05

A praia fica a cerca de três quarteirões atrás do loft, e poderíamos ter caminhado até lá facilmente. No entanto, aceitei a moto de bom grado, já que andar de camiseta, quase fina demais e jaqueta não é ideal. Estacionamos em um local aberto cheio de vagas vazias para carros e atravessamos uma avenida em direção ao calçadão.

Lion diminui seus passos largos para que eu possa acompanhá-lo com minhas pernas curtas e passos lentos. Alguns carros passam esporadicamente, confirmando que a maioria das pessoas deveria estar desfrutando de outras coisas naquela hora da manhã. Sinto a areia macia e morna sob os pés igual vovó me contou, enquanto o sol acaricia minha pele, trazendo calor e conforto. Nunca é demais aproveitar a vitamina D.

O mundo cinza de ontem se transformou em uma paleta de cores pastéis. A brisa fresca balança meus cabelos, envolvendo meu corpo em um carinho que desperta os poros das pernas e dos braços com uma sensação agradável. O céu apresenta tons de azul claro, com nuvens fofas e brancas encontrando-se com o mar limpo no horizonte.

Fecho os olhos por um momento apreciando a paz, o som das gaivotas e a melodia das ondas quebrando nas grandes pedras. Lion quebra o silêncio ao parar ao meu lado com certa cautela. Abro os olhos e observo as ondas se movendo na beira da areia molhada.

— É uma paisagem muito bonita. – Comenta e viro a cabeça para olhá-lo, flagrando seus olhos castanhos fixos em mim. As irizes parecem mais claras hoje, como mel líquido em torno das pupilas. Coro levemente e sorrio voltando a observar a vastidão azul. Talvez ele esteja falando sobre o mar e prefiro pensar assim. Ajeito uma mecha de cabelo atrás da orelha devido ao vento.

— Você vem aqui todos os dias?

— Na maioria das vezes, sim. – Responde sentando na areia fofa e clara. Eu apoio as mãos atrás de mim, inclinando-me para receber mais luz solar. — Essa praia é deserta, quase não tem ninguém. Há muitas ilhas na região, então as pessoas geralmente vão para elas. Gosto da solidão às vezes.

— Às vezes, precisamos da solidão. – Corrijo, enquanto observo os detalhes de seu maxilar definido, nariz reto e boca convidativa, enquanto Lion aprecia a vista até onde o mar e o céu se encontram em uma linha única. Alguns barcos quase invisíveis podem ser vistos ao longe.

Suas sobrancelhas franzidas e seus olhos profundos lhe dão uma expressão intensa e séria, contrastando com seu bom humor e gentileza. Lion é um cara legal e também bonito, e como resultado, deve ter dezenas de mulheres mais maduras do que eu aos seus pés. Quantas delas ele traz para essa praia? Quantas estavam na festa que deu ontem?

Mudo de posição puxando os joelhos em direção ao peito e apoiando um dos cotovelos, com a cabeça na mão sobre eles. Começo a brincar com a areia fina, fazendo punhados e deixando os grãos escorrerem pelos dedos. Minhas unhas ficam sujas, mas nada que um banho não resolva mais tarde. Uma lembrança de quando eu tinha dez anos volta à minha mente: papai me segurando nos braços na parte mais funda do oceano rindo diante do perigo iminente. Mamãe gritando para que ele me trouxesse de volta para ela, enquanto as ondas cobriam nossas cinturas. Foi uma viagem, uma das poucas que fiz com meus pais, e lembro-me de ter sido o melhor fim de semana daquele verão. Sorrio ao recordar e uma luz rápida e forte pisca diante dos meus olhos.

Lion segura a câmera e verifica a foto no visor. A minha foto.

— Não! Eu estou horrível! – Reclamo, estendendo o braço para tampar a lente da câmera com a palma da mão. Abaixo o objeto, fazendo-o desistir da ideia de tirar mais fotos e ele revira os olhos. — Eu não gosto de fotos. – Explico.

Trauma. É uma palavra mais adequada.

Estou farta de ser fotografada por tantas pessoas que buscam dinheiro e fofocas para suas revistas e sites, por isso deixei Florença. Uma parte de mim se irrita levemente com a exposição da minha privacidade, mas luto contra a vontade de descontar minha frustração nele. Lion não tem a obrigação de saber nada sobre mim, o que também me irrita, e para ele é apenas uma foto inocente. Não é justo, Theo. Acalme-se.

— Tem razão, estragou a minha lente. – O moreno balança a câmera com uma careta e lhe dou um empurrão para o lado, boquiaberta e indignada.

— Besta.

Lion começa a rir e guarda o instrumento de trabalho na bolsa, sem me dar a chance de ver o quão feia eu posso ter ficado na foto que saiu no papel liso. Ele o guarda também. Câmeras aumentam em até cinco quilos uma imagem. Ótimo! Horrível e gorda. Meu estômago ronca de fome e suspiro ignorando-o enquanto olho para o céu cheio de nuvens brancas e fofas como algodão procurando formas esquisitas nelas.

— Olhe! – Aponto para bem acima de nós. — Essa parece um coelho. – Lion franze a testa e esboça um sorriso no canto dos lábios, provavelmente me achando infantil demais. Ele analisa a nuvem por alguns segundos e dá de ombros.

— Para mim, é só uma nuvem. – Diz, inclinando-se para frente, os antebraços nas coxas.

Criança. Infantil. Minha mente me repreende e um sentimento ruim banha meu corpo envergonhado. Lion deve pensar que está lidando com uma criança de dez anos e não com alguém de dezoito. Volto a brincar com a areia.

— Eu fico imaginando como seria voar. – Comento sem erguer o olhar dos dedos cheios de grãos. — Ver as nuvens, as estrelas... – Os fios escuros retornam para frente do meu rosto de novo, a brisa insistente em bagunçá-los mais do que já estão. — É tudo muito fascinante para mim, pelo menos.

De fato, sempre fui sonhadora. A cabeça nas nuvens e os pés fora do chão, criando e imaginando uma vida que queria ter e nunca correndo atrás para consegui-la. Todas as minhas chances foram jogadas fora pelas ideias da minha mãe, sobre o futuro que eu teria. A minha vida sempre foi mais dela do que minha e, por justa causa, eu ignoro a realidade algumas vezes. O corpo perfeito para agradar ao melhor namorado, as notas perfeitas para ser aceita na melhor faculdade, a educação e etiqueta invejáveis... Ela sequer se importa com o que eu desejo e nunca fui forte o bastante para detê-la. Bem, não até agora. Fugir da Itália foi mais um ato de rebeldia e resistência do que qualquer outra coisa.

— Então, tudo bem, princesa das nuvens. – Lion limpa as mãos nas calças e se levanta. — Que tal irmos para a água um pouquinho?

Aceito sua mão estendida, ficando em pé também. Tiro a jaqueta, deixando-a perto da mochila dele, e nos separamos, mas seguimos lado a lado em direção ao mar calmo. As ondas molham meus pés, mornas e agradáveis, convidando-me a entrar. O oceano hipnotiza aqueles que o adentram, sem nenhuma sereia para cantar e nos atrair, pois ele é a própria sereia, encantando-nos com seus mistérios na primeira oportunidade. Mais um passo para o fundo e suas águas engolirão qualquer um.

— Vou ficar por aqui mesmo. – Falo assim que Lion continua adentrando o mar, com a água chegando aos joelhos. Ondinhas quebram perto dos meus calcanhares.

— Vai me dizer que não sabe nadar? – O loiro se vira para me olhar com um sorriso maroto e cheio de brincadeira. Cruzo os braços e devolvo o olhar com indiferença.

— E se eu não souber? – Desafio, permitindo que uma parte da irritação anterior se manifeste.

— Então – Lion dá alguns passos em minha direção com uma atitude suspeita. — Serei obrigado a fazer isso...

Um jato de água me ensopa, grudando o tecido da camiseta o suficiente para marcar minhas tímidas curvas. Levo um segundo para perceber o que aconteceu e me recuperar. Tiro o excesso de água salgada do rosto, chacoalhando as mãos.

— Você não fez isso! – Esbravejo irritada por completo agora. Desde que cheguei fui incapaz de permanecer seca e apresentável.

— Fiz. – Ele ri ao se aproximar, segurando meu olhar afiado no dele, com a cabeça baixa, e praguejo mentalmente. Espero que sua atenção não se desvie do meu rosto, pois a queimação nas bochechas pode evoluir para um fogo intenso. Me sinto envergonhada e irritada. — O que você vai fazer?

Forço um sorriso falso e o empurro com força para trás. Lion cai nas ondas rasas e suas roupas ficam encharcadas. Rio da situação em que o deixo, deliciando-me ao vê-lo enxugar o rosto e ajeitar os cabelos para trás.

— Bem feito! – Arqueio as sobrancelhas com superioridade, e seus olhos brilham cor de mel pelo sol.

— Corra, principessa. – Vejo selvageria em seus olhos e engulo em seco. Merda.

Corro antes que eu acabe do mesmo jeito, mas o mar dificulta meus passos de volta para a areia seca, fazendo-me afundar. Sinto suas mãos molhadas em minha cintura, agarrando-me e me puxando de volta para o oceano. Meu coração b**e acelerado no peito e a adrenalina percorre minhas veias, indicando que fui pega e não tenho chance de escapar. Lion passa um braço por baixo das minhas pernas e o outro pelas minhas costas, erguendo-me em seu colo. Um grito agudo e curto escapa de mim e enlaço seu pescoço com um desespero desnecessário.

— Se você ousar...

— O quê? – Ele me interrompe exibindo suas covinhas, enquanto nos leva para mais fundo. A água cobre suas coxas e tensiono os músculos dos braços para me manter agarrada a ele acima da água o máximo que posso. — Jogá-la no mar?

— Lion, estou falando sério! Se me soltar aqui... – Elevo a voz, assustada com a velocidade com que as ondas cobrem seus quadris.

— É só um mergulho! – Ele ri do meu medo e da minha falta de habilidade para nadar. Observo uma onda gigantesca vindo em nossa direção e fuzilo seu olhar que paira sobre mim, tão próximo que sua respiração aquece meu nariz. — Prometo que vou te segurar.

— Lion. – Tento implorar para que me leve de volta para águas rasas. Ele me ignora segurando uma risada.

— Prenda o fôlego e confie em mim! Um – A contagem só aumenta meus batimentos cardíacos. — Dois – Agarro-me a ele como um coala em um galho de árvore.

Não há três. A onda nos engole, invadindo meus ouvidos e obstruindo meus pulmões que parecem explodir pela falta de oxigênio. Meus braços estão ao redor dele, um pouco soltos demais. A força da água nos puxa, cada vez mais para baixo e o alívio vem no instante seguinte, quando ele nos impulsiona para a superfície. Respiro novamente, ainda presa ao seu peito, sentindo o calor de sua pele na minha.

Ambos estamos pingando litros de água salgada.

— Abra os olhos, Theo. – Obedeço e os subo do peito de Lion até os olhos dele. Sou capturada imediatamente por tamanha intensidade, e meu nariz roça no dele, fazendo-me corar pela proximidade de nossas bocas. — Disse que te seguraria.

Quente. Muito calor. Estamos cercados pelo oceano e, ainda assim, minha pele queima em todas as partes que tocam a dele. Minha camiseta está praticamente inútil, encharcada e destacando meus seios mais do que deveria. Eles sobem e descem com minha respiração ofegante e Lion, sem dúvida, tenta não abaixar o olhar e mantê-lo no meu. Encaro seus cílios longos e claros e seus lábios rosados. Tentador demais.

— Pode me levar para o raso? – Peço, a voz baixa passando por cima do desejo e de uma atitude precipitada. Falta de autocontrole é uma droga.

— Certo.

Lion atravessa as ondas e desço de seu colo assim que tenho confiança em meu equilíbrio para que nenhuma marola ridícula me derrube. A água ainda b**e em meus joelhos, mas continuo andando para a areia, os braços fechados sobre o peito para esconder a transparência da camiseta.

Pisamos em terra firme e corro pela areia até nossas coisas. Visto a jaqueta um tanto atrapalhada e tiro o excesso de água do cabelo, formando uma poça na areia que logo a absorve. Puxo contra o corpo o jeans pesado, escondendo-me dentro dele e me sento outra vez. Detesto a sensação de água salgada grudada no corpo e dos grãos incômodos que coçam minha pele.

Evito assistir ao loiro saindo do mar e jogando os cabelos para trás com um movimento de cabeça rápido, mas falho miseravelmente. Algo em mim me lembra dele. Do cara que deveria me proteger e cuidar de mim. Do idiota que amei desde que começamos a entender que deveríamos ficar juntos, porque já tínhamos uma vida inteira planejada por nossos pais. Em prol das empresas, claro. Tudo na minha vida é para algo, ou por conta de algo e se eu me atrevesse a mudar qualquer coisa as consequências seriam trágicas.

Um vídeo comprometedor vazado. Minha culpa e não do boçal que o gravou. A princesinha herdeira de Marco Revelt completamente dopada e indefesa. Também minha culpa, porque eu deixei que fizessem isso comigo. Foi o que disseram e ainda dizem, mesmo após o fim do colégio. Os últimos meses foram horríveis. A capacidade com que as pessoas se unem contra você com as próprias opiniões formadas, sem ter a mínima ideia do que realmente aconteceu é assustadora e devastadora. Consequências que afetaram a mim, mas isso não importa. O que importa é o que recaiu sobre reputação das empresas e da família do menino perfeito que nunca faria aquilo comigo. Ele fez. Eles não acreditaram. E a culpa foi minha.

— Se eu soubesse que você ia ficar tão brava eu não teria feito isso. - Lion me tira dos meus pensamentos e pisco para ele, sentado ao meu lado com a mochila entre as pernas cruzadas na areia.

— Não estou brava com você. - Esclareço sentindo gotinhas salgadas pingarem do meu rosto.

— Então, o que foi? - Suas mãos buscam algo dentro da bolsa e tiram de lá duas garrafinhas de água. Pego uma delas e forço um pequeno sorriso em agradecimento. Não quero falar sobre o que aconteceu e muito menos que ele saiba o quão vergonhoso e sujo foi. O quão humilhada e odiada fui por aqueles que deveriam ficar ao meu lado.

— Você fala italiano? - Mudo o assunto visivelmente para algo que estou curiosa em saber. Abro a garrafinha e tomo um pouco da água. O loiro sorri aceitando minha decisão e pende a cabeça de um lado ao outro.

— Mais ou menos. - Ele toma um gole e semicerra os olhos para o oceano devido ao incomodo sol forte sobre nossas cabeças. Deve ser quase meio dia. — Minha avó veio da Itália nos anos quarenta e se casou com o meu avô. Ele é daqui, mas sempre fez questão de manter alguns costumes. Ela tentava me ensinar quando eu era criança, mas é difícil aprender quando todos ao seu redor falam outra língua.

— Agora faz sentido o carbonara. - Concluo devolvendo a garrafinha.

— Impressionada? - Lion arqueia uma sobrancelha ao guardar ambas as águas de volta na mochila.

— Não. - Minto, mesmo que os dotes culinários deles tenham sido notáveis. Ele sabe que estou mentindo e por isso esboça uma covinha de felicidade ao dispensar com a cabeça minha negação. — Posso ver a polaroide?

Lion meneia a cabeça e tira da mochila a foto quadrada. A pego e sei que vou odiar, de qualquer maneira. Sempre odeio todas as fotos tiradas de mim. Nessa estou sorrindo igual boba para o nada, meu cabelo rebelde com o vento no rosto e ao fundo uma faixa de areia e mar.

— Gastou papel com isso. - Devolvo a polaroide e ele a observa.

— Tem razão. Vou vender para uma exposição de bizarrices. - O loiro zomba e o empurro para o lado com a mão em seu ombro molhado.

— Besta. - Rimos por alguns segundos e me surpreendo por não ter me ofendido. Sinto que a conversa tem muitos caminhos para seguir, ao mesmo tempo que pode não seguir nenhum deles, então decido que preciso tirar essa areia pinicando de mim. — Podemos ir? Talvez o aeroporto tenha me ligado e deixei o celular no loft.

— Come desidere, principessa! - Como quiser, princesa. Ele fala gastando seu italiano quase perfeito comigo.

Sei que ele esperava ficar mais e que eu acabei com a diversão na praia muito cedo, porque vejo decepção em seu rosto, mesmo que Lion a esconda bem. Aceito sua mão estendida para ficar em pé e tiro a areia de mim batendo-me com as mãos.

— Sua avó te ensinou bem. - Elogio enquanto começamos a caminhar de volta para a moto, deixando o oceano para trás. — Ela deve estar orgulhosa.

— Ela está sim. - Ele passa a mochila nas costas e pega o capacete da moto passando por minha cabeça e fechando abaixo do queijo. Seu toque faz a pele formigar e ignoro o desejo de querer sua mão ali por mais tempo. Subimos na moto e Lion liga o motor, que range debaixo de nós. Seguro sua cintura, algo que deixou de ser um gesto vergonhoso para mim em algum momento. — Você quer voar, princesa? - Nossos olhos se encontram no retrovisor e vejo sua boca formar um sorriso sorrateiro. — Então vamos voar.

Em menos de dez segundos, Penza se torna um borrão ao nosso redor.

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