Quando eu era guri, em Campo Grande / MS, meu útero pátrio, eu queria ser matador de aluguel. Isso mesmo, gente: matador de aluguel! Não acreditam?! Verdade, sim, não se impressionem, nem se assustem, pois ao longo de minha caminhada nesta vida, até o presente, só matei insetos (baratas, ratos, aranhas), atropelei um gatinho na Avenida Ernesto Geisel, na cidade Morena (ele atravessou que nem um raio à minha frente), matei uma seriema na BR 262 a caminho de Três Lagoas (corria muito nas estradas), matei algumas pacas na fazenda de meu avô materno, e... muitos passarinhos com estilingue, quando criança. Já pedi perdão e já me perdoei por isso! Sinto muito, Natureza! Sinto muito, Mãe Terra! Me perdoem!
Matador de aluguel! Quanto charme nessa proposta! Quanto mistério! Quanto perigo! Quanto de surreal! Pois é, caríssimos leitores. É fato. Esse era meu sonho de menino. Um dos...O outro era ser caminhoneiro (conheci um na infância que tinha uma namorada em cada cidade por onde ele passava, e isso me instigava, me enchia a cabeça de fantasias...), mas esse é assunto para outra crônica, prometo. E há toda uma mística, pura magia por detrás desses meus devaneios infantis.
Hoje não, claro, mas na minha infância as crianças não tinham uma noção exata do que era a realidade dos fatos como elas a possuem agora. Não, de jeito nenhum. Éramos ingênuos e muito mais puros, inocentes. Ignorantes das coisas, até. Mal sabíamos, nós os meninos, como era a genitália feminina – motivo de embaraçosas e hilárias situações incontáveis vezes – quanto mais imaginar o que era ser um assassino profissional. Nunca!
De lá para cá houve uma evolução assustadora. Impactante. Atualmente, crianças de 2, 3 anos têm postura de espantar o mais avançado dos pais. Pré-adolescentes na faixa dos 12 anos fazem e falam coisas que rapazes há cinco décadas nem sequer imaginavam falar ou fazer. As transformações são quase absolutas. Paradigmas foram e continuam sendo quebrados todos os dias. Nestes últimos 60 anos o mundo sofreu mais transformações que em dois mil anos! E isso é um verdadeiro fascínio do ponto de vista dos desafios que nos instigam a viver.
Mas voltemos à minha vocação de matador de aluguel... em sonhos, é claro!
Meus pais tinham – quando eu andava lá pelos 6, 8 anos – um amigo, gaúcho; tão amigo deles como aquele “que se guarda do lado esquerdo do peito”, tanto que ele frequentava muito a nossa casa a ponto de, com o tempo, tornarem-se compadres, pois ele virou padrinho de crisma do meu irmão mais velho.
Lembro-me de que ele aparecia com bastante assiduidade e, de repente, sumia. Ficava um bom tempo fora para – do mesmo jeito que tinha sumido – reaparecer, assim, do nada. Por questões de privacidade e em respeito à memória dele e à de meus pais, declino de citar seu nome.
Sempre chegava cavalgando seu lindo e portentoso tordilho, do qual desmontava com máscula elegância, em frente a casa, soltando na grama as rédeas do belíssimo animal, enquanto lhe estendia, na palma de sua mão, uma porção de sal grosso misturado com não sei o quê, daí, pacientemente, esperava seu belíssimo animal lamber orgasticamente aquelas saborosas partículas brancas; em seguida, retirava de suas botas as reluzentes esporas de prata, as quais pendurava no arreio da sela.
Então adentrava a casa, elegante, discreto, pouco falante, distribuindo presentes para a garotada (para mim e meus três irmãos mais velhos) e, infalivelmente, sempre trazia algo para meus pais, especialmente para minha mãe, não sem antes perguntar, respeitosamente, a meu pai, se podia entregar a ela. Entrava em casa com suas longas e típicas bombachas branco-bege, quando não vestia um terno de linho impecável e imaculadamente branco, botas pretas de cano alto (já sem o adorno das esporas), chapéu campeiro típico de gaúcho, passos firmes, cadenciados e medidos, olhar de águia que a tudo perscrutava – como se sempre esperasse o inesperado – sentava-se invariavelmente de frente para a porta, tirava o chapéu que mamãe, costumeiramente prestativa, colocava num cabide, e, nesse momento eu percebia seus lisos e longos cabelos negros, besuntados de brilhantina, penteados totalmente para trás; notava, também, do lado esquerdo de sua cintura, o cabo de madrepérola de um enorme revólver Colt “44”, cano longo, que ele, discreta e cuidadosamente acomodava ao se assentar, ao mesmo tempo que, sutilmente, ajeitava a bainha de uma longa faca de caça que também trazia à cintura; daí ele e meus pais passavam a saborear um apetitoso chimarrão enquanto entabulavam uma prosa sem fim, sempre em tom baixo e comedido. Nesse momento nos expulsavam da sala, pois ali não era lugar de “crianças”, como nos chamavam.
Essas visitas constantes e as longas e amigáveis conversas – sempre regadas pelo habitual chimarrão – repetiram-se por anos a fio. Com o passar do tempo fui descobrindo, por intermédio de minha mãe, que ele era homem valente e “matador profissional”, por isso muito perigoso. Era só e tudo o que ela sabia. Na época pedi à mamãe que me explicasse o que era aquilo. O que ela o fez com certa cautela e sem dar muitos detalhes, mas o suficiente para eu descobrir o que significava. Desde então nasceu em mim uma fortíssima admiração por aquele misterioso homem. Uma verdadeira idolatria. Queria ser como ele: matador de aluguel!
No meio das histórias contadas por nossa mãe, havia, é claro, muito de folclore, pois o que ela sabia “era de ouvir contar”, mas sempre ficou claro para nós, para mim e para meus três irmãos, que ele era extremamente perigoso.
Muitos causos vinham, da boca de mamãe, recheados de tiros e mortes e de quantos homens ele havia enfrentado e matado, das balas de seu revólver as quais, segundo ela soubera, eram todas “batizadas”, ou seja, ele abria uma cruz na ponta do projétil e colocava algum veneno lá dentro, fechava e bang! Onde pegasse o tiro, o caboclo estava morto, seja pela bala seja pelo veneno! Fato? Sinceramente não sei. Instigante? Folclórico? Com certeza.
Eu ouvia aquilo tudo maravilhado e sonhando, fechava os olhos e me via cercado de homens caídos por todos os lados, ou pelas balas do meu Colt 44 ou pelo veneno e, naquela catarse desvairada, minha imaginação cavalgava num belo tordilho tal qual o do valente matador gaúcho, pelos campos do pantanal mato-grossense realizando meu trabalho! E toda a vez em que, retornando a casa, após longo sumiço naquelas viagens a “serviço”, apeava de meu cavalo de raça, soltava suas rédeas na grama verdinha, e apreciava enlevado a uma bela mulher, formosa e cheia de graça, me esperando, sentada numa confortável rede gaúcha de descanso, sob um imenso varandão circundado de azaleias e hortênsias, enquanto Ela – que era minha esposa – linda e charmosa, balançava-se na rede, suavemente, tocando o chão levemente com seus pequeninos pés, à brisa de um agradável vento sul, me recebia toda carinhosa, me oferecendo a cuia do chimarrão e nesse instante, eu lhe entregava sempre um presente trazido de minhas andanças e matanças por todo aquele sertão...
Daí por que meus devaneios cresciam e à medida que isso acontecia, eu trancava dentro do peito aquele segredo proibido, misto de intenso desejo: eu seria matador de aluguel! E esses sonhos eram meus – só meus! Anseios que meu ídolo de menino despertara em minhas fantasias.
Muito tempo depois dessa época e “dos inúmeros homens que matei”, meu pai contou para meu irmão, afilhado do gaúcho, que este morreu como vivera: certa noite, voltando para casa, ao saltar de um ônibus, alguém o esperava de tocaia, deu três tiros nele, mesmo assim ele revidou os tiros e conseguiu matar o atirador ali no lugar; apesar disso, não sobreviveu aos ferimentos e, após uma longa e dolorosa hospitalização no Rio de Janeiro, para onde fora transferido, veio a falecer... esse foi o seu fim.
Os anos se passaram... a história, assim como meus pais e o valente gaúcho se foram no tempo e com o vento para outro espaço, para outra dimensão e hoje – aqui e agora – só ficou uma vaga lembrança do meu mito de criança que conseguiu, com sua misteriosa e mítica aura de matador, transformar-me, em meus desvarios infantis de outrora, num “perigoso matador de aluguel”.
E desse modo, aqueles desvairados sonhos de menino voaram – assim como [...] “voaram as pombas dos pombais” [...]; restaram-me somente as imagens que deles brotaram para compor esta crônica que dedico a todos aqueles que – como eu – tiveram seus ídolos e por causa deles, sonharam enlouquecidamente enquanto eram crianças.
Aqui eu me valho de uma frase profundamente expressiva do filme Alice no País das Maravilhas: “se você acha que está enlouquecendo, ficando maluco, pirado, ou que perdeu um parafuso, o segredo é que as melhores pessoas são essas como você!”
E nunca nos esqueçamos de que “todas as pessoas grandes um dia foram crianças”. Como nos ensinou Tistu – O menino do dedo verde!
E eu como POETA E PROSADOR APRENDIZ sou uma eterna CRIANÇA FELIZ, graças à Divindade e ao Universo.
Gratidão a tudo e a todos, em meu apê neste agosto que deu gosto de se viver! E até um outro dia em que “só o vento sabe a resposta...” do que pode acontecer após a ventania...
São João Del Rei – MG – 22 de setembro de 2019
Avistei, a alguns metros à minha frente, a enorme, instigante e chamativa faixa escrita com esse ambíguo sentido acima; nela havia mais algumas frases. Ela atravessava a rua, amarrada em postes dos dois lados, bem na frente de uma barbearia que estava sendo inaugurada ali no bairro. Parei o carro, desci, peguei do celular e, inicialmente, filmei; depois tirei algumas fotos da fachada da Barbearia bem como de outros ângulos da faixa, pois, como já escrevi, havia nela mais Fatos Linguísticos bastante úteis para eu trabalhar em minhas aulas de Língua Portuguesa no cursinho e nas aulas de concursos públicos. Era o ano de 2004. Estávamos no início de uma agradável Primavera, e eu, ali, naquele momento, aproveitava o tempo l
Em 2010, morava eu em Campo Grande / MS – meu útero pátrio – e lá trabalhava num dos melhores cursinhos preparatórios de vestibulares e para o Enem, quando a diretoria nos indicou, a mim e a alguns colegas para irmos a São Gabriel do Oeste que dista uns 140 quilômetros da cidade Morena – nossa capital – para dar Aula de Véspera.Essa era uma prática comum do Curso onde trabalhávamos e, duas vezes ao ano, viajávamos para cidades no entorno de Campo Grande para esse trabalho, que era extremamente prazeroso!Pois bem, não lembro por que exatamente, mas sei que não viajei com meus colegas e acabei indo sozinho numa sexta-feira à tarde.A estrada que liga Campo Grande a São Gabriel do Oeste – * BR 163 – é esplêndida: um imenso e infinito platô, povoado de savanas de ambos os lados, entremeada por extensa
Eu amo música. Ouço o dia todo, todo dia. Ela preenche meu Espírito e me leva a viajar e, nesse percurso repleto de emoção, me inspiro e como o ar que respiro, eu burilo a palavra – este ente abstrato e repleto de nuances que exerce um poder tão forte em mim que, diariamente, soa e ressoa em meu coração como uma doce melodia que repete, repete e, repetindo-se em relances sem parar, aquilo tudo se transforma em poesia... Recentemente, assistindo ao vídeo de Toby Keith e Clint Eastwood, na instigante música – Don’t let the old man in – “Não deixe o velho entrar”, comecei a refletir sobre a mensagem contida naquela canção, daí por que nasceu em mim esta inspiração a cada respirar...&nbs
A garotinha parecia um anjo. Cabelos loirinhos cacheados, de tão claros que eram, lembravam aqueles anjinhos barrocos dourados... linda! Extremamente charmosa, tinha um sorriso encantador estacionado para sempre em seu rosto em cujas bochechas se viam sardas e mais sardas. Ela se deixava balançar no gostoso balanço, ao sabor do vento como se, na cauda de uma águia, nas nuvens estivesse. Enquanto isso, o menino - que de longe, ali no parque a observava extasiado – não despregava os olhos e os sentidos daquele anjo de candura. E ficou assim talvez uma hora, quem sabe umas quatro, porque a menina não saiu daquele balanço a tarde toda. Inda mais quando ela percebeu estar sendo apreciada e sendo objeto de admiração. Daí despertou em seu âmago – ainda que fosse uma criança – a essência da natureza feminina: a arte d
Olhar fixo, orelhas em pé na posição de escuta, cabeça imóvel e cauda reta. Assim permanecia o belíssimo Perdigueiro no meio das savanas que se espraiavam pela extensa planície. Alerta, mantinha-se estático quando seu extraordinário olfato captou o cheiro da caça trazido pelo vento sul e lhe aguçou os sentidos, deixando seus pelos eriçados! Essa reação só veio atestar a fama desse cão ser um caçador nato, o que faz parte da cultura, da história, do folclore e da arte de nossa gente. Então, de repente houve a revoada e duas enormes perdizes saíram num voo desembestado em diagonal ao céu e na mesma direção! Nesse momento, o caçador – um senhor alto, esbelto, vestido a caráter &n
Seus passos eram macios e leves como os de uma pantera, tal a suavidade com que tocava o chão da calçada, enquanto suas ancas ondulavam ora à direita ora à esquerda e naquele balanço sensual e instigante, suas nádegas dançavam de um lado para o outro, realçando as sensuais e bem-feitas formas sob um colante vestido de linho branco, extremamente elegante, o que mostrava mais ainda a exuberância de suas sensacionais e estonteantes curvas. Era uma bela mulher! Morena, olhos castanhos claros, olhar que enxergava longe, a tudo observando, ao mesmo tempo em que a tudo parecia alheia, dada sua altaneira indiferença ao lugar, às pessoas e às coisas por onde caminhava – seu nariz estava sempre empinado. Tinha altura média (talvez uns 1,70 metros), cabelos negros e ondulados, que, ao toque da suave brisa vespertina de um outono me
Como se fosse uma tela de Monet... A senhora, sentada confortavelmente na ponta do imenso sofá, segura em seu colo o netinho caçula, largo sorriso de felicidade estampado no rosto, rodeada por uma dezena de outros netos – meninos e meninas – dos 4 aos 12 anos, amontoados à maneira típica das crianças sadias, todos sorrindo na mais pura alegria; os meninos, uns de bermudas, outros de calção; as meninas, umas de saia curta, outras de short, todos aprontam uma algazarra sem fim naquela gostosa e emblemática tarde de inverno mato-grossense. Tudo isso no aconch
À medida que ela narrava a história e descrevia o novo apartamento, sua respiração ofegava, sua fala trôpega arfava entre suspiros e respiros de saudades, enquanto seu peito buscava sofregamente o ar como fosse o último alento para seu coração ainda dolorido... e, assim, aquela bela e ainda jovem mulher nos colocava a par de sua recente vida de divorciada e de sua ainda quentinha separação. Era dezembro, próximo ao Natal, na pequena cidadezinha do Centro Oeste brasileiro. Acabara de entrar o verão, forte e quente o bastante para ninguém reclamar mais do inverno que ficara há meses para trás. A família e os amigos, em torno de uma redonda, imensa e sortida mesa de bebidas e guloseimas, reunidos pelo amor e para o amor que os alimenta, ouviam aten