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Capítulo 04 - Sulamita

Junho de 2014 — Turquia

Eu não queria sair da minha cama. Nunca mais.

Eu só queria ver minha mãe.

Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?

Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.

Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.

Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.

O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.

— Sulamita Ramazan!

Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferentes, mas ser exposta na frente de toda a escola foi o estopim pra mim.

Sai do meu esconderijo e subi no palco me aproximando cega da diretora da escola.

Antes de pensar no que eu estava fazendo avancei pra cima dela e a empurrei no chão chutando as pernas dela aos gritos.

— EU NÃO TENHO MÃE! EU ODEIO TODOS VOCÊS!

Alguém tinha me segurado com força pelos braços e me arrastado até a sala da diretoria.  Fiquei lá pelo menos umas duas horas esperando meu irmão chegar.

Ele me fuzilou com o olhar e assinou o papel da suspensão de três dias pelo ocorrido. Não era a primeira vez. Eu já tinha sido suspensa umas dez vezes nos últimos dois anos e por azar eles acabavam me aceitando de volta. Eu sabia que meu avô comprava os professores ali, tanto para me aceitar, como para alterar minhas notas. Eu praticamente perdia em todas as provas.

Leonardo brigou comigo e me colocou de castigo nas primeiras vezes que me envolvi em confusão na escola, mas depois de um tempo ele passou a conversar mais calmamente comigo e eu entendi que ele me considerava louca. Me levou a vários médicos e me enchia de remédios para depressão.

Ele não entendia que eu não era doente. Eu só queria viver em paz.

Fazia anos que minha mãe tinha sumido e me deixado sozinha naquela casa. O que aconteceu com ela? Onde estava?

Eu não queria mais viver. Como uma menina de onze anos poderia viver sem mãe? Eu só podia contar com meu irmão. Eu não gosto do meu pai. Ele me olha com ódio, não me abraça, não me dá atenção e eu tenho medo do meu avô.

Me sinto muito mal de pensar assim, mas eu me escondo quando ouço a voz dele e finjo estar dormindo quando me chamam pra fazer as refeições na sala. Eu sou tão estranha! Eu não gosto da minha família. Eu só gosto da Zaila. Ela é minha fada. Ela me protege e cuida de mim.

Levantei a coberta e olhei a bandeja ao meu lado. Ela tinha feito sanduíche de atum e suco de laranja. Ela sabia que eu estava triste e fez minha comida preferida.

Me estiquei devagar e coloqueis os pés para fora da cama. O mundo rodou e minha visão escureceu um pouco. Respirei fundo e fechei os olhos respirando profundamente.

Já era quase noite e eu não tinha comido nada desde a manhã. Me forcei a pegar o sanduíche e mordi sem vontade. Engoli como se fosse uma pedra, mas me senti melhor e virei o copo de suco até a metade. Respirando devagar, comi o sanduíche e tomei o restante do suco.

Leo deveria estar chegando. Ele sempre chegava quando anoitecia. Eu não sabia o que meu irmão tanto fazia fora de casa o dia inteiro e muitas vezes ele passava dias viajando. Nesses dias eu não tinha vontade de fazer nada e ficava trancada no quarto.

Ouvi batidas na porta. Era ele. Eu conhecia quando ele batia na minha porta.

Corri para abrir e ele me pegou no colo me levantando no ar e rindo.

— Oi, minha princesa, o que está fazendo?

Eu ri me segurando no ombro dele para não cair.

— Me solta, Léo, eu vou cair.

Ele rodava comigo suspensa no ar.

— Cair o que garota? Você é leve feito uma pena.

Ele me colocou no chão e sentou na cama.

— E ia? Como foi o dia?

Me joguei na cama ao lado dele e torci os lábios.

— Nada demais. Nem sai do quarto!

— Sula...

Ele ia começar aquele sermão de novo.

— Para Léo,  eu não quero falar sobre isso.

Ele respirou fundo. Eu sabia que ele estava preocupado comigo.

— Escute, eu fui ver outra escola pra você. Vamos lá amanhã.

Virei de costas para ele.

— Eu não quero ir. É a terceira escola que estudo desde os oito anos e sei que não vai dar certo de novo.

Leonardo me olhou duramente.

— Chega Sula! Você vai sim, precisa estudar.

Levantei o queixo teimosa.

— Eu não preciso de escola, eu preciso da minha mãe.

Eu sabia que ele também sentia a falta dela, mas disfarçava na minha frente, naquele dia porém ele parecia irritado e levantou apontando o dedo pra mim e gritando.

— Você acha que eu também não quero? Só você gostava dela, eu não?

— Léo...

— Chega Sulamita! Você vai fazer o que eu mandar! Nossa mãe foi embora e eu vou cuidar de você, então amanhã às sete horas esteja pronta que nós iremos ver sua escola nova! Entendido?

Me encolhi na cama abraçando os joelhos e chorando.

— Eu odeio você!

Ele andava nervoso pelo quarto e de repente parou em minha frente. Parecia arrependido de ter gritado comigo.

Sentou em minha frente e pegou em minha mão.

— Escute minha irmã, faça o que eu falar, eu só quero seu bem.

Limpei os olhos soluçando.

— Eu sou um peso para você, eu sei...

Ele me sacudiu devagar.

— Pare com isso, não diga besteira, eu sou irmão e eu te amo. Você não é nenhum peso pra mim.

Apertei a mão dele com força.

— Desculpa Léo, eu vou ver a escola.

Ele levantou mais calmo.

— Vai, se arruma, eu vou te levar pra conhecer um apartamento que eu comprei.

Arregalei os olhos.

— Nós vamos nos mudar daqui?! — perguntei alegre

Ele negou.

— Não. Ainda não. Comprei pra gente poder respirar um pouco fora dessa casa, mas não posso te levar ainda.

Meu coração acelerou.

— Você vai embora e vai me deixar aqui?

-Não! eu não vou morar lá, é só par ir de vez em quando.

Sorri maliciosa pra ele.

— Já sei, é pra levar suas namoradas não é?

Ele colocou as mãos na cintura.

— Isso não é da sua conta mocinha.

— É sim, você é meu irmão.

— Você só tem onze anos, não pode ficar falando essas coisas.

Soltei uma risada enquanto vestia uma calça e um moletom  e calçava o tênis.

— Você é tão bobo! Eu vou arrumar um namorado quando eu fizer quinze anos, você vai ver.

— Nunca! Nem por cima do meu cadáver.

Dancei na frente dele fazendo pirraça.

— Você não vai nem saberrr...

Ele me empurrou em direção à porta.

— Cala a boca sua pirralha, não quero ouvir essa conversa de namoro de novo.

Fiz um sinal lacrando a boca e sai pulando de um pé só atrás dele pelo corredor.

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