Lívia
Já que estamos aqui eu poderia aproveitar e descansar, já que estamos aqui e não lá fora indo pra casa.
– Descanse. – Ele pode ouvir pensamentos, é isso?
Espero que não.
– Eu não conseguiria me deitar com um desconhecido tão próximo de mim.
– Pare de dizer asneiras, já somos próximos, e se eu fosse lhe fazer alguma coisa eu já teria feito, tranquilize-se, você não me atrai em nada. – Se levanta da cadeira e começa a observar para fora da cortina da janela, sondando.
– Está preocupado com algo senhor Vicent? – Pergunto tentando ignorar o fato de que o primeiro homem lindo que eu encontro em toda a minha vida não se sente atraído por mim.
Ótimo. Eu nunca iria querer nada com um ladrão. Um criminoso. Um libertino.
– Não interessa à você, doce Lívia, apenas descanse e deixe todo o mais para mim, pode ser? – Como ele ousa?
– Quer por gentileza ser mais gentil com uma dama? Saiba que eu irei lhe pagar por todo o favor que estás à me fazer! Estou ficando preocupada, com medo! Você fica olhando pela janela como se estivesse com medo de algo ou planejando alguma coisa... – Assim que eu termino de dizer Vicent torna a fechar a cortina e caminha em minha direção.
Fico rígida com o olhar sério dele.
– Quer por favor se calar? Você é uma inconsequente! Tanta ingenuidade chega a ser uma idiotice! – Diz fazendo gestos com as mãos, enquanto eu permaneço imóvel.
– Senhor Vicent...
– É claro que eu estou planejando algo! Pensa que é só roubar e sair correndo? Não é fácil a minha vida! E você, o que achou? Que era só entrar escondida na carroça e depois correr e pedir ajuda ao primeiro estranho que lhe aparecer? Faça-me o favor...
– Acalme-se senhor Vicent, o senhor está se exaltando demais... Saiba que eu não irei tolerar...
– Descanse, não quero ouvir mais nada, menina tonta, tenho coisas mais relevantes para ocupar a minha cabeça do que ouvir seus comentários sem sentido.
– Mas eu só quero saber se...
– Não precisa saber nada, por favor, deixe-me com meus pensamentos.
Ele está muito enganado se pensa que me assusta com esse tom rude. Na verdade me instiga a perguntar muito mais.
– Por que o senhor rouba, senhor Vicent? – Pergunto após três minutos de silêncio.
– Não sei, roubo porque eu gosto, não há nenhum motivo especial.
– Não se sente envergonhado em roubar?
– Ninguém é santo, todos temos pecados... E o meu é roubar.
– É isso que o senhor diz à si mesmo quando está tentando dormir? Se é que consegue dormir, tendo o peso na consciência de ter tirado as posses de alguém que lutou muito para tal feito...
– Durmo feito um anjo, doce Lívia.
– Não acredito nisso.
– Eu acho que existem crueldades maiores por aí, muito maiores... Eu roubo apenas ouro, coisa que é substituível, ouro é ouro, ninguém vai morrer se perdê-lo. – Diz ao desembanhar sua espada.
– Algo de ruim lhe aconteceu para que se tornasse um ladrão? Talvez um trauma de infância pode ter lhe causado esse pensamento frio...
– Não diga tolices. – Vicent ri balançando a cabeça negativamente enquanto alisa a sua espada.
– Seus pais devem te amar muito, e devem sofrer por você ser um criminoso.
Sinto um calafrio com o olhar assustador que Vicent me lançou. Acho que os pais dele morreram...
As vezes eu realmente digo tolices.
– Eu sou adotado. – Diz entredentes.
– Oh, mas isso não muda nada, seus pais adotivos lhe amam...
– Eu sei que me amam, ou teriam me vendido também, igual a minha mãe de sangue o fez.
– Sim, e por eles, por seus pais adotivos, que você deveria ser uma pessoa melhor. – Sorrio tentando animá-lo.
– É por eles que eu roubo, tolinha. – Diz depois de um longo suspiro. – Meu pai adotivo é um ladrão desde a infância, assim como o meu avô antes dele, e assim como o meu filho será depois de mim.
Fico confusa. Que tipo de pai e que tipo de mãe incentivam o filho a roubar?
Meu coração dói. Dói saber que essa é a realidade dele.
Ele deve ser julgado por muitos, deve ser procurado por muitos... Certamente está jurado de morte. Mas eu não acho que ele seja de todo mau, ele apenas está... Perdido...
Vicent
Depois de várias horas ouvindo a tagarela da moça Lívia, finalmente estou aqui, espreitando uma venda próxima do estabelecimento onde estamos hospedados. Já anoiteceu e é a melhor hora para agir, pretendo ir embora daqui em uma carroça, será mais prático.
Já sinto os meus nervos tremendo e as minhas entranhas em extremo êxtase, é como me sinto antes de me apossar de algo que não é meu.
Eu gosto. Eu realmente gosto.
Devo ser um doente maluco, mas eu gosto.
Gosto de saber que alguém sentirá falta de algo que eu roubei. Isso é cruel, mas, eu gosto.
Esse sou eu.
Acendo o meu cachimbo e saio do meu esconderijo, caminhando em direção à venda.
– Olá, forasteiro!? – Uma moça se insinua assim que me enxerga adentrando. – Precisa de algo? Uma companhia, talvez?
– Por enquanto eu preciso de uma bebida, apenas. – Chego até o balcão, sob olhares de três homens sentados em uma mesa, analiso-os disfarçadamente.
Típicos.
Nada fora do comum, nada com o que eu deva me preocupar.
– Ei! Você! – Um dos três homens me chama.
– Boa noite. – Aceno.
– Junte-se à nós, amigo. – O segundo homem convida.
Ótimo. Preciso recolher informações.
Me levanto e caminho até eles.
– Boa noite. – Sorrio. – Os amigos são muito gentis, em me convidar para me juntar à vocês.
– Vi quando você chegou à nossa pequena vila, como está sua esposa?
– Minha esposa já adormeceu, sabe como são as mulheres, dormem cedo. – Pego a bebida que a moça acabou de me entregar.
– Eu não durmo cedo, na verdade eu fico acordada a noite toda. – A moça diz sorrindo e se retira.
Eu e os três homens ficamos observando ela se retirar.
– Gisela, a diaba da nossa vila. – O mais mirradinho diz com o olhar sonhador.
– Todas as mulheres são umas diabas, companheiro, pra bem ou pra mal. – Comento.
– Você me parece ser um bom homem, como se chama? O meu nome é Lúcio.
– O meu nome é Isaque. – Minto descaradamente.
Eu não posso bobear e dizer meu nome de verdade. Nunca se sabe.
– Eu sou o Pedro.
– E eu sou o Juca.
– Estou honrado em conhecer vocês. – Digo levantando o copo é eles levantam também.
– Venha fazer uma visita para mim e minha esposa, antes de partir. – Lúcio convida. – Assim nossas esposas se conhecem também.
– De certo que irei. – Sorrio e bebo um gole da minha bebida, quando de repente ouvimos barulho de cavalos e homens se aproximando com rapidez.
– Mais forasteiros? – Comenta a mulher moça lá do balcão.
– São guardas! São os homens do exército de Kahabe! – Um dos meus mais novos companheiros diz lá da porta.
Tão rápido pensei, dois dos soldados já apareceram na porta.
Me levanto em pé, pronto para qualquer coisa. Como sempre.
Vicent– Estamos à procura de um criminoso alto e branco de aproximadamente trinta anos, ele roubou o santo mosteiro e sequestrou uma das irmãs, se alguém aqui o está escondendo, será julgado como cúmplice de roubo e sequestro. – O guarda superior diz em tom sério e acusador.– Aqui não tem ninguém com essa característica, somos todos homens de bem e não iríamos apoiar tamanho crime. – Digo fingindo indignação.– Sim, aqui não há nenhum ladrão. – Lúcio afirma.Os guardas entram ainda mais e começam a vasculhar por tudo.Eu nunca fui tão perseguido dessa forma, talvez Kahabe seja mais intolerante com ladrões. Deve ser por isso que o reino é próspero.– Iremos pernoitar em sua vila, nos acolham em nome do rei Garth, amanhã iremos retomar as buscas pelo criminoso, a irmã que ele sequestrou está correndo enorme perigo, el
Sessenta e nove dias depois...TrentoAproximadamente vinte e seis anos se passaram. Longos e infindáveis vinte e seis anos.– Querido!? – Me sobressalto com a voz calma de Diane. – Está perdido em pensamentos novamente?Eu sobrevivi. Posso dizer com todas as letras que a vida não é fácil. Poderia ter sido mais fácil, mas dificilmente é.– Sim. – Sussurro sem muita atenção.Estou há vinte e seis anos procurando, procurando e procurando. Não perco as esperanças, preciso encontrar o meu filho. Algo me diz que ele está próximo. Não posso desistir de encontrar ele.– Suas filhas estão lhe aguardando para o passeio que prometestes à elas. – Diane beija as minhas mãos e então se retira, deixando-me com meus pensamentos em minha poltrona do gabinete.Ela é uma boa esposa, uma b
Aproximadamente vinte dias depois...VicentConfesso que eu nunca estive em um calabouço tão bem guardado, essa é nova pra mim, geralmente eles me jogam em uma masmorra qualquer de fuga fácil. Kahabe é mesmo um país diferente, com leis mais severas. Espero não ser decapitado. Estou sentado em um canto escuro, o mais retirado possível dos ferros que me cercam, e se eu quiser ficar em pé não terei espaço o suficiente para que eu fique de corpo bem esticado, aqui é muito baixo. Não tomo banho desde há muito tempo, estou fedendo, essa situa&ccedi
Vicent– Eu não quero atrapalhar os seus planos, posso lhe falar depois que você já tiver feito o que seja que tiver que fazer aqui nesse buraco. – Digo assim que saio de dentro da cela.O rei só só fica me olhando. É, eu estou horrível.– Vicent, demonstre mais modos ao se dirigir ao grandioso rei de Marlenout! – Tobias diz entredentes.– Rei de Marlenout? Pensei que estivéssemos em Kahabe... Eu estou a tanto tempo nesse lugar asqueroso que perdi a noção de tudo, perdão, majestade. – Me reverencio sentindo-me confuso.– Pare com isso. – O rei me diz com um olhar estranho.Ele parece estar sentindo algum tipo de dor.Este ligar aqui em baixo faz isso com as pessoas.– Está se sentindo bem, majestade? – Tobias pergunta visivelmente preocupado.– Eu garanto que quando o senhor ver o tesouro, t
Trento– Rei, digo, majestade, ao longo da minha caminhada eu encontrei um magnífico tesouro! Digno da sua grandiosidade, lhe trará muita glória e honra, poderá expandir muito mais a sua soberania por todos os outros reinos do mundo. – Interessante. – Se vossa majestade perdoar os meus crimes que eu confesso, roubei, lembrando que eu não sequestrei a jovem irmã, ela fugiu por livre e espontânea vontade, mas, se vossa majestade perdoar os meus crimes, eu lhe asseguro que será muito bem recompensado com o maior tesouro já visto pela humanidade. – Muito interessante a forma como ele tenta me enrolar para que o eu o tire daqui.Ele é inteligente.– Tire-no daí, ande! Estou com muita pressa! Tire-no dessa cela imunda! – Afinal, não sei o que esse homem está esperando.– Isso, majestade, o senhor está fazendo a coisa certa. – Meu coração está dilacerado.
LíviaMeu pai custou acreditar que eu não fui sequestrada. E quando eu finalmente consegui convencê-lo, ele quase morreu de um ataque cardíaco que deu nele.Desde que os soldados nos encontrou, à mim e ao Vicent, estou me sentindo culpada.Por minha causa ele foi pego, por mim causa ele morreu...Meu coração sangra muito pela morte de Vicent. Meu pai é muito cruel.Me lembro claramente, da conversa que eu tive com ele, em prantos:"– Eu o enforquei! Você nunca mais verá aquele criminoso em sua vida, pois ele colocou em risco a sua reputação! Sabe o que poderia ter lhe acontecido?– Mas pai! Ele não fez nada comigo! Ele era um homem gentil e cavalheiro! O mau modo dele foi consequência de uma vida miserável! Você não pode estar falando sério! Você não o matou!– Está chorando por quê minha filha? E depois desses lamentos todos você vem me dizer que e
TrentoConfesso que no fundo eu fiquei aliviado. O danado sabe se cuidar. Mas é de suma importância que eu o recupere. Ele precisa estar ao meu lado e ser o meu filho.Vim até o gabinete de Garth atrás de notícias.– Garth, alguma novidade sobre o meu filho?– Não, lamento Trento, mas garanto que será encontrado, ele não conseguirá escapar de meus homens.– Ele está confuso, ele não sabe que...– Ele é um homem perigoso, capaz de maldades extremas, sinto muito, mas você não deve simplesmente confiar nele... Ele nos roubou! Depois de você o tratar com tanta relevância!– Não se esqueça que ele esteve preso aqui por meses! Ele provavelmente quis revidar, sabemos o que a revolta pode levar o ser humano a fazer.– Entendo que ele é seu filho, mas, ele é um criminoso, roubou a sua coroa, isso é imperdoável! Roubou minhas taças raríssimas! Sin
Trento– Será feito como vossa majestade ordenou.– Ótimo, amanhã ao amanhecer voltaremos à Marlenout.Uma parte do meu coração está tranquila, recuperei meu filho. Eu não iria me perdoar se eu o deixasse ir de novo, e sem conhecer suas verdadeiras origens. Não. Isso não poderia acontecer. Estou realmente tranquilo por tê-lo recuperado.Optei por não dizer nada à ele aqui em Kahabe, contarei toda a história do nascimento dele ao lado da sepultura de Hadassa, assim sinto que não estarei sozinho.Por enquanto, enquanto estamos em Kahabe, meu filho ficará sob vigilância, em um espaçoso e confortável quarto. Ainda não o vi depois que ele fugiu, e estou adiando este momento.O que deverei dizer?Nunca me senti dessa forma, isso é novo pra mim, em plenos cinquenta e três anos de idade. Eu que já vivi e suportei tantas coisas, agora me encontro sem palavras. O que ma