Vicent
– Estamos à procura de um criminoso alto e branco de aproximadamente trinta anos, ele roubou o santo mosteiro e sequestrou uma das irmãs, se alguém aqui o está escondendo, será julgado como cúmplice de roubo e sequestro. – O guarda superior diz em tom sério e acusador.
– Aqui não tem ninguém com essa característica, somos todos homens de bem e não iríamos apoiar tamanho crime. – Digo fingindo indignação.
– Sim, aqui não há nenhum ladrão. – Lúcio afirma.
Os guardas entram ainda mais e começam a vasculhar por tudo.
Eu nunca fui tão perseguido dessa forma, talvez Kahabe seja mais intolerante com ladrões. Deve ser por isso que o reino é próspero.
– Iremos pernoitar em sua vila, nos acolham em nome do rei Garth, amanhã iremos retomar as buscas pelo criminoso, a irmã que ele sequestrou está correndo enorme perigo, ela é alguém de grande importância, o criminoso atende pelo nome de Vicent, fiquem atentos, ele está por esses lados aqui, se ainda não chegou com certeza chegará essa noite. – O guarda me olha com um olhar desconfiado. – Você, qual é o seu nome, sujeito?
– O nome dele é Isaque, ele e a esposa são nossos amigos. – Lúcio diz antes que eu mesmo pudesse me defender.
– Certo, guardas, não há nada aqui, vamos descansar e amanhã assim que o sol nascer iremos retomar a tarefa. – Diz aos outros e todos se retiram.
– Aqui só há um lugar para onde eles podem ir? – Pergunto fingindo não me importar.
– Provavelmente ficarão no salão da igreja. – Juca responde com olhos assustados pra porta. – Espero que esse Vicent fique longe de nossa vila.
– Também espero. – Pedro.
– Esse Vicent é um homem sem escrúpulos, roubar um mosteiro? Sequestrar uma irmã! Que tipo de criminoso sem alma é esse? Se eu o visse eu mesmo o mataria! – Lúcio diz entredentes.
– Eu lhe ajudaria, meu amigo, eu lhe ajudaria. – Digo tomando o último gole que havia em minha caneca.
Lívia
O campo está verde e colorido, olhando de longe nem se parece com uma prisão. As flores em cor de rosa e roxo, se misturam ao verde e azul do céu. Tudo tão lindo. Seria perfeito, se não fosse a imagem atrás de mim.
Viro-me de costas e contemplo as estruturas de pedra, uma visão assustadora, tem até pássaros assustadores sobrevoando ao redor.
Começo a sentir um desespero conhecido tentando me dominar.
Preciso fugir daqui. Não aguento mais.
Corro em direção às flores, não Sei o que tem além delas, mas é para lá que eu preciso correr, não posso voltar para trás. Não posso.
Corro. Corro. Quase tropeço. Continuo correndo.
Por quê eu nunca chego em lugar nenhum?
– Lívia? – Ouço alguém me chamar ao longe. – Lívia! Acorde! Precisamos ir embora!
– Quem está aí? Apareça agora! Você precisa me ajudar!
– Lívia! – Acordo com alguém me sacudindo.
– O quê? Onde estou? Preciso fugir! Quero ir pra casa! – Digo me sentando na cama ainda meia confusa.
O quarto já está escuro, a luz vem apenas da claridade da lua na janela entreaberta.
– Levante-se em silêncio. – Vicent sussurra.
Imediatamente percebo que ele está falando sério. Alguma coisa está acontecendo.
– Fomos pegos? – Pergunto levantando-me e ajeitando o meu vestido.
– Tem vários soldados aqui, amanhã de manhã irão procurar por nós, estão me acusando de sequestro, e essa parte eu não devo, estou pensando seriamente em te deixar aqui, para eles te devolverem ao mosteiro. – Vicent diz me olhando dos pés à cabeça.
Ele não pode fazer isso.
Eu preciso chegar até o Palácio sozinha! Se eu chegar com os soldados, então tudo estará perdido, não irei conseguir provar nada ao meu pai.
– Por favor senhor Vicent, o senhor não pode me deixar aqui, precisa me levar até Luzem, por favor! Eu lhe imploro! Imploro! – Tento sacudir ele pelos braços, para demonstrar o tamanho do meu medo em ficar.
Eu senti uma força nos braços dele, notei o quanto sou pequena e frágil perto dele.
Ele me assusta quando me abraça, pondo minha cabeça em seu peito, apertando-me com seus braços. Sinto o meu corpo todo em alerta de calor e medo. Vicent abaixa seu rosto até o meu e encosta a sua boca em meu ouvido.
– Xiihhh você está falando alto demais. – Sussurra me fazendo sentir seu hálito aquecer o meu pescoço. – Vamos então.
Me afasto na primeira oportunidade, concordando em fazer silêncio.
– Vamos então. – Sussurro.
Sem mais perguntas eu o sigo em silêncio, ainda muito perturbada com esse meu nervosismo na presença de um homem bonito.
Já do lado de fora da hospedaria, respiro com mais liberdade. A noite está bem iluminada, a lua clara nos guiará o caminho.
– Teve informações sobre como chegaremos em Luzem? – Questiono tentando prender o meu cabelo enquanto o sigo pela estrada.
– Deixe solto, fica bem melhor.
– Hã?
– O seu cabelo.
– Ah sim! Eu prefiro prendê-lo. – Paro de caminhar, realmente preciso prendê-lo.
Vicent me fez sair às pressas, por isso estou tendo de fazer isso aqui.
Estou me sentindo muito mal, por isso não consigo ficar de cabelo solto. Me sinto uma fugitiva, claro, eu me tornei uma. E a culpa é de meu pai, que não honra a palavra dele.
– Chegaremos ao amanhecer, provavelmente. – Vicent diz quando chegamos ao lado de uma carroça preparada.
– Vai roubar essa carroça? Vai roubar esses dois cavalos? – Fico indignada. – O que há por baixo desses panos?
– Algumas peças valiosas, alguns vestidos bordados e... Salame. – Diz me ajudando a subir.
– Salame? Vestidos? Por que você precisa disso? – É, agora estou me sentindo muito pior.
– O salame é para comermos, os vestidos são presentes para você, e as peças são para mim negociar, sabe como é, tenho que me sustentar.
Inacreditável.
Vicent começa a guiar os cavalos em direção à saída do vilarejo.
– Muito obrigada pelos vestidos, de qualquer forma. – Agradeço a gentileza.
Esse é o modo como ele vive, e para ele deve ser normal.
– Imagina, é para que não se esqueça de mim, porque nunca mais irá me ver. – Consigo vê-lo sorrir.
Não sei o motivo para ele se alegrar com isso.
Bom, eu também fico muito feliz que não o verei mais.
Mentira, ficarei triste. Esse estranho criminoso me passa um sentimento estranho, não consigo sentir medo dele. Talvez eu seja ingênua, como ele mesmo já me disse, mas eu me afeiçoei à ele.
Quando estamos prestes a sair do vilarejo somos surpreendidos com uma emboscada de soldados, meu coração quase sai pela boca com o tamanho do susto.
– E agora, Vicent? – Me encolhi entre os meus braços.
Vicent me olha tentando me confortar, me passando um olhar confiante.
– Você não fez nada, não se preocupe. – Pisca pra mim.
– Bem que eu desconfiei de você, seu rato. – Um soldado, provavelmente o superior. – Não se preocupe irmã, iremos te levar de volta ao mosteiro.
Começo a chorar de desespero, meu corpo todo começa a tremer enquanto observo os soldados puxando Vicent da carroça com brutalidade.
"Deixem-no em paz". Peço mentalmente. Mas, meus nervos não me permitem por em voz alta.
Sessenta e nove dias depois...TrentoAproximadamente vinte e seis anos se passaram. Longos e infindáveis vinte e seis anos.– Querido!? – Me sobressalto com a voz calma de Diane. – Está perdido em pensamentos novamente?Eu sobrevivi. Posso dizer com todas as letras que a vida não é fácil. Poderia ter sido mais fácil, mas dificilmente é.– Sim. – Sussurro sem muita atenção.Estou há vinte e seis anos procurando, procurando e procurando. Não perco as esperanças, preciso encontrar o meu filho. Algo me diz que ele está próximo. Não posso desistir de encontrar ele.– Suas filhas estão lhe aguardando para o passeio que prometestes à elas. – Diane beija as minhas mãos e então se retira, deixando-me com meus pensamentos em minha poltrona do gabinete.Ela é uma boa esposa, uma b
Aproximadamente vinte dias depois...VicentConfesso que eu nunca estive em um calabouço tão bem guardado, essa é nova pra mim, geralmente eles me jogam em uma masmorra qualquer de fuga fácil. Kahabe é mesmo um país diferente, com leis mais severas. Espero não ser decapitado. Estou sentado em um canto escuro, o mais retirado possível dos ferros que me cercam, e se eu quiser ficar em pé não terei espaço o suficiente para que eu fique de corpo bem esticado, aqui é muito baixo. Não tomo banho desde há muito tempo, estou fedendo, essa situa&ccedi
Vicent– Eu não quero atrapalhar os seus planos, posso lhe falar depois que você já tiver feito o que seja que tiver que fazer aqui nesse buraco. – Digo assim que saio de dentro da cela.O rei só só fica me olhando. É, eu estou horrível.– Vicent, demonstre mais modos ao se dirigir ao grandioso rei de Marlenout! – Tobias diz entredentes.– Rei de Marlenout? Pensei que estivéssemos em Kahabe... Eu estou a tanto tempo nesse lugar asqueroso que perdi a noção de tudo, perdão, majestade. – Me reverencio sentindo-me confuso.– Pare com isso. – O rei me diz com um olhar estranho.Ele parece estar sentindo algum tipo de dor.Este ligar aqui em baixo faz isso com as pessoas.– Está se sentindo bem, majestade? – Tobias pergunta visivelmente preocupado.– Eu garanto que quando o senhor ver o tesouro, t
Trento– Rei, digo, majestade, ao longo da minha caminhada eu encontrei um magnífico tesouro! Digno da sua grandiosidade, lhe trará muita glória e honra, poderá expandir muito mais a sua soberania por todos os outros reinos do mundo. – Interessante. – Se vossa majestade perdoar os meus crimes que eu confesso, roubei, lembrando que eu não sequestrei a jovem irmã, ela fugiu por livre e espontânea vontade, mas, se vossa majestade perdoar os meus crimes, eu lhe asseguro que será muito bem recompensado com o maior tesouro já visto pela humanidade. – Muito interessante a forma como ele tenta me enrolar para que o eu o tire daqui.Ele é inteligente.– Tire-no daí, ande! Estou com muita pressa! Tire-no dessa cela imunda! – Afinal, não sei o que esse homem está esperando.– Isso, majestade, o senhor está fazendo a coisa certa. – Meu coração está dilacerado.
LíviaMeu pai custou acreditar que eu não fui sequestrada. E quando eu finalmente consegui convencê-lo, ele quase morreu de um ataque cardíaco que deu nele.Desde que os soldados nos encontrou, à mim e ao Vicent, estou me sentindo culpada.Por minha causa ele foi pego, por mim causa ele morreu...Meu coração sangra muito pela morte de Vicent. Meu pai é muito cruel.Me lembro claramente, da conversa que eu tive com ele, em prantos:"– Eu o enforquei! Você nunca mais verá aquele criminoso em sua vida, pois ele colocou em risco a sua reputação! Sabe o que poderia ter lhe acontecido?– Mas pai! Ele não fez nada comigo! Ele era um homem gentil e cavalheiro! O mau modo dele foi consequência de uma vida miserável! Você não pode estar falando sério! Você não o matou!– Está chorando por quê minha filha? E depois desses lamentos todos você vem me dizer que e
TrentoConfesso que no fundo eu fiquei aliviado. O danado sabe se cuidar. Mas é de suma importância que eu o recupere. Ele precisa estar ao meu lado e ser o meu filho.Vim até o gabinete de Garth atrás de notícias.– Garth, alguma novidade sobre o meu filho?– Não, lamento Trento, mas garanto que será encontrado, ele não conseguirá escapar de meus homens.– Ele está confuso, ele não sabe que...– Ele é um homem perigoso, capaz de maldades extremas, sinto muito, mas você não deve simplesmente confiar nele... Ele nos roubou! Depois de você o tratar com tanta relevância!– Não se esqueça que ele esteve preso aqui por meses! Ele provavelmente quis revidar, sabemos o que a revolta pode levar o ser humano a fazer.– Entendo que ele é seu filho, mas, ele é um criminoso, roubou a sua coroa, isso é imperdoável! Roubou minhas taças raríssimas! Sin
Trento– Será feito como vossa majestade ordenou.– Ótimo, amanhã ao amanhecer voltaremos à Marlenout.Uma parte do meu coração está tranquila, recuperei meu filho. Eu não iria me perdoar se eu o deixasse ir de novo, e sem conhecer suas verdadeiras origens. Não. Isso não poderia acontecer. Estou realmente tranquilo por tê-lo recuperado.Optei por não dizer nada à ele aqui em Kahabe, contarei toda a história do nascimento dele ao lado da sepultura de Hadassa, assim sinto que não estarei sozinho.Por enquanto, enquanto estamos em Kahabe, meu filho ficará sob vigilância, em um espaçoso e confortável quarto. Ainda não o vi depois que ele fugiu, e estou adiando este momento.O que deverei dizer?Nunca me senti dessa forma, isso é novo pra mim, em plenos cinquenta e três anos de idade. Eu que já vivi e suportei tantas coisas, agora me encontro sem palavras. O que ma
Vicent- Provavelmente você será escravizado, é raro, mas acontece. - Um dos soldados do rei de Marlenout me respondeu assim que fui enfiado dentro de um navio sofisticado.Sinto um nó se fazer dentro de minha garganta.Todos os caminhos que eu trilhei, cada decisão que eu tomei, todas elas me trouxeram aqui. E se for esse o meu fim, aceitarei.Vou procurar aproveitar a viagem, já que estou sendo muito bem tratado.Estou em um quarto pequeno, mas muito bem organizado e limpo, eu diria que é digno da nobreza, claro se fosse maior.Acabaram de me servir um banquete muito apetitoso. Se eu soubesse que ser pego seria tão bom assim, eu não teria corrido tanto.Depois de satisfazer a minha fome eu me encaminho até a porta e tento abrir.Está aberta. Estico minha cabeça para fora e surpreendente não vejo nenhum soldado.