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Capítulo 07 - Leonardo

Turquia — Janeiro de 2016

Era arriscado, mas eu tentaria.

Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.

Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.

Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.

O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.

Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como se fosse dar um passeio. No Brasil eu compraria o que fosse necessário.

Desci as escadas e ela já me esperava na sala.

Estava nervosa. Aquela semana tinha sido tensa e desde o dia que anuncie para ela o que pretendia fazer, que ela estava naquele estado de nervos.

Hilal estava sentado no sofá e parecia estar tramando alguma coisa. Eu conhecia aquele homem mais do que ele imaginava.

Parei na frente dele e o encarei firme.

— Vou sair um pouco com a Sula.

Ele a encarou e ela se encolheu atrás de mim.

Ela também não gostava dele.

Ele não disse nada e eu a peguei pela mão e fui em direção à porta.

— Leonardo!

Me virei lentamente.

— Fale.

Ele retirou algo do bolso.

— Não vai precisar disso aqui?

O sangue gelou em minhas veias. Era o passaporte da Sula.

Miserável! Desgraçado!

Me aproximei lentamente.

— Me devolva isso!

Ele negou.

— Você pretendia fugir com ela?

Avancei pra cima dele e a Sula começou a chorar.

— Me devolva! Eu vou levá-la para ver nossa mãe.

Ele enfiou o documento no bolso e pegou a arma apontando para nós.

— Suma da minha frente e pense bem antes de tentar me enganar de novo.

Era preciso recuar de novo. Pela Sula.

Engoli o bolo que se formou em minha garganta e dei um passo atrás segurando a mãe dela.

Ele ia me pagar. Mais cedo ou mais tarde.

Subi as escadas e ela se jogou chorando em minha cama.

Sentei ao lado dela.

— Calma, minha princesa, eu vou achar um jeito, eu prometo.

Ela me olhou com raiva.

— Você não me prometa mais nada, você garantiu que daria certo!

Tentei segurar as lágrimas que insistiam em cair dos meus olhos.

— Por favor, Sula, não piore as coisas.

Ela levantou gritando.

— EU QUERO IR EMBORA DAQUI, ME TIRE DESSA CASA!

Puxei-a para meus braços e alisei o cabelo dela.

— Calma, Sula, me ajude. Fique calma.

Ela tremia soluçando.

— Vamos embora daqui, Léo.

Meu peito estava apertado.

— Não podemos sair daqui. Ele tem seus documentos. Eu seria preso se te levasse ilegalmente. Aguente mais um pouco.

Ela continuou ali abraçada comigo, até a respiração se acalmar.

— Escute, vá para seu quarto. Eu preciso sair um pouco. Eu não demoro.

Ela me agarrou de novo.

— Não! não me deixe sozinha.

Aquele medo dela não era normal. Ela precisava voltar para o tratamento.

— Ei, calma. Eu volto logo.

Há muito custo, consegui coloca-la na cama e sai em direção ao meu apartamento.

Encontrei o Rafael nervoso e impaciente.

— Que foi homem? Que cara é essa?

Ele me empurrou de encontro à parede.

— Que merda de trabalho é esse que você me ofereceu? Eu tive que levar uma carregamento de drogas hoje e a polícia apareceu lá, tive que inventar mil histórias para tentar convencer aqueles idiotas a não abrirem o caminhão.

Me deixei cair no sofá. Aquele era meu menor problema. Com o tempo ele se acostumava.

— Calma, cara, senta aqui.

Ele apontou o dedo para mim.

— Olha aqui, Léo, aceitei sua proposta por que prometeu me colocar dentro daquela casa. Eu quero encontrar Hilal Ramazan e até aqui não pisei os pés naquela mansão ainda.

Passei a mão pelo cabelo e respirei fundo.

— Estou tentando falar com meu avô pra te contratar como segurança, mas agora as coisas se complicaram um pouco.

— Como assim?

Levantei e comecei a andar pela sala.

— Ele achou o passaporte da Sula e não consegui sair do país com ela. Agora ela está lá metida numa crise depressiva de novo.

Ele parou em minha frente.

— Sinto muito por você, mas meu objetivo é outro. Não vim aqui para trabalhar de fachada numa fábrica de tecidos e transportar drogas para seu avô.

Perdi a paciência.

— Inferno, Rafael, para de chorar feito criança. Eu te ajudei quando você precisou, agora me ajude também. Eu estou com problemas com minha irmã.

Ele ficou calado um instante.

— Tudo bem, vou te dar um tempo, mas procure um jeito de me colocar dentro daquela casa, ou então eu vou fazer do meu jeito.

— Certo, eu prometo.

Sulamita

Era uma tortura saber que o Léo tinha saído e eu estava sozinha ali. Me encolhi sobre a cama e puxei o cobertor sobre minha cabeça. A qualquer momento aquela porta poderia abrir e meu tormento começaria de novo.

Eu não aguentava mais.

Eu precisava contar ao Leo. Não podia mais esconder aquela situação. Eu contaria hoje.

Nos últimos dois anos eu engoli calada as atrocidades daquele velho louco, mas agora eu não podia mais sufocar aquilo. Eu morreria.

Independentemente do que viesse a acontecer, eu não suportaria mais aquilo sozinha.

Como se meus maiores temores se efetivassem, ouvi a fechadura da porta girar. Eu tinha trancado assim que o Léo saiu, mas eu sabia que se não abrisse seria pior. A última vez que tranquei a porta ele tinha me batido até ferir a pele das minhas costas. Ele sempre me batia em lugares que não aparecia para as outras pessoas.

Levantei devagar e girei a chave.

Era tarde e a casa estava em silêncio.

Ele não trancou a porta como das outras vezes e acendeu a luz.

Virei as costa e fechei os olhos, tentando controlar a ânsia de vômito.

Ele me agarrou pelo braço e me jogou sentada na cama.

— Escute aqui sua garota insolente, vou te avisar uma coisa.

Eu não olhei para ele. Fazia dois anos que eu não voltava meus olhos para aquele monstro.

— Olhe pra mim!

Não obedeci e ele segurou meu cabelo com força.

— Estou vendo que está ficando corajosa, quer contar tudo para seu irmão não é?

Finalmente levantei meus olhos para ele e cuspi na cara dele.

— Hoje eu vou contar tudo pra ele. Meu irmão vai te matar, seu velho brocha.

Ele me deu um tapa no rosto. Minha pele ardeu, mas eu não ia recuar.

— Sabe o que eu fico feliz? VOCE. NÃO. CONSEGUE. TRANSAR! VOCE É UM VELHO NOJENTO E NUNCA VAI FAZER NADA COMIGO!

Ele me bateu de novo, mas minha raiva me dava forças.

— Esse seu pau velho e mole nunca conseguiu ficar duro. Você nunca pode fazer o que sempre quis!

Ele pegou o celular e me forçou a olhar para a tela.

— Veja, sua piranha, assista devagar.

O vídeo começou a rodar e meu coração acelerou.

Era uma mulher sentada em uma cadeira com os pés e as mãos amarradas e dois homens segurado o rosto dela. O que eles iam fazer?

De repente um outro homem parou na frente da mulher e tirou uma lamina do bolso.

Enfiou a mão na boca dela e segurou a língua da mulher decepando-a sem hesitar.

Um suor frio desceu pelas minhas costas e uma nuvem negra escureceu meus olhos.

A imagem tremia em minha frente, mas era possível ver a mulher agonizando toda suja de sangue e o homem mostrando o membro decepado como se fosse um troféu.

Ele desligou o celular e apertou meu pescoço me obrigando a olhar para ele.

— Se abrir a boca e falar uma palavra, já sabe o que vai acontecer.

Meus Deus! Me ajude!

— Primeiro eu corto sua língua e depois mato seu irmão. Ai vou me livrar do sangue ruim da sua mãe.

Meu corpo tremia e eu não conseguia me mexer.

Ele se afastou e deu uma risada satânica.

— Pense bem garota, não quero mutilar seu lindo corpinho. Tenho outros planos para ele. Então não abra essa boca até eu dizer que pode.

Ele então virou as costas e foi embora.

Leonardo

Uma semana depois

— Sula, pelo amor de Deus, responde!

Ela continuou deitada com o rosto virado para a parede.

A Zaila estava sentada aos pés da cama e também parecia assustada com aquela mudança repentina de comportamento.

Fazia uma semana que ela estava calada.

Desde o que dia que cheguei em casa e ela não respondeu minhas perguntas, que eu tentava fazer com que ela falasse e me dissesse o que tinha acontecido.

Ela se recusava a falar e também não me olhou nos olhos.

Eu estava desesperado. Precisava saber o que tinha acontecido com ela.

Olhei para a Zaila pedindo socorro e ela também parecia perdida e sem saber o que fazer.

— Eu já tentei, filho, ela não responde.

Respirei fundo e a puxei pelo braço forçando-a a olhar para mim.

Os olhos dela estavam distantes e vazios. Meu Deus! O que tinha acontecido com aquela menina?

— Escute, meu amor. Você está doente?

Ela negou com a cabeça.

— Por que não responde? Fale alguma coisa.

Ela puxou o braço e voltou a deitar virando para a parede.

Levantei agoniado.

— Deixa Zaila, traz alguma coisa pra ela comer e amanhã cedo vou levá-la ao médico.

No corredor interroguei a Zaila.

— Você viu alguma coisa? Ela falou algo com você?

— Não. Nada. Ela praticamente não sai do quarto.

— Vou falar com meu avô.

Encontrei-o no escritório falando ao telefone.

— Não importa! Quero ele fora do meu caminho, mate se for preciso!

Ele gritava com alguém do outro lado da linha e ao me ver desligou o telefone.

— Fale Leonardo, o que quer?

Sentei em frente a ele.

— Você falou com a Sula esses dias?

Ele demorou para responder.

— Não. Por quê?

— Ela tem uma semana calada e não sai do quarto.

Ele encolheu os ombros como se aquilo não tivesse importância. Não era novidade para mim que ele não gostava dela. Era até bom que fosse assim. Se eu pudesse apagaria qualquer vínculo dela com ele.

— Aquela garota é estranha. Deve ser alguma mania desses adolescentes malucos.

Eu sabia que não podia contar com ele.

— Amanhã vou levá-la ao médico e também vou pedir ao Rafael que a acompanhe para a escola. Ela não pode sair sozinha desse jeito.

— Quero falar com ele primeiro, não conheço bem esse rapaz.

— Ele é de confiança, eu garanto. A Sula precisa de alguém com ela até resolver falar e dizer o que está acontecendo.

— Traga-o para jantar aqui amanhã.

Levantei e já na porta virei para ele.

— Não perturbe minha irmã e não quero que volte a obrigá-la a comer na mesa. Ela não gosta.

Ele me olhou friamente.

— Se eu quiser ela vai comer. Aqui nesta casa quem dar as ordens sou eu.

Que vontade de voltar e socar a cara dele até o desgraçado desmaiar.

— Mesmo assim, prefiro que ela fique no quarto até descobrirmos o que aconteceu com ela.

— Procure fazer aquela garota ficar boa, quem vai querer casar com uma mulher muda?

O que ele queria dizer?

— Casar?!

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Sim. Daqui uns dias ela faz dezoitos anos. Vou procurar um bom marido pra ela.

Nunca! Nem por cima do meu cadáver eu deixaria ele arrumar um marido pra ela.

— Depois conversaremos sobre isso, preciso sair.

Ele já não olhava mais para mim.

— Já deveria ter ido.

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