A praia fica a cerca de três quarteirões atrás do loft, e poderíamos ter caminhado até lá facilmente. No entanto, aceitei a moto de bom grado, já que andar de camiseta, quase fina demais e jaqueta não é ideal. Estacionamos em um local aberto cheio de vagas vazias para carros e atravessamos uma avenida em direção ao calçadão.
Lion diminui seus passos largos para que eu possa acompanhá-lo com minhas pernas curtas e passos lentos. Alguns carros passam esporadicamente, confirmando que a maioria das pessoas deveria estar desfrutando de outras coisas naquela hora da manhã. Sinto a areia macia e morna sob os pés igual vovó me contou, enquanto o sol acaricia minha pele, trazendo calor e conforto. Nunca é demais aproveitar a vitamina D.
O mundo cinza de ontem se transformou em uma paleta de cores pastéis. A brisa fresca balança meus cabelos, envolvendo meu corpo em um carinho que desperta os poros das pernas e dos braços com uma sensação agradável. O céu apresenta tons de azul claro, com nuvens fofas e brancas encontrando-se com o mar limpo no horizonte.
Fecho os olhos por um momento apreciando a paz, o som das gaivotas e a melodia das ondas quebrando nas grandes pedras. Lion quebra o silêncio ao parar ao meu lado com certa cautela. Abro os olhos e observo as ondas se movendo na beira da areia molhada.
— É uma paisagem muito bonita. – Comenta e viro a cabeça para olhá-lo, flagrando seus olhos castanhos fixos em mim. As irizes parecem mais claras hoje, como mel líquido em torno das pupilas. Coro levemente e sorrio voltando a observar a vastidão azul. Talvez ele esteja falando sobre o mar e prefiro pensar assim. Ajeito uma mecha de cabelo atrás da orelha devido ao vento.
— Você vem aqui todos os dias?
— Na maioria das vezes, sim. – Responde sentando na areia fofa e clara. Eu apoio as mãos atrás de mim, inclinando-me para receber mais luz solar. — Essa praia é deserta, quase não tem ninguém. Há muitas ilhas na região, então as pessoas geralmente vão para elas. Gosto da solidão às vezes.
— Às vezes, precisamos da solidão. – Corrijo, enquanto observo os detalhes de seu maxilar definido, nariz reto e boca convidativa, enquanto Lion aprecia a vista até onde o mar e o céu se encontram em uma linha única. Alguns barcos quase invisíveis podem ser vistos ao longe.
Suas sobrancelhas franzidas e seus olhos profundos lhe dão uma expressão intensa e séria, contrastando com seu bom humor e gentileza. Lion é um cara legal e também bonito, e como resultado, deve ter dezenas de mulheres mais maduras do que eu aos seus pés. Quantas delas ele traz para essa praia? Quantas estavam na festa que deu ontem?
Mudo de posição puxando os joelhos em direção ao peito e apoiando um dos cotovelos, com a cabeça na mão sobre eles. Começo a brincar com a areia fina, fazendo punhados e deixando os grãos escorrerem pelos dedos. Minhas unhas ficam sujas, mas nada que um banho não resolva mais tarde. Uma lembrança de quando eu tinha dez anos volta à minha mente: papai me segurando nos braços na parte mais funda do oceano rindo diante do perigo iminente. Mamãe gritando para que ele me trouxesse de volta para ela, enquanto as ondas cobriam nossas cinturas. Foi uma viagem, uma das poucas que fiz com meus pais, e lembro-me de ter sido o melhor fim de semana daquele verão. Sorrio ao recordar e uma luz rápida e forte pisca diante dos meus olhos.
Lion segura a câmera e verifica a foto no visor. A minha foto.
— Não! Eu estou horrível! – Reclamo, estendendo o braço para tampar a lente da câmera com a palma da mão. Abaixo o objeto, fazendo-o desistir da ideia de tirar mais fotos e ele revira os olhos. — Eu não gosto de fotos. – Explico.
Trauma. É uma palavra mais adequada.
Estou farta de ser fotografada por tantas pessoas que buscam dinheiro e fofocas para suas revistas e sites, por isso deixei Florença. Uma parte de mim se irrita levemente com a exposição da minha privacidade, mas luto contra a vontade de descontar minha frustração nele. Lion não tem a obrigação de saber nada sobre mim, o que também me irrita, e para ele é apenas uma foto inocente. Não é justo, Theo. Acalme-se.
— Tem razão, estragou a minha lente. – O moreno balança a câmera com uma careta e lhe dou um empurrão para o lado, boquiaberta e indignada.
— Besta.
Lion começa a rir e guarda o instrumento de trabalho na bolsa, sem me dar a chance de ver o quão feia eu posso ter ficado na foto que saiu no papel liso. Ele o guarda também. Câmeras aumentam em até cinco quilos uma imagem. Ótimo! Horrível e gorda. Meu estômago ronca de fome e suspiro ignorando-o enquanto olho para o céu cheio de nuvens brancas e fofas como algodão procurando formas esquisitas nelas.
— Olhe! – Aponto para bem acima de nós. — Essa parece um coelho. – Lion franze a testa e esboça um sorriso no canto dos lábios, provavelmente me achando infantil demais. Ele analisa a nuvem por alguns segundos e dá de ombros.
— Para mim, é só uma nuvem. – Diz, inclinando-se para frente, os antebraços nas coxas.
Criança. Infantil. Minha mente me repreende e um sentimento ruim banha meu corpo envergonhado. Lion deve pensar que está lidando com uma criança de dez anos e não com alguém de dezoito. Volto a brincar com a areia.
— Eu fico imaginando como seria voar. – Comento sem erguer o olhar dos dedos cheios de grãos. — Ver as nuvens, as estrelas... – Os fios escuros retornam para frente do meu rosto de novo, a brisa insistente em bagunçá-los mais do que já estão. — É tudo muito fascinante para mim, pelo menos.
De fato, sempre fui sonhadora. A cabeça nas nuvens e os pés fora do chão, criando e imaginando uma vida que queria ter e nunca correndo atrás para consegui-la. Todas as minhas chances foram jogadas fora pelas ideias da minha mãe, sobre o futuro que eu teria. A minha vida sempre foi mais dela do que minha e, por justa causa, eu ignoro a realidade algumas vezes. O corpo perfeito para agradar ao melhor namorado, as notas perfeitas para ser aceita na melhor faculdade, a educação e etiqueta invejáveis... Ela sequer se importa com o que eu desejo e nunca fui forte o bastante para detê-la. Bem, não até agora. Fugir da Itália foi mais um ato de rebeldia e resistência do que qualquer outra coisa.
— Então, tudo bem, princesa das nuvens. – Lion limpa as mãos nas calças e se levanta. — Que tal irmos para a água um pouquinho?
Aceito sua mão estendida, ficando em pé também. Tiro a jaqueta, deixando-a perto da mochila dele, e nos separamos, mas seguimos lado a lado em direção ao mar calmo. As ondas molham meus pés, mornas e agradáveis, convidando-me a entrar. O oceano hipnotiza aqueles que o adentram, sem nenhuma sereia para cantar e nos atrair, pois ele é a própria sereia, encantando-nos com seus mistérios na primeira oportunidade. Mais um passo para o fundo e suas águas engolirão qualquer um.
— Vou ficar por aqui mesmo. – Falo assim que Lion continua adentrando o mar, com a água chegando aos joelhos. Ondinhas quebram perto dos meus calcanhares.
— Vai me dizer que não sabe nadar? – O loiro se vira para me olhar com um sorriso maroto e cheio de brincadeira. Cruzo os braços e devolvo o olhar com indiferença.
— E se eu não souber? – Desafio, permitindo que uma parte da irritação anterior se manifeste.
— Então – Lion dá alguns passos em minha direção com uma atitude suspeita. — Serei obrigado a fazer isso...
Um jato de água me ensopa, grudando o tecido da camiseta o suficiente para marcar minhas tímidas curvas. Levo um segundo para perceber o que aconteceu e me recuperar. Tiro o excesso de água salgada do rosto, chacoalhando as mãos.
— Você não fez isso! – Esbravejo irritada por completo agora. Desde que cheguei fui incapaz de permanecer seca e apresentável.
— Fiz. – Ele ri ao se aproximar, segurando meu olhar afiado no dele, com a cabeça baixa, e praguejo mentalmente. Espero que sua atenção não se desvie do meu rosto, pois a queimação nas bochechas pode evoluir para um fogo intenso. Me sinto envergonhada e irritada. — O que você vai fazer?
Forço um sorriso falso e o empurro com força para trás. Lion cai nas ondas rasas e suas roupas ficam encharcadas. Rio da situação em que o deixo, deliciando-me ao vê-lo enxugar o rosto e ajeitar os cabelos para trás.
— Bem feito! – Arqueio as sobrancelhas com superioridade, e seus olhos brilham cor de mel pelo sol.
— Corra, principessa. – Vejo selvageria em seus olhos e engulo em seco. Merda.
Corro antes que eu acabe do mesmo jeito, mas o mar dificulta meus passos de volta para a areia seca, fazendo-me afundar. Sinto suas mãos molhadas em minha cintura, agarrando-me e me puxando de volta para o oceano. Meu coração b**e acelerado no peito e a adrenalina percorre minhas veias, indicando que fui pega e não tenho chance de escapar. Lion passa um braço por baixo das minhas pernas e o outro pelas minhas costas, erguendo-me em seu colo. Um grito agudo e curto escapa de mim e enlaço seu pescoço com um desespero desnecessário.
— Se você ousar...
— O quê? – Ele me interrompe exibindo suas covinhas, enquanto nos leva para mais fundo. A água cobre suas coxas e tensiono os músculos dos braços para me manter agarrada a ele acima da água o máximo que posso. — Jogá-la no mar?
— Lion, estou falando sério! Se me soltar aqui... – Elevo a voz, assustada com a velocidade com que as ondas cobrem seus quadris.
— É só um mergulho! – Ele ri do meu medo e da minha falta de habilidade para nadar. Observo uma onda gigantesca vindo em nossa direção e fuzilo seu olhar que paira sobre mim, tão próximo que sua respiração aquece meu nariz. — Prometo que vou te segurar.
— Lion. – Tento implorar para que me leve de volta para águas rasas. Ele me ignora segurando uma risada.
— Prenda o fôlego e confie em mim! Um – A contagem só aumenta meus batimentos cardíacos. — Dois – Agarro-me a ele como um coala em um galho de árvore.
Não há três. A onda nos engole, invadindo meus ouvidos e obstruindo meus pulmões que parecem explodir pela falta de oxigênio. Meus braços estão ao redor dele, um pouco soltos demais. A força da água nos puxa, cada vez mais para baixo e o alívio vem no instante seguinte, quando ele nos impulsiona para a superfície. Respiro novamente, ainda presa ao seu peito, sentindo o calor de sua pele na minha.
Ambos estamos pingando litros de água salgada.
— Abra os olhos, Theo. – Obedeço e os subo do peito de Lion até os olhos dele. Sou capturada imediatamente por tamanha intensidade, e meu nariz roça no dele, fazendo-me corar pela proximidade de nossas bocas. — Disse que te seguraria.
Quente. Muito calor. Estamos cercados pelo oceano e, ainda assim, minha pele queima em todas as partes que tocam a dele. Minha camiseta está praticamente inútil, encharcada e destacando meus seios mais do que deveria. Eles sobem e descem com minha respiração ofegante e Lion, sem dúvida, tenta não abaixar o olhar e mantê-lo no meu. Encaro seus cílios longos e claros e seus lábios rosados. Tentador demais.
— Pode me levar para o raso? – Peço, a voz baixa passando por cima do desejo e de uma atitude precipitada. Falta de autocontrole é uma droga.
— Certo.
Lion atravessa as ondas e desço de seu colo assim que tenho confiança em meu equilíbrio para que nenhuma marola ridícula me derrube. A água ainda b**e em meus joelhos, mas continuo andando para a areia, os braços fechados sobre o peito para esconder a transparência da camiseta.
Pisamos em terra firme e corro pela areia até nossas coisas. Visto a jaqueta um tanto atrapalhada e tiro o excesso de água do cabelo, formando uma poça na areia que logo a absorve. Puxo contra o corpo o jeans pesado, escondendo-me dentro dele e me sento outra vez. Detesto a sensação de água salgada grudada no corpo e dos grãos incômodos que coçam minha pele.
Evito assistir ao loiro saindo do mar e jogando os cabelos para trás com um movimento de cabeça rápido, mas falho miseravelmente. Algo em mim me lembra dele. Do cara que deveria me proteger e cuidar de mim. Do idiota que amei desde que começamos a entender que deveríamos ficar juntos, porque já tínhamos uma vida inteira planejada por nossos pais. Em prol das empresas, claro. Tudo na minha vida é para algo, ou por conta de algo e se eu me atrevesse a mudar qualquer coisa as consequências seriam trágicas.
Um vídeo comprometedor vazado. Minha culpa e não do boçal que o gravou. A princesinha herdeira de Marco Revelt completamente dopada e indefesa. Também minha culpa, porque eu deixei que fizessem isso comigo. Foi o que disseram e ainda dizem, mesmo após o fim do colégio. Os últimos meses foram horríveis. A capacidade com que as pessoas se unem contra você com as próprias opiniões formadas, sem ter a mínima ideia do que realmente aconteceu é assustadora e devastadora. Consequências que afetaram a mim, mas isso não importa. O que importa é o que recaiu sobre reputação das empresas e da família do menino perfeito que nunca faria aquilo comigo. Ele fez. Eles não acreditaram. E a culpa foi minha.
— Se eu soubesse que você ia ficar tão brava eu não teria feito isso. - Lion me tira dos meus pensamentos e pisco para ele, sentado ao meu lado com a mochila entre as pernas cruzadas na areia.
— Não estou brava com você. - Esclareço sentindo gotinhas salgadas pingarem do meu rosto.
— Então, o que foi? - Suas mãos buscam algo dentro da bolsa e tiram de lá duas garrafinhas de água. Pego uma delas e forço um pequeno sorriso em agradecimento. Não quero falar sobre o que aconteceu e muito menos que ele saiba o quão vergonhoso e sujo foi. O quão humilhada e odiada fui por aqueles que deveriam ficar ao meu lado.
— Você fala italiano? - Mudo o assunto visivelmente para algo que estou curiosa em saber. Abro a garrafinha e tomo um pouco da água. O loiro sorri aceitando minha decisão e pende a cabeça de um lado ao outro.
— Mais ou menos. - Ele toma um gole e semicerra os olhos para o oceano devido ao incomodo sol forte sobre nossas cabeças. Deve ser quase meio dia. — Minha avó veio da Itália nos anos quarenta e se casou com o meu avô. Ele é daqui, mas sempre fez questão de manter alguns costumes. Ela tentava me ensinar quando eu era criança, mas é difícil aprender quando todos ao seu redor falam outra língua.
— Agora faz sentido o carbonara. - Concluo devolvendo a garrafinha.
— Impressionada? - Lion arqueia uma sobrancelha ao guardar ambas as águas de volta na mochila.
— Não. - Minto, mesmo que os dotes culinários deles tenham sido notáveis. Ele sabe que estou mentindo e por isso esboça uma covinha de felicidade ao dispensar com a cabeça minha negação. — Posso ver a polaroide?
Lion meneia a cabeça e tira da mochila a foto quadrada. A pego e sei que vou odiar, de qualquer maneira. Sempre odeio todas as fotos tiradas de mim. Nessa estou sorrindo igual boba para o nada, meu cabelo rebelde com o vento no rosto e ao fundo uma faixa de areia e mar.
— Gastou papel com isso. - Devolvo a polaroide e ele a observa.
— Tem razão. Vou vender para uma exposição de bizarrices. - O loiro zomba e o empurro para o lado com a mão em seu ombro molhado.
— Besta. - Rimos por alguns segundos e me surpreendo por não ter me ofendido. Sinto que a conversa tem muitos caminhos para seguir, ao mesmo tempo que pode não seguir nenhum deles, então decido que preciso tirar essa areia pinicando de mim. — Podemos ir? Talvez o aeroporto tenha me ligado e deixei o celular no loft.
— Come desidere, principessa! - Como quiser, princesa. Ele fala gastando seu italiano quase perfeito comigo.
Sei que ele esperava ficar mais e que eu acabei com a diversão na praia muito cedo, porque vejo decepção em seu rosto, mesmo que Lion a esconda bem. Aceito sua mão estendida para ficar em pé e tiro a areia de mim batendo-me com as mãos.
— Sua avó te ensinou bem. - Elogio enquanto começamos a caminhar de volta para a moto, deixando o oceano para trás. — Ela deve estar orgulhosa.
— Ela está sim. - Ele passa a mochila nas costas e pega o capacete da moto passando por minha cabeça e fechando abaixo do queijo. Seu toque faz a pele formigar e ignoro o desejo de querer sua mão ali por mais tempo. Subimos na moto e Lion liga o motor, que range debaixo de nós. Seguro sua cintura, algo que deixou de ser um gesto vergonhoso para mim em algum momento. — Você quer voar, princesa? - Nossos olhos se encontram no retrovisor e vejo sua boca formar um sorriso sorrateiro. — Então vamos voar.
Em menos de dez segundos, Penza se torna um borrão ao nosso redor.
— Você está exagerando!Lion desce da moto depois que a estaciona ao lado do loft. De tanto que corremos em alta velocidade, nossas roupas estavam quase secas e meus cabelos úmidos como os dele.— A gente quase caiu lá atrás! - Argumento meu ponto da discussão em que o acuso de ser irresponsável e completamente maluco por fazer um veículo, que mal para em pé sozinho, chegar a cento e vinte por hora. — Se eu morrer por sua causa, meus pais te matam.— Eles vão ter que te encontrar primeiro. - O loiro destranca a porta da frente e eu reviro os olhos. A provocação me incomoda mais do que deve e me lembro de que não respondi nenhuma mensagem deles e de ninguém. Agora, com certeza há mais delas.Me sinto mal por isso. Deveria ter contado, mesmo depois que estivesse longe o suficiente para que eles não pudessem me impedir. Ainda posso contar. Mas, se fizer isso, todo o meu verão será arruinado e eu prefiro ir ao inferno do que voltar para minha própria casa. Tudo nela, tudo na minha maldita
Demorei mais no banho do que deveria. Primeiro, porque a água quente caindo pelos ombros estava uma delícia e segundo, porque acho que não posso encarar Lion depois do que quase aconteceu alguns minutos mais cedo.Quase nos beijamos. Quase. E isso é o que mantém meus pensamentos a mil e meu coração acelerado. Eu queria aquele maldito beijo e sei que ele também. Mas, não podemos e ele também sabe disso, por inúmeros motivos e todos eles nos magoariam no final. Quando eu voltar para a Itália, quando eu entrar na bolha pesada e obscura que meu sobrenome me obriga a viver e aceitar.Não quero arrastá-lo para esse lado ruim. Não quero que veja o quão fútil, egocêntrico e cruel é além da vida que conhece, além da praia acalorada e do mar azul. Igual, eu estou longe de estar pronta para deixá-lo mergulhar na minha alma quebrada. Por fora posso parecer um diamante, mas por dentro, só há estilhaços cortantes colados por fita adesiva que sempre se solta em uma das pontas.Lion deixou as roupas
Após lotar a sala do loft de roupas e sapatos aqui e ali, e o banheiro com as minhas maquiagens, finalmente me sinto eu mesma de novo. Escolhi uma saia jeans curta, um cropped branco simples de alcinha e uma camisa de linho perolada, que deixei aberta. As sandalhas parecem se adaptar bem aos meus pés que só andaram praticamente descalços desde ontem e o lacinho que dei nas tiras ao redor dos calcanhares ficaram uma graça.Termino de passar o rímel e sorrio para o reflexo no espelho, me reconhecendo novamente. Minhas bochechas estão rosadas, meus lábios corais com gloss e a pontinha do meu nariz, iluminada. Delicada e sexy, outra vez! Guardo tudo na bolsinha e saio para o resto do loft. Vejo o loiro jogado no sofá com o celular nas mãos, entediado de ter que esperar, provavelmente por que demorei mais do que disse que demoraria.— Até que enfim! - Ele se levanta. — Se demorasse mais teria que mudar para um jantar!Lion se cala ao me ver e agradeço por ter blush nas bochechas e disfarça
Arrumo minha bagunça reunindo todas as roupas espalhadas nas malas debaixo da escada, aos pés da escrivaninha depois de tirar delas um vestido branco de algodão, rodado com decote em V e mangas largas até os cotovelos, sandálias de saltos altos e bico fino marrom queimado com penduricalhos dourados e opções de colares. Me tranquei no banheiro debaixo por quase uma hora e meia entre uma maquiagem com delineado branco e um batom da cor dos sapatos, um penteado que envolveu apenas duas mechas atrás da cabeça presas por uma presilha com dentes de bronze que a fixaram nos fios castanhos e a difícil decisão entre os colares. Por fim, coloco os três: um mais curto com uma meia lua de ouro e os outros dois com pouca diferença de comprimento, parecidos com medalhões, ou moedas antigas.Quando termino, ouço barulho de vidro contra vidro e algo líquido sobre a bancada entre a cozinha e sala. Lion está enchendo a mochila com uma garrafa de Vodka pela metade, outra cheia de uísque com mel e alguma
Saio do banheiro depois de respirar fundo três vezes e engolir todo o arrependimento de ter aceitado uma carona no meio da estrada, de ter ido para a maldita praia, de ter vindo para essa festa. O único arrependimento que ainda não me consome é o de ter saído de Florença, pelo simples fato de que meu orgulho é maior.A música soa mais alta conforme desço a escada e chego no jardim, mais lotado do que antes - obviamente com mais de trinta pessoas. Bem mais.Corro os olhos pela multidão e não vejo sinal de Lion na mesinha em que estávamos perto da piscina, apesar da mochila e da polaroide estarem sobre ela, para que ninguém decida ocupá-la. Cadê você?— Baixinha! - Bernado me dá um leve susto ao se espremer entre duas pessoas para chegar até mim. Ele segura dois copos nas mãos e um deles está cheio de um líquido vermelho que reconheço como uma imitação ruim do drink que fiz para eles mais cedo. — Achei você! Tome!— Você viu o Lion? - Pergunto ainda procurando o loiro de camisa branca p
As pessoas não estavam no jardim. Todos haviam corrido para dentro da casa para vasculhar cada cômodo na esperança do suposto passeio de lancha - uma lancha que nem existe de verdade.Paro na entrada da porta dos fundos da casa e Lion quase esbarra em minhas costas, lançando um olhar confuso que pergunta silenciosamente o por quê de eu ter parado se acabei de desafiar Bernardo a me dar um prêmio de verdade caso eu ache a maldita bolinha dourada.— Por que paramos?— Porque não está na casa.— Como assim não está na casa? - O loiro franze a testa e eu dou meia volta ficando de frente para ele e indicando a piscina. — Tudo bem, eu não entendi.— Ele pulo do segundo andar. - Explico revirando os olhos pelo lento raciocínio dele. Os respindos da água da piscina deixaram a camisa branca grudada aqui e ali, translúcida em alguns pontos e preciso me concentrar em qualquer outro detalhe dele para não ser tão óbvia, mesmo desejando muito admirar o abdomem sutilmente marcado. — Se eu fosse esco
Lion sequer olhou para trás para conferir se eu o acompanhava. Tudo o que fez foi chegar a passos largos e enraivecidos até o loft, pegar a chave da minha mão e bater à porta assim que entramos. Tentei impedi-lo duas vezes no meio do caminho, mas não havia muito o que eu pudesse ter feito com os meus um metro e cinquenta e cinco sobre saltos altos que machucavam meus pés. Ainda machucam, então me apoio no braço do sofá e os tiro, deixando-os no chão e observando o loiro desaparecer pelo mezanino.Ouço a porta do quarto se fechar, um aviso claro de que ele prefere a solidão agora. Suspiro encarando o interior escuro do loft, a escassa luz vem dos postes do lado de fora e da luz no céu que ultrapassa as enormes janelas ao lado da escada e projeta a sombra dos quadradinhos no piso amadeirado. Pego meu celular checando as horas: Dez da noite, mais trinta e quatro ligações e infinitas mensagens lotando minha caixa de entrada e de voz.Bloqueio a tela do aparelho abandonando-o junto com a b
CaioPuta merda. Essa noite vai ser uma puta merda das grandes. Ela está aqui, porque eu permiti que viesse, porque eu fui fraco e não pude negar. Trazê-la aqui foi um erro e meu irmão vai arrancar a minha cabeça se descobrir.Os últimos dias tem sido horrível entre nós dois, francamente os últimos meses tem sido desesperador. Perdemos nossa irmãzinha e nossa mãe está sempre tão dopada de remédios e drogas que nem sei se se lembra de que ainda tem dois filhos, enquanto apodrece no sofá da casa dela e Lion ainda pensa que o que eu faço é a pior parte das nossas vidas.É apenas diversão. Uma diversão perigosa que agora não estou metido sozinho. Observo pelo canto do olho Brianna de braços cruzados com a bunda encostada no porta malas aberto, falando sem parar sobre nada em específico com Theo, que troca os saltos altos de solado vermelho por um par de tênis brancos com glitter prata. Eles não combinam com ela, porque são de Bri. Fico imagino o quão caro devem ser aqueles saltos, ou qualq