Saio do banheiro depois de respirar fundo três vezes e engolir todo o arrependimento de ter aceitado uma carona no meio da estrada, de ter ido para a maldita praia, de ter vindo para essa festa. O único arrependimento que ainda não me consome é o de ter saído de Florença, pelo simples fato de que meu orgulho é maior.A música soa mais alta conforme desço a escada e chego no jardim, mais lotado do que antes - obviamente com mais de trinta pessoas. Bem mais.Corro os olhos pela multidão e não vejo sinal de Lion na mesinha em que estávamos perto da piscina, apesar da mochila e da polaroide estarem sobre ela, para que ninguém decida ocupá-la. Cadê você?— Baixinha! - Bernado me dá um leve susto ao se espremer entre duas pessoas para chegar até mim. Ele segura dois copos nas mãos e um deles está cheio de um líquido vermelho que reconheço como uma imitação ruim do drink que fiz para eles mais cedo. — Achei você! Tome!— Você viu o Lion? - Pergunto ainda procurando o loiro de camisa branca p
As pessoas não estavam no jardim. Todos haviam corrido para dentro da casa para vasculhar cada cômodo na esperança do suposto passeio de lancha - uma lancha que nem existe de verdade.Paro na entrada da porta dos fundos da casa e Lion quase esbarra em minhas costas, lançando um olhar confuso que pergunta silenciosamente o por quê de eu ter parado se acabei de desafiar Bernardo a me dar um prêmio de verdade caso eu ache a maldita bolinha dourada.— Por que paramos?— Porque não está na casa.— Como assim não está na casa? - O loiro franze a testa e eu dou meia volta ficando de frente para ele e indicando a piscina. — Tudo bem, eu não entendi.— Ele pulo do segundo andar. - Explico revirando os olhos pelo lento raciocínio dele. Os respindos da água da piscina deixaram a camisa branca grudada aqui e ali, translúcida em alguns pontos e preciso me concentrar em qualquer outro detalhe dele para não ser tão óbvia, mesmo desejando muito admirar o abdomem sutilmente marcado. — Se eu fosse esco
Lion sequer olhou para trás para conferir se eu o acompanhava. Tudo o que fez foi chegar a passos largos e enraivecidos até o loft, pegar a chave da minha mão e bater à porta assim que entramos. Tentei impedi-lo duas vezes no meio do caminho, mas não havia muito o que eu pudesse ter feito com os meus um metro e cinquenta e cinco sobre saltos altos que machucavam meus pés. Ainda machucam, então me apoio no braço do sofá e os tiro, deixando-os no chão e observando o loiro desaparecer pelo mezanino.Ouço a porta do quarto se fechar, um aviso claro de que ele prefere a solidão agora. Suspiro encarando o interior escuro do loft, a escassa luz vem dos postes do lado de fora e da luz no céu que ultrapassa as enormes janelas ao lado da escada e projeta a sombra dos quadradinhos no piso amadeirado. Pego meu celular checando as horas: Dez da noite, mais trinta e quatro ligações e infinitas mensagens lotando minha caixa de entrada e de voz.Bloqueio a tela do aparelho abandonando-o junto com a b
CaioPuta merda. Essa noite vai ser uma puta merda das grandes. Ela está aqui, porque eu permiti que viesse, porque eu fui fraco e não pude negar. Trazê-la aqui foi um erro e meu irmão vai arrancar a minha cabeça se descobrir.Os últimos dias tem sido horrível entre nós dois, francamente os últimos meses tem sido desesperador. Perdemos nossa irmãzinha e nossa mãe está sempre tão dopada de remédios e drogas que nem sei se se lembra de que ainda tem dois filhos, enquanto apodrece no sofá da casa dela e Lion ainda pensa que o que eu faço é a pior parte das nossas vidas.É apenas diversão. Uma diversão perigosa que agora não estou metido sozinho. Observo pelo canto do olho Brianna de braços cruzados com a bunda encostada no porta malas aberto, falando sem parar sobre nada em específico com Theo, que troca os saltos altos de solado vermelho por um par de tênis brancos com glitter prata. Eles não combinam com ela, porque são de Bri. Fico imagino o quão caro devem ser aqueles saltos, ou qualq
— Como assim vocês perderam todas as minhas malas?A atendente atrás do balcão do aeroporto me encara sem saber o que dizer. As bochechas vermelhas dela indicam vergonha e talvez eu a tivesse intimidado com o tom irritado das minhas palavras. Fixo meu olhar no dela, e as pupilas dilataram nas írises acastanhadas enquanto recebe minha indignação. Os cabelos pretos em uma trança extremamente bem feita destacam-se no uniforme vermelho da companhia aérea.— Sentimos muito, senhorita Revelt! — Diz por fim, os músculos do pescoço magros se ressaltando sobre a pele ao inspirar nervosamente. Um broche dourado e estreito no blazer mostra que posso chamá-la de Candela. — A companhia está ciente da situação, e suas malas, assim como as de outros passageiros estão sendo procuradas nesse momento! Avisaremos assim que forem localizadas, tudo bem?— Não! Nada bem! — Bato com força a palma da minha mão no balcão duro de madeira, e a dor se irradia pelo punho. — Eram quatro malas! Como uma companhia c
Lion para a moto ao lado de um prédio de dois andares, um loft industrial de tijolos, vidro e aço, apesar das palmeiras e cadeiras de praia com guarda-sóis do lado de fora. A cidadezinha litorânea parecia uma cidade fantasma assim que passamos pela placa de boas-vindas. Bairros suburbanos com casinhas familiares, um centro de comércios fechados e a orla da praia vazia. Não muito turística, imagino. Ainda mais sob a tempestade que tinge a paisagem de vários tons de cinza e verde borrados.Penza é um lugar do qual me lembrei por acaso enquanto pensava para onde iria fugir. Há muitos anos, minha avó me contou aventuras de sua juventude e uma delas envolvia um romance de verão em uma cidade charmosa e esquecida. A coincidência é que ela também veio parar aqui sem querer, quando seu carro alugado ficou sem gasolina durante uma viagem de férias com as amigas. Minha avó sempre foi uma mulher livre antes de conhecer meu falecido avô. Hoje, é velha demais para tais aventuras.Vovó me contou so
Decido subir a escada do lado das janelas enormes, assim que ouço o chuveiro ligado. Lion levará algum tempo no banho e detesto ficar sem nada para fazer, então observo o mezanino do último degrau. Um parapeito feito com três cordas de ferro preto, combinando com a escadaria, um amplo espaço lotado de mais bagunça masculina e janelas. Dois pufes, um tapete torto no chão igual ao da sala abaixo e acima dele uma mesa de sinuca antiga e surrada. Nas paredes, pôsteres e mais fotografias polaroides de pessoas diferentes com sorrisos bêbados e divertidos – provavelmente tiradas nas inúmeras festas que ele deve oferecer no loft.Mas o que me chama a atenção são as guitarras penduradas ao lado dos tacos de bilhar e um teclado debaixo delas – sem falar nas três caixas de som no canto, perto do parapeito. Espio lá embaixo, as mãos apoiadas nas grades de ferro finas e Lion ainda continua no banheiro. Aproveito e me aproximo dos instrumentos, passeando os dedos sutilmente pelas teclas do teclado
Abrir os olhos é difícil depois de um bom tempo dormindo. Para ser sincera, eu não tenho a menor ideia de quantas horas dormi e me levanto ainda cambaleando. É estranho acordar sem os barulhos incômodos de Florença, dos carros apressados no trânsito, meu pai ao telefone gritando com algum funcionário da empresa, ou minha mãe - quando estava em casa - ditando regras e mais regras para a governanta sobre meus estudos e rotina.— Bom dia, Bela Adormecida! – Diz Lion quando me vê descer o último degrau da escada e cobrir os olhos com a mão devido à imensa quantidade de luz solar matinal que entra pelas altas janelas de vidro. O som das ondas do mar ecoa em meus ouvidos, e os passarinhos cantam nos galhos dos coqueiros e nos fios elétricos. – Eu comprei café para nós.Ele balança um saquinho engordurado em uma mão, segura um suporte de isopor com dois cafés na outra e fecha a porta com o pé. Seria rude perguntar se ele também tinha comprado iogurte ou frutas? Comer açúcar de manhã não é um