Angra dos Reis – Futuro
Aquele era um dia especial para mim. Era o dia que eu fechava um ciclo em minha vida. Nunca imaginei que um dia me aposentaria. E mais, que me aposentaria como policial. Foram anos de luta, sofrimento, perdas e ganhos. Principalmente ganhos. Eu não podia reclamar tanto da vida. Ela, de certa forma foi generosa comigo. Me deu até mais do que eu merecia.
Fazer cinquenta anos de vida e poder finalmente descansar era o sonho de qualquer mortal. Descansar de uma vida estressante, perigosa e incerta. Passar pela carreira de policial militar no Rio de Janeiro e sair ileso era semelhante a ganhar na loteria.
Aproveitei a solidão daquele final de tarde e tirei os sapatos, andando pela areia da praia.
Não tinha lugar melhor para mim, do que aquele pedaço de paraíso que eu tinha adquirido cinco anos atrás.
Eu não queria pensar, que metade do meu dinheiro não veio exatamente de negócios limpos, mas aquela fase da minha vida estava no passado e eu já tinha superado as crises de consciência, daquele período da minha vida. O que ganhei depois compensou tudo.
Comprar aquela casa em Angra dos Reis, foi um sonho construído ano após ano e agora, era hora de começar mais uma etapa. Essa agora com a sensação do dever cumprido.
Meu celular tocou e eu pressenti problemas, ao ver o nome no visor.
— Oi, filho, tudo bem?
Claro que não estava tudo bem. Ele não me ligava àquela hora.
— Pai, eu... estou com problemas.
Respirei fundo.
— Que espécie de problemas?
Ele disparou a notícia à queima roupa.
— A Leona está grávida.
Merda! Que inferno!
— Sei.
Eu quase podia ver a cara de desespero dele.
— Calma, já falou com o pai dela?
Ele riu nervoso.
— Eu? Falar com o tio Leonardo? Nunca. Você vai falar.
Olhei para trás e vi o carro estacionando na frente da casa.
— Calma, mais tarde nos falamos.
— Me ajuda, pai, ela só tem dezessete anos, ele vai me matar.
— Provavelmente. Agora se acalme e deixe que eu converso com ele.
Desliguei o telefone e voltei devagar para casa.
Filhos!
Teria sido diferente, seu eu tivesse trilhado outro caminho? Provavelmente sim, mas se eu tivesse que escolher eu faria tudo do mesmo jeito, sem pular nenhuma etapa.
Minha vida era aquilo ali.
Era o resultado de todas as minhas escolhas e elas foram difíceis.
Foi impossível não voltar no tempo.
Eram lembranças muito fortes e volta e meia elas vinham como se tivessem acabado de acontecer.
Dezembro de 2010 – Rio de Janeiro Não sei se ainda haveria um pior dia na minha vida, mas aquele estava sendo particularmente péssimo. Finalmente eu tinha recebido uma notícia da minha mãe. A garota de cabelos azuis que trabalhava com ela na rua, finalmente abriu o bico e deixou escapar o paradeiro dela. Depois de dois meses de angústia e procura, agora eu sabia onde ela estava. Apertei o pescoço da garota e levantei-a no ar, encostando as costas dela na parede suja do apartamento em que ela morava. Ela começou a tossir de olhos arregalados. — Desgraçada! Por que não me disse logo? Ela esperneava, meio sufocada e eu a soltei, fazendo-a despencar no chão. Ela levantou cambaleante e se afastou, me olhando com aquela cara cínica de puta dissimulada. — Ela pediu pra não falar — ela disse com voz engasgada. Fechei os punhos, tentando me controlar para não partir pra cima dela de novo. Aquela menina era uma peste e eu não duvidava que foi ela que armou aquela ida da minha mãe para u
Janeiro de 2012 – Turquia Finalmente eu estava na Turquia. Leonardo caminhava na minha frente de cabeça baixa. O cara estava tão mal quanto eu. Ele tinha acabado de voltar de uma clínica de reabilitação, onde tinha internado a mãe depois de uma crise de ansiedade, que quase a levou ao suicídio. Infelizmente naquele momento meu problema era maior que o dele. Eu precisava encontrar minha mãe. Se é que ela ainda estava viva. Fazia pouco mais de um ano que ela estava ali , naquele país, e agora, finalmente, tivemos uma pista concreta de onde ela estaria. Aquele era o tempo, que meu caminho tinha cruzado com o de Leonardo Ramazan e desde então estávamos sempre juntos. Eu evitava pensar no tipo de amizade que desenvolvemos, mas agora eu confiava no cara. Ele era um bandido? Talvez. Eu era da polícia e nunca deveria compactuar com algumas coisas que ele fazia, mas ele tinha me convencido que nem sempre as coisas são vistas de um único ponto de vista e agora, eu era obrigado a concor
Rio de Janeiro — 2012 Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa. Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação. Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado. Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás. Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão. Meu irmão. Onde ele estava? Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele. Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu de
Junho de 2014 — TurquiaEu não queria sair da minha cama. Nunca mais.Eu só queria ver minha mãe.Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.— Sulamita Ramazan!Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferen
Janeiro de 2015 — TurquiaOlhei para o Leonardo fixamente pensando no que responder diante daquela pergunta.— Você pode repetir o que falou?Ele cruzou as pernas e me olhou sério.— Estou te convidando para vim morar aqui na Turquia e trabalhar comigo.Tive que soltar uma gargalhada. Aquele homem era mesmo uma figura.— Você está me propondo trabalhar transportando drogas e coisas do tipo?Ele arqueou uma sobrancelha rindo.— Estou. Algum problema?— Todos não é Leonardo, eu sou um policial, esqueceu?Ele tinha levantado e começado a andar pela sala lentamente.— Pense comigo. Você ganha uma merreca como policial e gasta tudo andando de lá para cá tentando fazer justiça contra um homem muito poderoso. Junte-se a mim e venha para perto dele.Franzi a testa confuso.— Como assim?— Você não vai conseguir pegar Hilal estando longe dele Rafael, precisamos achar um jeito de você frequentar aquela casa.Ele tinha razão. Fazia três anos que estava naquela busca insana por vingança e nem se
Rio de Janeiro — Dezembro de 2015Agora que eu tinha decidido me mudar me definitivamente para a Turquia, estar ali no Brasil parecia algo estranho. Era como se eu tivesse traindo minha história de vida. Como se estivesse deixando uma parte da minha vida para trás.Damon estava sentado do outro lado da mesa e parecia meio ausente dali. Eu estava preocupado com ele. Ele não tinha parado de beber desde que chegamos ao bar cerca de uma hora atrás. Leonardo, como sempre estava calado e introspectivo.— Que merda vocês têm, hein? Se estavam nessa depressão, o que vieram fazer em um bar?Damon virou mais um copo de cerveja e pigarreou.— Eu só quero ficar bêbado e esquecer que a Juliete se casou com aquele bosta do Joan.O caso era sério.— Porra Dam, isso já faz dois anos e você ainda não se acostumou? Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Parecia realmente esgotado.— Nem que passe mil anos.Respirei fundo e olhei para Leonardo. Ele encolheu os ombros e encheu o copo del
Turquia — Janeiro de 2016Era arriscado, mas eu tentaria.Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como s
Era chegada a hora.Seis anos depois daquela tragédia eu iria conhecer Hilal Ramazan. Hoje eu estaria cara a cara com o assassino da minha mãe e finalmente minha vingança se aproximava.Estava parado em frente à mansão e esperava Leonardo autorizar minha entrada.Meu coração estava acelerado e minhas mãos suadas. Eu estava prestes a entrar na casa do homem que eu pretendia matar. Não era minha intenção demorar muito ali. Eu só precisava achar um jeito de ficar sozinho com ele.Estava tudo planejado em minha mente. Eu atiraria nele e me entregaria para a polícia. Seria o fim daquele tortura. Nada me faria desistir daquela vingança. Eu não ficaria nem um minuto a mais do que o necessário dentro daquela casa.O portão abriu e o segurança fez sinal para que eu entrasse.A alameda até a porta de entrada era longa e iluminada com luzes coloridas ao redor. Era uma casa enorme no centro de um jardim repleto de flores. Seria um lugar bonito, se fosse sustentado com dinheiro sujo do tráfico de