04

Abrir os olhos é difícil depois de um bom tempo dormindo. Para ser sincera, eu não tenho a menor ideia de quantas horas dormi e me levanto ainda cambaleando. É estranho acordar sem os barulhos incômodos de Florença, dos carros apressados no trânsito, meu pai ao telefone gritando com algum funcionário da empresa, ou minha mãe - quando estava em casa - ditando regras e mais regras para a governanta sobre meus estudos e rotina.

— Bom dia, Bela Adormecida! – Diz Lion quando me vê descer o último degrau da escada e cobrir os olhos com a mão devido à imensa quantidade de luz solar matinal que entra pelas altas janelas de vidro. O som das ondas do mar ecoa em meus ouvidos, e os passarinhos cantam nos galhos dos coqueiros e nos fios elétricos. – Eu comprei café para nós.

Ele balança um saquinho engordurado em uma mão, segura um suporte de isopor com dois cafés na outra e fecha a porta com o pé. Seria rude perguntar se ele também tinha comprado iogurte ou frutas? Comer açúcar de manhã não é uma das coisas que minha mãe aprovaria, mas ela estava na Itália, então que mal fará? Ganhar alguns quilos a mais na balança e ter dois dedos na garganta, Theo. A consciência pesada responde à pergunta.

— Bom dia. – Sorrio sentindo-me envergonhada por ter ido para a sala como primeira opção. Teria sido melhor ir ao banheiro; ainda assim, estaria sem maquiagem ou cabelo decente, mas pelo menos ficaria ciente do desastre que Lion está vendo agora. Os poros das minhas coxas se arrepiam com a brisa fresca que entra pela fresta aberta da janela no andar de cima, despertando meu corpo quente das cobertas da cama dele.

O sigo até a cozinha e apoio os cotovelos no balcão, observando seus gestos desastrados ao colocar as compras sobre ele. Lion pega um dos copos de café e o abre, rasgando um pacotinho de açúcar e despejando-o completamente na bebida preta fumegante. Em seguida, enfia a mão no saquinho e tira de lá uma rosquinha com cobertura rosa e granulados coloridos. Por último, três pães com cheiro de queijo, o vapor saindo deles.

— Eu trouxe uma para você também. – Ele percebe que o olho por muito tempo. – Tomei o cuidado de comprar as de cobertura rosa. Deve ser a sua cor favorita? – Ele ergue a sobrancelha com um pouco de açúcar acima dos lábios.

— Por que você acha isso? – Questiono, apoiando o queixo na mão e estreitando os olhos, curvando-me sobre o balcão. – Porque eu sou uma princesinha mimada?

— Foi você quem disse, não eu. – Ele retruca, caçoando de mim e dando outra mordida na rosquinha, com os dedos engordurados e cheios de açúcar.

— Branco. – Sento na banqueta livre e pego o copo de café que é para mim. – Prefiro branco e a propósito, sim você me chamou de mimada ontém.

Provo o café, que desce quente e amargo, aquecendo-me por dentro e despertando o resto do meu corpo que ainda dorme. Não toco nas rosquinhas – por mais que meu estômago clame por elas – e quando Lion me pergunta se pode comer a minha, eu digo que sim. Afinal, eu não a quero e, obviamente, deve existir um buraco negro dentro dele para conseguir engolir todas elas. Pego um dos pães quentinhos e começo a tirar pedacinhos com gosto de queijo, que como bem devagar para evitar engolir tudo de uma só vez e querer mais um.

O loiro me observa então sou obrigada a engolir, porque seus olhos castanhos se fixam nos meus e aguardam. Até que é gostoso e pego mais um pedacinho, deixando o que resta na bancada e mastigo, forçando para baixo o que está em minha boca.

— É bom. - Confesso e ganho um sorriso. Pego meu café e tomo um gole para ajudar descer a comida.

— Eu coloquei seu celular no arroz há algumas horas. Li na internet que as pessoas fazem isso sempre que perdem o aparelho na água. – Ele fala engolindo a outra metade do seu pão com queijo e lambendo os dedos.

O olho por cima do copo de café e bebo mais um pouco, sentindo o calor fluir pelas palmas das mãos. Lion se levanta, pega um pote de arroz nos armários e procura meu celular, entregando-o a mim. Pressiono o botão lateral para ligá-lo e a tela se ilumina. Nunca fiquei tão feliz em ver a m*****a maçã brilhando. Acende, maçãzinha, acende! Por fim, a tela bloqueada surge, pedindo meu rosto ou o código de seis dígitos que, francamente, esqueci desde que o criei.

Então, as notificações começam a chegar em sequência, desesperadas. A maioria delas de redes sociais, com comentários ridículos de pessoas me chamando de palavras ofensivas sobre os acontecimentos recentes. O restante é composto por mensagens privadas dos meus pais, me procurando como se estivessem loucos, cinquenta ligações perdidas e a caixa de correio de voz lotada.

— Deveria ter quebrado de vez! – Abandono o aparelho na bancada com certa violência e recebo um olhar indignado de Lion.

— Se fosse para você quebrar, eu nem teria gastado meu arroz com isso. Sabe quanto custa um desses? – Ele pega o celular, verificando se a tela está intacta. Está. — Exatamente, mais do que eu posso gastar em um mês sem zerar minha conta bancária!

— Eu compro seu arroz assim que pegar minhas malas! – Reviro os olhos e sinto culpa pela expressão ofendida dele. Merda. — Desculpe, é que... — Suspiro, acalmando os ânimos. — Não é como se as pessoas que estão me procurando se importassem de verdade. Aposto que só querem saber todos os detalhes da minha vida perfeita. – Faço aspas irônicas com os dedos.

— E seus pais? Você deveria ligar para eles, pelo menos. – Ele devolve o celular para a bancada, com uma expressão preocupada. Dou de ombros e brinco com a borda do copo de café, circulando a tampa com o indicador, deixando implícito que não continuarei esse assunto. Lion não insiste, seja pela minha expressão emburrada ou pelo clima estranho e pesado que se instala na cozinha. — Por que você não usou os infinitos cartões de crédito ilimitados para pagar o táxi?

— Porque se eu usasse, eles saberiam onde estou, não quero que saibam.

— Por que não? – O loiro abre a geladeira e pega duas garrafas de água gelada. Ele desliza uma delas pela bancada, seus olhos castanhos fixos nos meus, provocativos. — Por que, Penza, Theo?

— Minha avó veio para cá uma vez quando era jovem e me contou sobre esse lugar. Só sei que foi o último verão antes de ela se casar. – Suspiro, pegando a garrafinha e girando na banqueta giratória como uma criança faz. — Por que insiste tanto nessa pergunta? – Pergunto, decidindo parar de girar, caso contrário todo o café que bebi deixará meu estômago vazio. Bebo um pouco da água.

— Curiosidade. – Lion fica em pé e se aproxima da beirada da bancada, apoiando-se com o cotovelo perto de mim. Finge distrair-se com os dedos e evita me olhar por algum motivo. Talvez seja por causa da minha aparência descuidada nessa manhã. Será que eu estou tão ridícula a ponto de ele sequer querer olhar para mim?

— O dia está lindo, e eu pensei... – Encontro seus olhos castanhos, prendendo-os com tamanha intensidade que suas bochechas coram. — Gostaria de dar um passeio? – Pendo a cabeça para o lado, analisando seu nervosismo ao falar comigo. Geralmente, eu intimido as pessoas porque quero, e isso se tornou um gesto instintivo: um olhar profundo de julgamento ou um sorriso sedutor. — Para esquecer um pouco de ontem? – Ele acrescenta, passando os dedos pelos cabelos bagunçados a caminho do sofá.

— Eu adoraria. – Sorrio, corando um pouco, e agradeço por meus cabelos cobrirem a maior parte do rosto. Contudo, respiro fundo. — Mas, infelizmente, não posso. O aeroporto vai me ligar, e se tiver sorte, terei minhas coisas ainda hoje, e você vai poder se livrar de mim. – Observo sua reação e juro ter visto uma gota de decepção em seus olhos. — Acredita que perderam quatro malas?

— Quatro? Para que tantas malas? – Lion franze as sobrancelhas e se move inquieto no braço do sofá, seus músculos ressaltados capturam minha atenção por um segundo.

— Vou passar o verão inteiro nessa cidade. – Explico dando mais uma volta na banqueta, minhas pernas balançando sem tocar o chão. — Ainda assim, devo ter esquecido algum sapato ou brinco.

— Quase esqueci com quem estou falando! — Ele sorri, exibindo suas covinhas, e isso me fisga enquanto a cadeira faz sua última volta, sendo detida por minhas mãos segurando a borda do balcão. Salto do acento revirando os olhos e dou um tapinha no ombro dele, com a incrível força de uma joaninha. Lion ri do meu tapinha insignificante e me olha por um tempo que parece durar mais do que o necessário. Com ele sentado, agora estamos da mesma altura. — Vamos lá, vai! Se eles ligarem, eu te levo para o aeroporto, e ninguém recusa uma praia! – O loiro fica em pé se afasta em direção às escadas.

— Não tenho roupa de banho. – Insisto.

— Quem disse que precisa de biquíni? Aprecio a arte do nudismo nas praias! – Ele brinca, subindo para o mezanino, com sarcasmo na voz.

— Com certeza você adoraria! – Retruco, cruzando os braços, vendo-o aparecer no mezanino com a câmera fotográfica e uma jaqueta. Ele j**a a peça jeans e despojada para mim. — Jeans e camiseta? É isso que os vocês usam na praia?

— Vista isso logo! – Ele manda e eu a pego, vestindo-a enquanto Lion corre de volta para o quarto. Em menos de dois minuto, ele desce com uma calça preta e uma camisa amassada aberta em um tom desbotado de cinza, revelando seu abdômen levemente definido. Ele me analisa por um instante, a jaqueta serve em duas – talvez, três – de mim, assim como a camiseta. Duas peças de roupa dele, gigantes o suficiente para eu me sentir envergonhada na frente da primeira pessoa que me ver na praia.

— Pareço uma criança usando as roupas dos pais! – Reclam olhando para o meu pequeno corpo desaparecendo na imensidão de tecido confortável, no limite da transparência. Será que pareço gorda com elas?

— Minha irmã de seis anos era mais alta que você. – Ele diz, arrumando a câmera e algumas outras coisas dentro de uma mochila preta.

— Muito engraçado! – Decido usar o sarcasmo em vez de perguntar sobre Lara, de novo. Percebo que ele falou no passado ao se referir a ela, e acredito que ele se corrigiria se eu questionasse. Não tenho nada a ver com a vida dele, e me intrometer será prejudicial para ambos, apenas dois estranhos que logo não se virão mais depois que eu for para o hotel com minhas malas. De propósito, esbarro em seu ombro e sorrio. — Palhaço.

— Brincadeira, principessa. Quase mais alta. – Ele completa e abre a porta, esperando que eu passe primeiro. Eu hesito. — Não tem ninguém na praia a essa hora. É tarde para pescadores e ninguém visita a praia que pretendo te levar. Nenhuma alma viva vai ver a sua calcinha de renda.

Uma sensação gélida percorre minha espinha e ergo a cabeça para encontrar seu sorriso malicioso. Minha calcinha de quê? Percebo minhas bochechas corando e olho para baixo, a camiseta pendendo suavemente até as coxas, nada transparente naquele momento.

— Não está transparente! – Puxo a jaqueta ao redor do corpo, envolvendo minha cintura com os braços.

— Contra a luz, tudo fica transparente. – Lion aponta com um breve aceno de cabeça para a luz solar invadindo a sala e projetando-se no chão de madeira perto do balcão, onde passamos minutos conversando enquanto minha calcinha aparecia por baixo do tecido fino da blusa e sabe-se la o que mais deveria estar aparente. — Desculpe, seria constrangedor te dizer antes.

— Claro! – Concordo com ironia diante do sorriso safado dele. — Porque agora, eu não estou nada constrangida!

Passo pela porta sentindo sua presença atrás de mim ao fechá-la.

— Achei sexy. – Ele zomba, segurando o riso.

— Meu Deus! – Reviro os olhos e desço os degraus, seguindo-o até o térreo. Saímos do loft, e a brisa fresca e salgada balança meus cabelos, enquanto o cheiro de sal, areia e mato invade meu nariz a cada respiração. Estamos descalços, e os grãos de areia carregados pelo vento e grudados na calçada de tijolos me incomodam mais do que a ele.

— Você confia em mim? – Lion pergunta, entregando-me o capacete. A moto está estacionada ao nosso lado, seca da chuva de ontem.

— Estou começando a achar que não devo. - Aceito o capacete e subimos na moto.

O motor range, e a estrada voa rapidamente por nós, a paisagem se movendo mais rápido do que meus olhos conseguem acompanhar. Aperto os braços em volta da cintura dele, contendo o medo que se acumula na garganta com a aceleração da moto. É uma boa pergunta. Eu confio? Será que devo? Confiar em um estranho com intenções desconhecidas é uma decisão terrível.

Talvez eu esteja à beira do precipício e agarrei a única mão estendida para me salvar da queda infinita para a perdição. Sozinha e desesperada, perdida em uma cidade que mal conheço. E Lion me segurou. Ele me deu firmeza e apoio quando pessoas inúteis e desprezíveis arruinaram meu dia. Ele foi a sorte que nunca tive e desejo ao universo que essa sorte demore para ir embora.

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