O dia estava amanhecendo e o sol entrava pela cortina da janela, que esquecemos de fechar durante a noite.Damon dormia de bruços ao meu lado e o som da respiração dele me levou de volta ao passado, quando ele conseguia dormir tranquilamente depois que a gente transava, enquanto eu ficava acordada morrendo de medo que alguém descobrisse.Ele virou na cama de barriga pra cima e continuou dormindo. Meu olhar pousou na tatuagem que ele tinha na barriga. Um sol com os raios enormes e uma frase bem conhecida pra mim. “Raio de Sol”. Um sorriso tomou conta dos meus lábios. Depois de tantas tempestades, meu sol agora brilhava. Eu era o raio de sol dele ele era o calor que aquecia minha alma.Ali estava o meu amor, o único que penetrou no meu coração. A força que me fez sobreviver a tantos anos de violência e tristeza. O pai da minha filha e o meu companheiro que eu esperava passar o resto da minha vida.Jamais perdoaria meus pais pelo que tinham feito comigo. Eles não se arrependeram e contin
Aquele era um dia importante pra mim e a Sula.Era o aniversário de 06 anos do Gabriel e de 01 ano da Samy, nossa filha mais nova. Não foi planejado, mas eles nasceram com um dia de diferença no mesmo mês e aquilo facilitava a comemoração dos aniversários.Aquele último ano tinha sido especial, por que conquistamos muitas coisas boas.A Sula tinha terminado o mestrado em Direito Penal e a carreira dela estava crescendo rapidamente. Ela trabalhava apenas um turno, porque ela queria ficar mais tempo com as crianças. Ela e o Léo desenvolveram uma rotina de trabalho que não sobrecarregava nenhum dos dois e as coisas estavam dando certo.Nós compramos outro apartamento maior em um condomínio com piscina e parque infantil, para que as crianças pudessem ter uma vida mais confortável e divertida e contratamos uma funcionária, que ajudava nas tarefas domésticas.O Gabriel já estudava e optamos por colocá-lo em uma escola próxima do nosso apartamento porque nossa vida era muita corrida e fac
Lembro que, quando entrei para a polícia, houve uma pequena cerimônia para dar as boas vindas aos novos agentes. Entre eles estávamos eu e o Damon.Agora, 30 anos depois eu vivenciava uma emoção parecida. Naquela época era um sentimento de felicidade e gratidão por ter conseguido meu primeiro emprego aos 19 anos de idade. Agora era um sentimento de alívio, por finalmente ter cumprido minha missão como policial.Retirei minha arma da cintura e parei alguns minutos com aquele objeto na minha mão. Ali eu e me separava do que me protegeu e me tirou o sono em grande parte da minha vida.Coloquei devagar em cima da mesa do comandante e retirei minha credencial do pescoço.Tinha um bolo descendo pela minha garganta e fiz todo o ritual calado. O Lucas estava de pé ao meu lado. Ele tinha feito a mesma coisa há um ano atrás e agora esperava quieto, para enfim sairmos juntos para outra vida.— Obrigada Sargento Rafael, foi uma grande honra tê-lo na polícia todo esse tempo. Bati continência pa
Angra dos Reis – FuturoAquele era um dia especial para mim. Era o dia que eu fechava um ciclo em minha vida. Nunca imaginei que um dia me aposentaria. E mais, que me aposentaria como policial. Foram anos de luta, sofrimento, perdas e ganhos. Principalmente ganhos. Eu não podia reclamar tanto da vida. Ela, de certa forma foi generosa comigo. Me deu até mais do que eu merecia.Fazer cinquenta anos de vida e poder finalmente descansar era o sonho de qualquer mortal. Descansar de uma vida estressante, perigosa e incerta. Passar pela carreira de policial militar no Rio de Janeiro e sair ileso era semelhante a ganhar na loteria.Aproveitei a solidão daquele final de tarde e tirei os sapatos, andando pela areia da praia.Não tinha lugar melhor para mim, do que aquele pedaço de paraíso que eu tinha adquirido cinco anos atrás.Eu não queria pensar, que metade do meu dinheiro não veio exatamente de negócios limpos, mas aquela fase da minha vida estava no passado e eu já tinha superado as crise
Dezembro de 2010 – Rio de Janeiro Não sei se ainda haveria um pior dia na minha vida, mas aquele estava sendo particularmente péssimo. Finalmente eu tinha recebido uma notícia da minha mãe. A garota de cabelos azuis que trabalhava com ela na rua, finalmente abriu o bico e deixou escapar o paradeiro dela. Depois de dois meses de angústia e procura, agora eu sabia onde ela estava. Apertei o pescoço da garota e levantei-a no ar, encostando as costas dela na parede suja do apartamento em que ela morava. Ela começou a tossir de olhos arregalados. — Desgraçada! Por que não me disse logo? Ela esperneava, meio sufocada e eu a soltei, fazendo-a despencar no chão. Ela levantou cambaleante e se afastou, me olhando com aquela cara cínica de puta dissimulada. — Ela pediu pra não falar — ela disse com voz engasgada. Fechei os punhos, tentando me controlar para não partir pra cima dela de novo. Aquela menina era uma peste e eu não duvidava que foi ela que armou aquela ida da minha mãe para u
Janeiro de 2012 – Turquia Finalmente eu estava na Turquia. Leonardo caminhava na minha frente de cabeça baixa. O cara estava tão mal quanto eu. Ele tinha acabado de voltar de uma clínica de reabilitação, onde tinha internado a mãe depois de uma crise de ansiedade, que quase a levou ao suicídio. Infelizmente naquele momento meu problema era maior que o dele. Eu precisava encontrar minha mãe. Se é que ela ainda estava viva. Fazia pouco mais de um ano que ela estava ali , naquele país, e agora, finalmente, tivemos uma pista concreta de onde ela estaria. Aquele era o tempo, que meu caminho tinha cruzado com o de Leonardo Ramazan e desde então estávamos sempre juntos. Eu evitava pensar no tipo de amizade que desenvolvemos, mas agora eu confiava no cara. Ele era um bandido? Talvez. Eu era da polícia e nunca deveria compactuar com algumas coisas que ele fazia, mas ele tinha me convencido que nem sempre as coisas são vistas de um único ponto de vista e agora, eu era obrigado a concor
Rio de Janeiro — 2012 Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa. Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação. Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado. Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás. Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão. Meu irmão. Onde ele estava? Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele. Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu de
Junho de 2014 — TurquiaEu não queria sair da minha cama. Nunca mais.Eu só queria ver minha mãe.Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.— Sulamita Ramazan!Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferen