Em 2018 escrevi e publiquei a Crônica – Rezá, chorá e trabaiá. Uma leitora, de Cuiabá – MT – leu e se manifestou a respeito, me instigando e inspirando a escrever esta, digamos, continuação daquela. Abaixo transcrevo ipsis litteris seu comentário.
“Olá, Edson! Que bonito! "Rezá, chorá e trabaiá" é parte da vida e da história das mulheres da minha família. Talvez a ordem, para elas, fosse um pouco diferente: Trabaiá, rezá e chorá". É que o trabalho e o desafio de dar conta da casa, dos filhos e da vida, sempre estava em primeiro lugar. Por causa disso, elas rezavam buscando forças. Por causa disso, choravam até dormir. De cansaço, de tristeza, de solidão por não encontrarem esperanças de que as coisas poderiam melhorar e, na maioria das vezes, por não terem sequer o ombro de um bom companheiro no qual se apoiar. Era e é ainda, para muita gente, uma vida dolorida. Muitas vezes triste, mas bonita. Não há como não ser estando vivos, sabendo rezar e chorando de vez em quando pra aliviar o peso do mundo. Obrigada! Lendo seus textos sempre que consigo.”
Liliane Coelho
Como ela fala em seu brilhante, poético e tocante comentário, inspira-me fortemente refletir a ordem de ações e sentimentos que na história das mulheres da sua família aconteceu. Por outro lado, nunca me saíram da lembrança as palavras daquela simpática e agradável senhora – dona Lena – do Mercado Municipal de São João Del Rei, que me induziu a compor a primeira crônica: “Rezá, chorá e trabaiá”.
Sim, repercutindo mais uma aquilo que a senhora de melancólicos e belos olhos azuis dissera, aproveitando-me das palavras sinceras de Liliane e, mais ainda, retomando minha observação ao final da citada crônica neste dueto temático, quero me ater ao seguinte:
Como Liliane, com toda a propriedade e emoção, externou em seu comentário, no profundo lamento das mulheres de sua família a sequência – trabaiá, rezá e chorá – por acaso não poderia a dona da banca do mercado ter sentido e falado assim também???
Ou seja, por que dona Lena disse suas palavras nesta ordem: rezá, chorá e trabaiá? Por quê?
*Mutatis mutandis, creio que se ela falasse nesta ordem: trabaiá, rezá e chorá – como sente e sugere Liliane, ficaria mais coerente com a saga dessas Mulheres – Guerreiras da Luz – às quais pretendo homenagear nesta Crônica.
Neste ponto, aproveito para remeter às minhas origens e à linhagem feminina de minha família, numa breve rememoração e contar algo de minha mãe para, neste espaço, honrar, especialmente essas guerreiras e heroínas de todos os tempos!
Quando minha mãe tinha somente os três primeiros filhos – nós somos em seis e eu sou o quarto, portanto não tinha nascido ainda – meus irmãos eram todos pequenos, tipo escadinha como se falava: 5, 3 e um ano de idade. Minha família morava em Bela Vista, na fronteira com o Paraguai, Mato Grosso do Sul, desde sempre Mato Grosso. Meu pai era do Exército e permanecia dias e dias longe de casa, com o pelotão, guarnecendo a fronteira. A mãe ficava sozinha com as três crianças. Ele sempre deixava com ela um revólver Colt 45, porque era uma região muito perigosa. Lembro-me, ela nos contou anos mais tarde, de que cansou de matar galinhas no quintal pensando que fossem ladrões ou bandidos! Ela relembrava isso entre uma gostosa gargalhada e uma mexida na panela onde cozinhava um delicioso carreteiro no fogão. Segundo seus relatos, certa noite, ao ouvir no terreiro um barulhão, entreabriu a janela da cozinha e... bum! bum! bum! Disparou três tiros! Para não gastar todas as balas, conforme papai lhe ensinara. Só ouviu o escandaloso cacarejar da galinhada e um zum-zum-zum sem fim! Uma tremenda barulhada! Mas nada de bandido ou ladrão! Eita Mulher Valente! Mulher Guerreira! Uma verdadeira Amazona! Ela contava isso e ria toda feliz. Confessava que sentia medo, claro que sim, mas de certa forma, aquele baita 45 em suas mãos (sim, só conseguia segurar com as duas!) lhe dava confiança, por isso, toda vez que se assustava com barulho no quintal, meio que abria a janela e sapecava fogo! Na manhã do dia seguinte, morria de pena, pois sempre encontrava pelo menos uma infeliz penosa morta pelas balas do seu berro.
E se eu lhes contar a idade de minha mãe nessa época, vocês não vão acreditar! Minha mãezinha tinha apenas 21 anos! Vinte e um! Isso mesmo. Ela se casou com 15 e com 16 teve o primeiro filho, meu irmão mais velho. Uma menina-mãe!
Inacreditável, não é verdade?
Isso explica o fato de que, ao narrar para nós suas histórias, muito tempo depois daquela época, mamãe o fazia com uma doce amargura na voz e dizendo o quanto tinha sido duro, difícil mesmo, sobreviver àquela vida, pois com três filhos pequenos (o mais velho tinha apenas 5 anos!), ela totalmente sozinha, numa região pobre, inóspita, infestada de marginais de toda a espécie, e quando e onde ela fazia de tudo: cuidava das crianças, da casa, cozinhava, lavava a roupa no rio Apa, que banha Bela Vista, fazia compras e, à noite, após todos os três dormirem, ela, exausta física e emocionalmente pela lida, caía na cama, morta de sono e cansaço, ao mesmo tempo que tinha medo de dormir, pois podia aparecer algum bandido. Então, deitava-se de lado, os três pequeninos aninhados ao seu peito, e com o Colt 45 grudado em suas mãos, dedo no gatilho – como se fosse o Rosário que as beatas mantêm entre os dedos ao rezarem para seus santos em cantoria – e ali, estoicamente permanecia de olhos abertos, doida pra fechá-los... naquele sagrado e icônico momento de uma Mãe Leoa, enquanto rezava sua própria reza de Mãe menina e... depois chorava que chorava, mas quase não dormia!
Sim, minha mãe – dona Alba Pereira de Deus – assim como centenas de milhares de mães, como as mulheres da família de Liliane, como dona Lena, do Mercado Municipal de São João Del Rei, como tantas outras Mulheres Especiais - Guerreiras da Luz de tantas gerações passadas de tantas outras famílias – viveram e... morreram para esse fim. E muitas, infelizmente, ainda vivem essa vida!
Trabaiavam o dia todo, todos os dias naquela lida!
Rezavam à noite antes de o sono chegar...
Tantas vezes sem dormir nem conseguiam contar.
Pois choravam em todas as noites de sua vida!
Trabaiá! Rezá! E Chorá!
Essa era a sina daquelas grandes Mulheres! Enquanto nossos pais, avôs e todos da linhagem masculina, apoiados por uma insustentável tradição machista, viviam suas vidas alheios à saga de suas mulheres, esposas e filhas, Elas – verdadeiras heroínas – sem outros meios, cuidavam dos filhos e do lar para que hoje, eu, por exemplo, esteja – aqui e agora – lhes fazendo este preito justo e sincero. Triste e egoísta geração de homens aquela de outrora, da qual Nós, todos os homens desta hora, somos herdeiros, MAS de que Eu, particularmente, me libertei graças à Espiritualidade que me deu um Pai terreno – Seu João Evangelista Alves de Deus, Um Homem iluminado e superior a esse ranço – bem como à minha força de vontade hercúlea, ao meu crescimento espiritual e ao aprimoramento como Ser humano que me ajudaram a cortar esses laços de um triste passado machista!
É dessa têmpera de Mulher que Liliane Coelho fala. E é a Essa Mulher que quero honrar e dirigir minhas palavras, a razão de ser desta minha crônica:
Mulher Filha!
Mulher Mãe!
Mulher Avó!
Mulher Esposa!
Mulher Mística!
Mulher Dona de Casa!
Mulher Profissional!
Mulher Empresária!
Mulher Amazona!
Mulher Guerreira!
Mulher Lutadora!
Mulher Heroína!
Mulher Vencedora!
Mulher Feminina!
Mulher – o útero de toda Vida!
Você – Mulher – Esse Ser Especial que nos torna – a nós, Homens – Seres melhores!
Você – Mulher – Esse Ser Especial – que veio ao Mundo para gerar e dar sentido à Vida de todos Nós!
E a Você – Mulher – que ora me dá a honra de ler e apreciar esta Crônica, minha eterna gratidão e a gratidão de todos os homens de bem e do Bem!
São João Del Rei, 24 de agosto de 2020
Nota de rodapé:
*Mutatis Mutandis, expressão latina que significa “mudando o que pode ser mudado.”
Certo dia, há alguns anos passados no meio do esplêndido verde da nossa pujante natureza, nasceu um sabiá (sabiam que o Brasil é a terra deles?), mais precisamente em Mato Grosso do Sul. Pois bem, esse passarinho, assim que abriu os olhos, desgrudou as peninhas da asa de seu pequenino corpo, tentou voar e... caiu. Tentou de novo, tornou a cair. Mais uma vez quis voar e nada. Então, levantando-se... (“A maior gloria não é ficar de pé, mas levantar-se cada vez que cair.”), olhou para a mãe e quis saber por que não conseguia voar?Mamãe sabiá – de peito inchado - olhando com orgulho e ternura para seu pequeno rebento, diz:- Meu filho, calma, ainda não é o momento de você voar. Você tem uma sábia missão, sabia? Mas primeiro aprenderá a voar.E o recém-nascido sabiá, curioso – c
Quando eu era guri, em Campo Grande / MS, meu útero pátrio, eu queria ser matador de aluguel. Isso mesmo, gente: matador de aluguel! Não acreditam?! Verdade, sim, não se impressionem, nem se assustem, pois ao longo de minha caminhada nesta vida, até o presente, só matei insetos (baratas, ratos, aranhas), atropelei um gatinho na Avenida Ernesto Geisel, na cidade Morena (ele atravessou que nem um raio à minha frente), matei uma seriema na BR 262 a caminho de Três Lagoas (corria muito nas estradas), matei algumas pacas na fazenda de meu avô materno, e... muitos passarinhos com estilingue, quando criança. Já pedi perdão e já me perdoei por isso! Sinto muito, Natureza! Sinto muito, Mãe Terra! Me perdoem! Matador de aluguel! Quanto charme nessa proposta! Quanto mist
Avistei, a alguns metros à minha frente, a enorme, instigante e chamativa faixa escrita com esse ambíguo sentido acima; nela havia mais algumas frases. Ela atravessava a rua, amarrada em postes dos dois lados, bem na frente de uma barbearia que estava sendo inaugurada ali no bairro. Parei o carro, desci, peguei do celular e, inicialmente, filmei; depois tirei algumas fotos da fachada da Barbearia bem como de outros ângulos da faixa, pois, como já escrevi, havia nela mais Fatos Linguísticos bastante úteis para eu trabalhar em minhas aulas de Língua Portuguesa no cursinho e nas aulas de concursos públicos. Era o ano de 2004. Estávamos no início de uma agradável Primavera, e eu, ali, naquele momento, aproveitava o tempo l
Em 2010, morava eu em Campo Grande / MS – meu útero pátrio – e lá trabalhava num dos melhores cursinhos preparatórios de vestibulares e para o Enem, quando a diretoria nos indicou, a mim e a alguns colegas para irmos a São Gabriel do Oeste que dista uns 140 quilômetros da cidade Morena – nossa capital – para dar Aula de Véspera.Essa era uma prática comum do Curso onde trabalhávamos e, duas vezes ao ano, viajávamos para cidades no entorno de Campo Grande para esse trabalho, que era extremamente prazeroso!Pois bem, não lembro por que exatamente, mas sei que não viajei com meus colegas e acabei indo sozinho numa sexta-feira à tarde.A estrada que liga Campo Grande a São Gabriel do Oeste – * BR 163 – é esplêndida: um imenso e infinito platô, povoado de savanas de ambos os lados, entremeada por extensa
Eu amo música. Ouço o dia todo, todo dia. Ela preenche meu Espírito e me leva a viajar e, nesse percurso repleto de emoção, me inspiro e como o ar que respiro, eu burilo a palavra – este ente abstrato e repleto de nuances que exerce um poder tão forte em mim que, diariamente, soa e ressoa em meu coração como uma doce melodia que repete, repete e, repetindo-se em relances sem parar, aquilo tudo se transforma em poesia... Recentemente, assistindo ao vídeo de Toby Keith e Clint Eastwood, na instigante música – Don’t let the old man in – “Não deixe o velho entrar”, comecei a refletir sobre a mensagem contida naquela canção, daí por que nasceu em mim esta inspiração a cada respirar...&nbs
A garotinha parecia um anjo. Cabelos loirinhos cacheados, de tão claros que eram, lembravam aqueles anjinhos barrocos dourados... linda! Extremamente charmosa, tinha um sorriso encantador estacionado para sempre em seu rosto em cujas bochechas se viam sardas e mais sardas. Ela se deixava balançar no gostoso balanço, ao sabor do vento como se, na cauda de uma águia, nas nuvens estivesse. Enquanto isso, o menino - que de longe, ali no parque a observava extasiado – não despregava os olhos e os sentidos daquele anjo de candura. E ficou assim talvez uma hora, quem sabe umas quatro, porque a menina não saiu daquele balanço a tarde toda. Inda mais quando ela percebeu estar sendo apreciada e sendo objeto de admiração. Daí despertou em seu âmago – ainda que fosse uma criança – a essência da natureza feminina: a arte d
Olhar fixo, orelhas em pé na posição de escuta, cabeça imóvel e cauda reta. Assim permanecia o belíssimo Perdigueiro no meio das savanas que se espraiavam pela extensa planície. Alerta, mantinha-se estático quando seu extraordinário olfato captou o cheiro da caça trazido pelo vento sul e lhe aguçou os sentidos, deixando seus pelos eriçados! Essa reação só veio atestar a fama desse cão ser um caçador nato, o que faz parte da cultura, da história, do folclore e da arte de nossa gente. Então, de repente houve a revoada e duas enormes perdizes saíram num voo desembestado em diagonal ao céu e na mesma direção! Nesse momento, o caçador – um senhor alto, esbelto, vestido a caráter &n
Seus passos eram macios e leves como os de uma pantera, tal a suavidade com que tocava o chão da calçada, enquanto suas ancas ondulavam ora à direita ora à esquerda e naquele balanço sensual e instigante, suas nádegas dançavam de um lado para o outro, realçando as sensuais e bem-feitas formas sob um colante vestido de linho branco, extremamente elegante, o que mostrava mais ainda a exuberância de suas sensacionais e estonteantes curvas. Era uma bela mulher! Morena, olhos castanhos claros, olhar que enxergava longe, a tudo observando, ao mesmo tempo em que a tudo parecia alheia, dada sua altaneira indiferença ao lugar, às pessoas e às coisas por onde caminhava – seu nariz estava sempre empinado. Tinha altura média (talvez uns 1,70 metros), cabelos negros e ondulados, que, ao toque da suave brisa vespertina de um outono me