Janeiro de 2012 – Turquia
Finalmente eu estava na Turquia.
Leonardo caminhava na minha frente de cabeça baixa. O cara estava tão mal quanto eu. Ele tinha acabado de voltar de uma clínica de reabilitação, onde tinha internado a mãe depois de uma crise de ansiedade, que quase a levou ao suicídio.
Infelizmente naquele momento meu problema era maior que o dele. Eu precisava encontrar minha mãe. Se é que ela ainda estava viva. Fazia pouco mais de um ano que ela estava ali , naquele país, e agora, finalmente, tivemos uma pista concreta de onde ela estaria.
Aquele era o tempo, que meu caminho tinha cruzado com o de Leonardo Ramazan e desde então estávamos sempre juntos.
Eu evitava pensar no tipo de amizade que desenvolvemos, mas agora eu confiava no cara.
Ele era um bandido? Talvez.
Eu era da polícia e nunca deveria compactuar com algumas coisas que ele fazia, mas ele tinha me convencido que nem sempre as coisas são vistas de um único ponto de vista e agora, eu era obrigado a concordar.
Ele tinha contratado um cara para fazer uma investigação detalhada, de todas as casas de prostituição da Turquia e em uma delas, ele encontrou Erica. Depois de meses frequentando o local, ele finalmente, conseguiu uma noite com ela e descobriu o local onde ela vivia com mais duas garotas. Agora era armar um plano para conseguir tirá-la de lá.
Leonardo virou-se e me encarou.
— Satisfeito garoto? Aqui estamos nós. E agora?
— Não me chame de garoto, eu sou quase da sua idade.
Ele riu debochado.
— Eu tenho vinte e cinco anos e você tem vinte e um, então é um garoto sim.
Torci os lábios contrariado.
— Eu sou da polícia, você não é merda de nada.
Ele abriu a porta de uma caminhonete preta estacionada no fundo do aeroporto.
— Eu sou a porta para você entrar nesse pais, então não me irrite.
Bati a porta do carro e esperei ele sentar em frente ao volante.
— E então? Como vai ser?
Ele pensou um pouco.
— Tenho um apartamento aqui perto, vamos para lá e pensaremos no que fazer.
O apartamento que ele se referia, ficava em uma rua estreita e pouco iluminada. Era um prédio antigo, mas bem conservado e o apartamento, ficava no terceiro andar e não tinha elevador. Era amplo e com poucos móveis.
— Você mora aqui?
Ele se jogou no sofá e tirou as botas.
— Digamos que me escondo aqui.
O lugar era legal. Limpo, arejado e silencioso.
— E sua irmã? Tudo bem?
Ele demorou para responder.
— Não. Ela está mal na escola, não sai do quarto e chora o tempo todo.
— Por que sua mãe abandonou vocês?
— Ela não abandonou a gente, ela foi expulsa do país.
Pelo que ele tinha me contado, a mãe dele também tinha sido garota de programa e veio para a Turquia na mesma situação que a minha. A diferença, era que ela tinha casado com o pai dele e acabou ficando ali, até que alguma coisa o fez expulsá-la de lá para o Brasil. As brasileiras não entendia que os costumes ali eram bem diferentes e os homens turcos, não toleravam certos comportamentos tidos como normais no Brasil.
Esse era meu medo. Que minha mãe tivesse batido de frete com algum homem ali e que agora ela não estivesse mais viva.
Meus nevos estavam por um fio. Naquele último ano, minha vida se resumira em juntar pedaços de uma história fragmentada e tentar me manter lucido para trabalhar. Acabei afundando no álcool e nas drogas e agora eu estava meio perdido e sem rumo. Meu parceiro Damon, estava preocupado comigo e muitas vezes ele teve que esconder minhas faltas no serviço, por não conseguir levantar depois de uma noite de álcool e cocaína.
Perdi minha namorada, a única que se atreveu a querer ficar comigo e depois de um tempo encheu o saco e preferiu cuidar da vida dela.
Minha vida estava uma merda e se não fosse por Leonardo, talvez eu estivesse pior. O cara de certa forma cuidou de mim. Ele não bebia, não fumava, não usava drogas. O puto só trepava. Pegava uma mulher atrás da outra e muitas vezes fodia com elas na minha frente mesmo.
Mas quando eu exagerava, ele puxava a corda e me colocava de novo no trilho.
Agora era um desses momentos. Ele moveu céus e terras e acabou encontrando o padeiro da minha mãe.
Sentei ao lado dele no sofá e pigarrei.
— Porra cara, você sabe que te devo um favor enorme, não é?
Ele virou o rosto e me encarou.
— Nem me pergunte por que estou te ajudando, mas sabemos que aquele acordo no aeroporto já acabou, agora somos amigos.
— Eu sei.
— Então quero que você consiga uma coisa pra mim.
Que merda ele ia pedir?
— Fale.
— Quero um porte de armas.
Arquei uma sobrancelha.
— Por quê? Você tem outros meios para conseguir armas.
— Eu quero de maneira legal. Não posso correr o risco de ser preso e deixar a Sula sozinha naquela casa.
Era justo.
— Tudo bem, eu consigo.
— Ótimo.
Ele levantou e tirou a camisa.
— Vamos pedir uma pizza, afinal hoje é seu aniversário. Você liga para a pizza e eu ligo para as garotas.
— Garotas?
Ele riu
— Sim. Mulheres Rafael, você vai trepar muito hoje rapaz e amanhã de manhã, vamos buscar sua mãe.
Foi uma noite péssima.
Não consegui pensar em outra coisa, que não fosse amanhecer o dia e poder encontrar minha mãe.
Mesmo contra a vontade do Leonardo, umas das garotas conseguiu levar drogas e passei metade da noite cheirando cocaína e tentando satisfazer a garota que parecia não cansar de chupar meu pau. Não gostava daquele sexo sem emoção. Mulher pra mim tinha que ser minha e eu dela, e naquele momento minha cabeça estava em outro lugar. Por fim, em respeito a garota me forcei a transar com ela e gozei apenas como uma resposta física, enquanto ela gemia em êxtase como se estivesse na mais satisfatória relação. Eu não a julgava. Era o trabalho dela.
O dia amanheceu e me encontrou, sentado no sofá esperando Leonardo dar as caras, depois de passar o resto da noite com as duas garotas no quarto.
Ele dispensou as meninas e pelo visto parecia enjoado delas. Era o mínimo, pois eu não acreditava que ele pudesse gostar daquele tipo de relacionamento.
Ele pegou duas pistolas em cima da mesa e colocou na cintura. Agora parecia de novo, o homem concentrado e pronto para entrar em ação e o olhar era de novo, de um homem frio que não hesitaria em usar aquelas armas se fosse necessário.
— Vamos, garoto, é agora ou nunca.
Verifiquei se minha arma estava carregada e coloquei mais algumas munições no bolso da jaqueta.
Levantei meio cambaleante e Leonardo se aproximou, preocupado.
— Ei, você está bem?
Empurrei o braço dele.
— Estou ótimo, vamos.
Chegamos ao local indicado pelo informante pouco antes do dia clarear. Era uma casa velha e suja e eu me recusava a acreditar que minha mãe pudesse estar ali. Eu estava mal. A noite sem dormi agora cobrava seu preço, mas eu precisava ir até o fim.
Deixamos o carro parado a certa distância e nos aproximamos a pé. Observamos a área por um instante e então entramos em ação. Invadimos a casa e atiramos nos caras que faziam a guarda do local. A área estava limpa e era só arrombar a porta do quarto, foi quando o barulho de um carro estacionando nos fez recuar e nos esconder atrás de uma parede.
Dois homens desceram do veículo e entraram na casa. De onde estávamos era possível ver apenas a sombra dos visitantes, e eu vi Leonardo empalidecer como se tivesse reconhecido os caras que estavam naquela casa.
— Que merda foi essa aqui? Nossos homens estão mortos!
— Tem alguém aqui, tenha cuidado.
E agora? Deveríamos enfrentá-los ou ver o que eles faziam ali?
Tentei sair do lugar onde estávamos, mas Leonardo impediu segurando meu braço com força. Foi aí o nosso erro. Eles entraram no quarto e mesmo à distância era possível ouvir os gritos lá dentro.
— Sua filha da puta, você não cansa de tentar me enganar. Não vê que não vai conseguir fugir!
E o som de coisas quebrando.
As garotas gritavam e de repente um tiro.
Meu corpo gelou.
Os homens saíram conversando calmamente.
— Vamos embora, vamos mandar alguém levar as outras e recolher esses cadáveres.
Não sei quanto tempo levou, até sairmos daquele canto e andar os poucos passos que levavam ao quarto, que estava com a porta aberta.
Era possível ver um corpo estirado no chão e os gritos das outras mulheres. Minhas pernas pareciam gelatina e minha visão estava embaçada. Me obriguei a dar os poucos passos que restavam até a porta e a visão, que se descortinou à minha frente, fez meu mundo escurecer de vez. Minha mãe estava caída no meio de uma poça de sangue.
Raiva, tristeza, revolta, medo, não sei qual sentimento me dominou naquele momento e minha única reação foi cair de joelhos ao lado do corpo dela.
— Mãe!!!
Os gritos das outras mulheres ali, presas a correntes chegava de longe aos meus ouvidos e eu senti que ia desmaiar.
A voz de Leonardo tentava me fazer reagir.
— Ei cara, se acalma por favor, eu preciso de você.
Abracei o corpo inerte da minha mãe e gritei tremendo.
— Desgraçado! Eu vou atrás daquele homem nem que seja no inferno!
Leonardo me puxou pelo braço e eu o encarei. O cara parecia ter visto um fantasma.
— Não precisa, eu sei onde ele mora.
Arregalei os olhos surpreso.
— Você o conhece?
— Sim. Mas agora precisamos tirar essas mulheres daqui e dar um enterro digno para sua mãe. Depois pensaremos na sua vingança. Não se preocupe, pois sua mãe não foi a única vítima daquele homem, a minha também vive no inferno hoje por causa dele.
Rio de Janeiro — 2012 Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa. Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação. Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado. Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás. Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão. Meu irmão. Onde ele estava? Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele. Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu de
Junho de 2014 — TurquiaEu não queria sair da minha cama. Nunca mais.Eu só queria ver minha mãe.Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.— Sulamita Ramazan!Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferen
Janeiro de 2015 — TurquiaOlhei para o Leonardo fixamente pensando no que responder diante daquela pergunta.— Você pode repetir o que falou?Ele cruzou as pernas e me olhou sério.— Estou te convidando para vim morar aqui na Turquia e trabalhar comigo.Tive que soltar uma gargalhada. Aquele homem era mesmo uma figura.— Você está me propondo trabalhar transportando drogas e coisas do tipo?Ele arqueou uma sobrancelha rindo.— Estou. Algum problema?— Todos não é Leonardo, eu sou um policial, esqueceu?Ele tinha levantado e começado a andar pela sala lentamente.— Pense comigo. Você ganha uma merreca como policial e gasta tudo andando de lá para cá tentando fazer justiça contra um homem muito poderoso. Junte-se a mim e venha para perto dele.Franzi a testa confuso.— Como assim?— Você não vai conseguir pegar Hilal estando longe dele Rafael, precisamos achar um jeito de você frequentar aquela casa.Ele tinha razão. Fazia três anos que estava naquela busca insana por vingança e nem se
Rio de Janeiro — Dezembro de 2015Agora que eu tinha decidido me mudar me definitivamente para a Turquia, estar ali no Brasil parecia algo estranho. Era como se eu tivesse traindo minha história de vida. Como se estivesse deixando uma parte da minha vida para trás.Damon estava sentado do outro lado da mesa e parecia meio ausente dali. Eu estava preocupado com ele. Ele não tinha parado de beber desde que chegamos ao bar cerca de uma hora atrás. Leonardo, como sempre estava calado e introspectivo.— Que merda vocês têm, hein? Se estavam nessa depressão, o que vieram fazer em um bar?Damon virou mais um copo de cerveja e pigarreou.— Eu só quero ficar bêbado e esquecer que a Juliete se casou com aquele bosta do Joan.O caso era sério.— Porra Dam, isso já faz dois anos e você ainda não se acostumou? Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Parecia realmente esgotado.— Nem que passe mil anos.Respirei fundo e olhei para Leonardo. Ele encolheu os ombros e encheu o copo del
Turquia — Janeiro de 2016Era arriscado, mas eu tentaria.Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como s
Era chegada a hora.Seis anos depois daquela tragédia eu iria conhecer Hilal Ramazan. Hoje eu estaria cara a cara com o assassino da minha mãe e finalmente minha vingança se aproximava.Estava parado em frente à mansão e esperava Leonardo autorizar minha entrada.Meu coração estava acelerado e minhas mãos suadas. Eu estava prestes a entrar na casa do homem que eu pretendia matar. Não era minha intenção demorar muito ali. Eu só precisava achar um jeito de ficar sozinho com ele.Estava tudo planejado em minha mente. Eu atiraria nele e me entregaria para a polícia. Seria o fim daquele tortura. Nada me faria desistir daquela vingança. Eu não ficaria nem um minuto a mais do que o necessário dentro daquela casa.O portão abriu e o segurança fez sinal para que eu entrasse.A alameda até a porta de entrada era longa e iluminada com luzes coloridas ao redor. Era uma casa enorme no centro de um jardim repleto de flores. Seria um lugar bonito, se fosse sustentado com dinheiro sujo do tráfico de
Teoricamente aquele era meu primeiro dia de trabalho como segurança particular de Sulamita Ramazan e minha primeira tarefa do dia seria levá-la para a escola, trazer de volta para casa e depois do almoço levá-la para a seção de análise que ela fazia com um psicólogo.Como me comportar com uma garota que não falava? Não por que fosse muda, ela tinha parado de falar, segundo Leonardo. O que era muito estranho. Ninguém deixava de falar de uma hora para outra.Cheguei antes das sete horas e aguardei dentro do carro, do lado de fora do portão. Leonardo tinha me dado o número do telefone dela e me instruiu que deveria mandar uma mensagem quando chegasse. Aquele idiota tinha que inventar uma viagem bem no primeiro dia que eu estava naquela casa?Vi que ela visualizou a mensagem mas não respondeu. Alguns minutos depois ela surgiu na porta da frente. Não estava muito diferente da noite anterior. Vestia um jeans e um moletom enorme. Os cabelos estavam soltos e ela carregava uma mochila que pare
Tinha alguma coisa errada.A garota não foi para a consulta com a psicóloga e não respondeu minhas mensagens. Nem sequer visualizou.Já eram seis horas da tarde e nada.E agora? O que fazer?O desgraçado do segurança apenas tinha dito que ela não poderia ir e mais nada.Deveria ligar para Leonardo? Não. Ele estava no Brasil. Não podia resolver nada.Eu precisa entrar naquela casa e descobrir o que estava acontecendo com ela.Ainda não tinha passe livre ali e eu teria que arrumar um jeito de me infiltrar lá dentro.Me aproximei do portão e o segurança me olhou desconfiado.— Diga, rapaz— Diga ao Sr. Hilal, que preciso falar com ele. É importante.Alguns minutos depois ele abriu o portão e eu entrei devagar.Fui escoltado até o escritório de Hilal Ramazan e eu ainda não sabia o que inventar para falar com ele.O homem me aguardava atrás da imensa mesa de madeira e outro cara, que eu conhecia da fábrica como Zaruk Madal estava ao lado dele.— O que deseja rapaz?Pigarreei e sentei em fr