Capítulo 6

Lívia

Já que estamos aqui eu poderia aproveitar e descansar, já que estamos aqui e não lá fora indo pra casa.

– Descanse. – Ele pode ouvir pensamentos, é isso?

Espero que não.

– Eu não conseguiria me deitar com um desconhecido tão próximo de mim.

– Pare de dizer asneiras, já somos próximos, e se eu fosse lhe fazer alguma coisa eu já teria feito, tranquilize-se, você não me atrai em nada. – Se levanta da cadeira e começa a observar para fora da cortina da janela, sondando.

– Está preocupado com algo senhor Vicent? – Pergunto tentando ignorar o fato de que o primeiro homem lindo que eu encontro em toda a minha vida não se sente atraído por mim.

Ótimo. Eu nunca iria querer nada com um ladrão. Um criminoso. Um libertino.

– Não interessa à você, doce Lívia, apenas descanse e deixe todo o mais para mim, pode ser? – Como ele ousa?

– Quer por gentileza ser mais gentil com uma dama? Saiba que eu irei lhe pagar por todo o favor que estás à me fazer! Estou ficando preocupada, com medo! Você fica olhando pela janela como se estivesse com medo de algo ou planejando alguma coisa... – Assim que eu termino de dizer Vicent torna a fechar a cortina e caminha em minha direção.

Fico rígida com o olhar sério dele.

– Quer por favor se calar? Você é uma inconsequente! Tanta ingenuidade chega a ser uma idiotice! – Diz fazendo gestos com as mãos, enquanto eu permaneço imóvel.

– Senhor Vicent...

– É claro que eu estou planejando algo! Pensa que é só roubar e sair correndo? Não é fácil a minha vida! E você, o que achou? Que era só entrar escondida na carroça e depois correr e pedir ajuda ao primeiro estranho que lhe aparecer? Faça-me o favor...

– Acalme-se senhor Vicent, o senhor está se exaltando demais... Saiba que eu não irei tolerar...

– Descanse, não quero ouvir mais nada, menina tonta, tenho coisas mais relevantes para ocupar a minha cabeça do que ouvir seus comentários sem sentido.

– Mas eu só quero saber se...

– Não precisa saber nada, por favor, deixe-me com meus pensamentos.

Ele está muito enganado se pensa que me assusta com esse tom rude. Na verdade me instiga a perguntar muito mais.

– Por que o senhor rouba, senhor Vicent? – Pergunto após três minutos de silêncio.

– Não sei, roubo porque eu gosto, não há nenhum motivo especial.

– Não se sente envergonhado em roubar?

– Ninguém é santo, todos temos pecados... E o meu é roubar.

– É isso que o senhor diz à si mesmo quando está tentando dormir? Se é que consegue dormir, tendo o peso na consciência de ter tirado as posses de alguém que lutou muito para tal feito...

– Durmo feito um anjo, doce Lívia.

– Não acredito nisso.

– Eu acho que existem crueldades maiores por aí, muito maiores... Eu roubo apenas ouro, coisa que é substituível, ouro é ouro, ninguém vai morrer se perdê-lo. – Diz ao desembanhar sua espada.

– Algo de ruim lhe aconteceu para que se tornasse um ladrão? Talvez um trauma de infância pode ter lhe causado esse pensamento frio...

– Não diga tolices. – Vicent ri balançando a cabeça negativamente enquanto alisa a sua espada.

– Seus pais devem te amar muito, e devem sofrer por você ser um criminoso.

Sinto um calafrio com o olhar assustador que Vicent me lançou. Acho que os pais dele morreram...

As vezes eu realmente digo tolices.

– Eu sou adotado. – Diz entredentes.

– Oh, mas isso não muda nada, seus pais adotivos lhe amam...

– Eu sei que me amam, ou teriam me vendido também, igual a minha mãe de sangue o fez.

– Sim, e por eles, por seus pais adotivos, que você deveria ser uma pessoa melhor. – Sorrio tentando animá-lo.

– É por eles que eu roubo, tolinha. – Diz depois de um longo suspiro. – Meu pai adotivo é um ladrão desde a infância, assim como o meu avô antes dele, e assim como o meu filho será depois de mim.

Fico confusa. Que tipo de pai e que tipo de mãe incentivam o filho a roubar?

Meu coração dói. Dói saber que essa é a realidade dele.

Ele deve ser julgado por muitos, deve ser procurado por muitos... Certamente está jurado de morte. Mas eu não acho que ele seja de todo mau, ele apenas está... Perdido...

Vicent

Depois de várias horas ouvindo a tagarela da moça Lívia, finalmente estou aqui, espreitando uma venda próxima do estabelecimento onde estamos hospedados. Já anoiteceu e é a melhor hora para agir, pretendo ir embora daqui em uma carroça, será mais prático.

Já sinto os meus nervos tremendo e as minhas entranhas em extremo êxtase, é como me sinto antes de me apossar de algo que não é meu.

Eu gosto. Eu realmente gosto.

Devo ser um doente maluco, mas eu gosto.

Gosto de saber que alguém sentirá falta de algo que eu roubei. Isso é cruel, mas, eu gosto.

Esse sou eu.

Acendo o meu cachimbo e saio do meu esconderijo, caminhando em direção à venda.

Olá, forasteiro!? – Uma moça se insinua assim que me enxerga adentrando. – Precisa de algo? Uma companhia, talvez?

– Por enquanto eu preciso de uma bebida, apenas. – Chego até o balcão, sob olhares de três homens sentados em uma mesa, analiso-os disfarçadamente.

Típicos.

Nada fora do comum, nada com o que eu deva me preocupar.

– Ei! Você! – Um dos três homens me chama.

– Boa noite. – Aceno.

– Junte-se à nós, amigo. – O segundo homem convida.

Ótimo. Preciso recolher informações.

Me levanto e caminho até eles.

– Boa noite. – Sorrio. – Os amigos são muito gentis, em me convidar para me juntar à vocês.

– Vi quando você chegou à nossa pequena vila, como está sua esposa?

– Minha esposa já adormeceu, sabe como são as mulheres, dormem cedo. – Pego a bebida que a moça acabou de me entregar.

Eu não durmo cedo, na verdade eu fico acordada a noite toda. – A moça diz sorrindo e se retira.

Eu e os três homens ficamos observando ela se retirar.

– Gisela, a diaba da nossa vila. – O mais mirradinho diz com o olhar sonhador.

– Todas as mulheres são umas diabas, companheiro, pra bem ou pra mal. – Comento.

– Você me parece ser um bom homem, como se chama? O meu nome é Lúcio.

– O meu nome é Isaque. – Minto descaradamente.

Eu não posso bobear e dizer meu nome de verdade. Nunca se sabe.

– Eu sou o Pedro.

– E eu sou o Juca.

– Estou honrado em conhecer vocês. – Digo levantando o copo é eles levantam também.

– Venha fazer uma visita para mim e minha esposa, antes de partir. – Lúcio convida. – Assim nossas esposas se conhecem também.

– De certo que irei. – Sorrio e bebo um gole da minha bebida, quando de repente ouvimos barulho de cavalos e homens se aproximando com rapidez.

– Mais forasteiros? – Comenta a mulher moça lá do balcão.

– São guardas! São os homens do exército de Kahabe! – Um dos meus mais novos companheiros diz lá da porta.

– Mas o que eles estão fazendo aqui? E à essa hora da noite? – Questiono sentindo a minha intuição me dar uma cutucada por dentro do estômago.

Tão rápido pensei, dois dos soldados já apareceram na porta.

Me levanto em pé, pronto para qualquer coisa. Como sempre.

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