deixando uma lágrima escapar.
Afinal, ela foi minha companheira por anos.
– Venha me visitar, quando puder.
– Virei.
Sem mais tardar, caminho pelas escuras até fora do mosteiro, em direção à ala das carroças.
Ótimo, terei de ficar aqui por um longo tempo. Por sorte as coisas já estão preparadas desde ontem, hoje é só ir e fazer a feira.
O plano é esse: fugir daqui, e o resto vamos ver como vai ser, vamos ver o que o destino tem reservado para mim.
Deito na carroça, em baixo de um móvel fixo e me cubro com um pano.
(...)
Abro os meus olhos quando sinto que estamos nos movendo.
Eu dormi de esperar, finalmente estamos indo.
– Com a bondade dos céus iremos arrecadar muitos fundos, precisamos construir uma ala para as novas moças que estão chegando, as irmãs estão muito apertadas.
– Tudo será providenciado, creio que o rei doará uma quantidade bem maior no mês que vem, pois a irmã Trindade lhe reclamou em sua última visita.
– Que os céus digam amém, nós merecemos viu, não foi fácil educar a princesa Lívia, aquela moça nos deu muito trabalho.
Ouço risos das irmãs.
Eu sei que não é maldade delas, mas, me sinto mal.
Eu só queria ser tratada com carinho, talvez se as irmãs fossem mais carinhosas comigo eu não teria sonhado com o momento em que eu iria embora daqui.
Enfim. Tudo vai dar certo.
Viajamos por quase uma hora, e então comecei a ouvir sons de pessoas.
Estamos em uma cidade, pelas minhas contas é Dhiferis, a cidade mais próxima do mosteiro. E provavelmente é aqui que as irmãs vão fazer a feira.
Meu coração palpita forte. Estou com muita vontade de me levantar daqui e olhar tudo e todos. Sair correndo. Mas preciso esperar o momento certo se não quero colocar tudo à perder.
Ouço cães, ouço crianças, ouço carroças, ouço risos de mulheres, ouço música, ouço a vida.
É isso que eu quero pra mim.
E está quase!
(...)
As irmãs pararam e estão retirando as coisas da carroça, vieram mais três carroças junto com a que viemos. A feira vai ser grande.
Quando percebo que estou sozinha eu finalmente levanto o pano para sondar à minha volta. Não tenho muita visão, precisarei sair daqui o mais rápido possível para aproveitar que as irmãs estão distraídas.
Quando eu me levanto em pé sinto uma leve tontura e me seguro nas madeiras da carroça para não cair. Sinto dores nas costas, estoico os braços para me espreguiçar.
– Lívia? – Quando olho para o lado vejo que uma das irmãs me viu.
Tão rápido um homem sobe na carroça e açoita os cavalos e então saímos em disparada.
– LÍVIAAAAAAA! – Ouço a outra irmã gritar já há uma boa distância.
Adeus irmã, seguirei meu caminho, e quis o destino que fosse assim, ao lado de um desconhecido ladrão.
LíviaEstou me segurando pois estou em pé. O homem que provavelmente está roubando a carroça está se divertindo com o que está fazendo. Não consigo vê-lo com clareza pois os raios do sol estão muito fortes.Olho para trás e percebo que tem alguns homens correndo atrás de nós, imagino que seja à mando das irmãs, para o meu resgate, mas, eles estão à pé, então não irão nos alcançar.- Senhor?! - Chamo-o mas ele parece não me ouvir. - Senhor?!Aff. Ele precisa deixar que eu me sente, se eu continuar desse jeito eu irei me desequilibrar e cair.- PEGUEM O LADRÃO! - Consigo ouvir um dos homens que está nos perseguindo, e todas as pessoas que estão na estrada começam a nos olhar e gritar alguma coisa.Eu começo e me sentir amedrontada. Isso não estava nos planos, e se der tudo errado?Conforme vamos avançando, tudo vai se distanci
VicentEu realmente não havia percebido que a carroça estava ocupada, também, como eu iria imaginar que havia alguém escondido na parte de trás?E ainda mais uma jovem moça ingênua, com o cabelo preso na nuca, pele branca e pálida, a imagem perfeita de uma inocente.Ter uma jovem moça me seguindo durante uma fuga, literalmente não estava nos meus planos.Principalmente se ela for uma tagarela.– Você está carregando ouro e joias nesse saco, não estou certa? Quando você o balança eu posso ouvir o som das peças se encostando umas nas outras. – Se essa moça não parar de tagarelar, seremos capturados antes do anoitecer. – Você já pensou em não ser um ladrão? Sei lá, poderia ser um bravo cavaleiro real, imagina só?! Você seria admirado e seria inspiração...– O que ouve com a primeira regra? – Pergunto sem me virar para trás.– Podemos parar e descansar? Não
LíviaEntro no estabelecimento sob olhares curiosos de estranhos.– Por favor, alteza. – Vicent diz enquanto me espera passar pela porta.Vicent parece querer me torturar com essa estupidez em me chamar de alteza, mau sabe ele que realmente sou.Eu apenas quis dizer para ele ser mais agradável comigo, pois ele é muito rude, mas ele insiste em ser irônico em me chamar de alteza. Arg.– Pare de bobagens. – Sorrio sem graça, pois uma mulher ouviu ele me chamar de alteza.Não quero chamar a atenção de ninguém. Não posso deixar ninguém saber que eu realmente sou a princesa.Eu não queria passar a noite aqui, eu deveria já estar chegando em Luzem, os guardas provavelmente já estão lá e logo meu pai vai pôr toda a cavaleria atrás de mim. Mas o que está feito já está feito. Quis o destino que eu me encontrasse com o senhor Vicent, o destino ou a minha estupidez,
Lívia Já que estamos aqui eu poderia aproveitar e descansar, já que estamos aqui e não lá fora indo pra casa.– Descanse. – Ele pode ouvir pensamentos, é isso?Espero que não.– Eu não conseguiria me deitar com um desconhecido tão próximo de mim.– Pare de dizer asneiras, já somos próximos, e se eu fosse lhe fazer alguma coisa eu já teria feito, tranquilize-se, você não me atrai em nada. – Se levanta da cadeira e começa a observar para fora da cortina da janela, sondando.– Está preocupado com algo senhor Vicent? – Pergunto tentando ignorar o fato de que o primeiro homem lindo que eu encontro em toda a minha vida não se sente atraído por mim.Ótimo. Eu nunca iria querer nada com um ladrão. Um criminoso. Um libertino.– Não interessa à você, doce Lívia, apenas descanse e deixe todo o mais para mim, pode ser? – Como ele ou
Vicent– Estamos à procura de um criminoso alto e branco de aproximadamente trinta anos, ele roubou o santo mosteiro e sequestrou uma das irmãs, se alguém aqui o está escondendo, será julgado como cúmplice de roubo e sequestro. – O guarda superior diz em tom sério e acusador.– Aqui não tem ninguém com essa característica, somos todos homens de bem e não iríamos apoiar tamanho crime. – Digo fingindo indignação.– Sim, aqui não há nenhum ladrão. – Lúcio afirma.Os guardas entram ainda mais e começam a vasculhar por tudo.Eu nunca fui tão perseguido dessa forma, talvez Kahabe seja mais intolerante com ladrões. Deve ser por isso que o reino é próspero.– Iremos pernoitar em sua vila, nos acolham em nome do rei Garth, amanhã iremos retomar as buscas pelo criminoso, a irmã que ele sequestrou está correndo enorme perigo, el
Sessenta e nove dias depois...TrentoAproximadamente vinte e seis anos se passaram. Longos e infindáveis vinte e seis anos.– Querido!? – Me sobressalto com a voz calma de Diane. – Está perdido em pensamentos novamente?Eu sobrevivi. Posso dizer com todas as letras que a vida não é fácil. Poderia ter sido mais fácil, mas dificilmente é.– Sim. – Sussurro sem muita atenção.Estou há vinte e seis anos procurando, procurando e procurando. Não perco as esperanças, preciso encontrar o meu filho. Algo me diz que ele está próximo. Não posso desistir de encontrar ele.– Suas filhas estão lhe aguardando para o passeio que prometestes à elas. – Diane beija as minhas mãos e então se retira, deixando-me com meus pensamentos em minha poltrona do gabinete.Ela é uma boa esposa, uma b
Aproximadamente vinte dias depois...VicentConfesso que eu nunca estive em um calabouço tão bem guardado, essa é nova pra mim, geralmente eles me jogam em uma masmorra qualquer de fuga fácil. Kahabe é mesmo um país diferente, com leis mais severas. Espero não ser decapitado. Estou sentado em um canto escuro, o mais retirado possível dos ferros que me cercam, e se eu quiser ficar em pé não terei espaço o suficiente para que eu fique de corpo bem esticado, aqui é muito baixo. Não tomo banho desde há muito tempo, estou fedendo, essa situa&ccedi
Vicent– Eu não quero atrapalhar os seus planos, posso lhe falar depois que você já tiver feito o que seja que tiver que fazer aqui nesse buraco. – Digo assim que saio de dentro da cela.O rei só só fica me olhando. É, eu estou horrível.– Vicent, demonstre mais modos ao se dirigir ao grandioso rei de Marlenout! – Tobias diz entredentes.– Rei de Marlenout? Pensei que estivéssemos em Kahabe... Eu estou a tanto tempo nesse lugar asqueroso que perdi a noção de tudo, perdão, majestade. – Me reverencio sentindo-me confuso.– Pare com isso. – O rei me diz com um olhar estranho.Ele parece estar sentindo algum tipo de dor.Este ligar aqui em baixo faz isso com as pessoas.– Está se sentindo bem, majestade? – Tobias pergunta visivelmente preocupado.– Eu garanto que quando o senhor ver o tesouro, t