Rio de Janeiro — Dezembro de 2015
Agora que eu tinha decidido me mudar me definitivamente para a Turquia, estar ali no Brasil parecia algo estranho. Era como se eu tivesse traindo minha história de vida. Como se estivesse deixando uma parte da minha vida para trás.
Damon estava sentado do outro lado da mesa e parecia meio ausente dali. Eu estava preocupado com ele. Ele não tinha parado de beber desde que chegamos ao bar cerca de uma hora atrás. Leonardo, como sempre estava calado e introspectivo.
— Que merda vocês têm, hein? Se estavam nessa depressão, o que vieram fazer em um bar?
Damon virou mais um copo de cerveja e pigarreou.
— Eu só quero ficar bêbado e esquecer que a Juliete se casou com aquele bosta do Joan.
O caso era sério.
— Porra Dam, isso já faz dois anos e você ainda não se acostumou?
Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Parecia realmente esgotado.
— Nem que passe mil anos.
Respirei fundo e olhei para Leonardo. Ele encolheu os ombros e encheu o copo dele de novo.
— Bom. Eu como não estou sofrendo de amor por ninguém, vou ali tentar pegar aquela morena que não tira os olhos de mim.
Eu não sei como ele aguentava pegar tantas mulheres diferentes.
— Hoje eu não quero presenciar cenas de sexo explícito, por favor.
Ele riu divertido.
— Eu deixo você participar, se quiser.
Eu não duvidava que ele fosse capaz de dividir uma mulher comigo, mas aquilo não era minha praia.
Observei uma garota sentada na mesa ao lado rindo com duas amigas. Talvez eu devesse fazer o Damon se alegrar um pouco.
Fiz sinal convidando as garotas para sentar em nossa mesa e tentei fazer com que ele entrasse no clima.
— Que tal terminarmos essa noite com um bom vinho, no apartamento do meu amigo?
Damon me olhou de cara feia.
A garota loira, de corpo escultural estava praticamente sentada no meu colo. Até que ela era interessante.
Pisquei o olho para amiga dela incentivando-a seduzir o Damon.
— Vamos, gatinho, não estrague a diversão.
Meio contra a vontade, mas ele aceitou e então fomos todos para o apartamento do Leonardo.
O filho da mãe, já foi logo agarrando a menina e arrancando a blusa dela sem se importar com a plateia ao redor.
Damon já meio alto pela bebida sentou no sofá e puxou a garota para o colo, alisando as pernas dela por baixo da saia curta.
Olhei para a loirinha ao meu lado e estendi a mão para ela.
— Não gosto de exibição gatinha, que tal irmos para o quarto?
Ela encostou no meu corpo e alisou meu peito.
— Por mim, já estaria lá.
Sulamita
Será que eu deveria matá-lo? Talvez não fosse tão difícil.
Segurei com força o cabo da faca de cozinha que eu tinha pego mais cedo e empurrei para baixo do travesseiro. Olhei o relógio. Eram quase dez horas da noite. Ele viria a qualquer momento.
Aquela era a pior hora do dia para mim. Era quando a casa ficava em silêncio e aquele monstro empurrava lentamente a porta do meu quarto.
Ele só vinha em momentos estratégicos. O Léo não estava em casa e meu pai deveria estar bêbado, caído no sofá da sala. A desgraçada da Samia, mesmo se visse alguma coisa não faria nada e a Zaila sempre dormia cedo. E Deus tinha me abandonado a própria sorte. Eu só podia contar comigo mesma.
— Eu vou resolver isso, eu vou me livrar dele, custe o que custar.
Eu não queria pensar que já fazia mais de um ano que eu vivia aquele tormento. Eu deveria contar para alguém, mas quem iria acreditar em mim? Talvez o Léo, mas eu tinha medo da reação dele. Eu não queria que ele se tornasse um assassino por minha causa. Eu mesma acabaria com aquilo.
Respirei fundo, sentei na cama e esperei.
Não demorou e o rangido lento da porta chegou aos meus ouvidos.
Calma Sula, Calma.
Os passos dele se aproximaram da cama no escuro e o vulto dele parou ao meu lado.
— Vamos, sua cadela, já sabe o que fazer: tire a roupa!
Mesmo sem olhar eu sabia que ele estava com a arma na mão. Era sempre assim. Ele chegava, me fazia tirar a roupa e passava a mão em mim.
Trinquei os dentes e fiquei imóvel, deixando ele se aproximar e ajoelhar-se na cama.
O cheiro dele me enjoava e eu queria sair correndo dali.
Deus não me abandonou totalmente. Desde o primeiro dia que começou aquela tortura ele não conseguia ficar excitado. Eu não sei o que era mais nojento, se era o corpo gordo dele em cima do meu na cama, ou quando ele pegava minha mão e me fazia segurar o membro flácido dele. Perdi a conta de quantas vezes lavei minha mãos até quase sangrar quando ele ia embora.
Hoje eu daria um fim naquele suplicio.
Coloquei a mão lentamente em baixo do travesseiro e segurei o cabo da faca.
Estava escuro e eu calculei minha força.
Quando senti a boca dele vindo em minha direção, arrastei a faca e golpeei a lateral do corpo dele.
Um grito escapou e ele caiu para o lado na cama gemendo.
Ele precisa morrer! Ele não pode sobreviver, será meu fim.
Não esperei para ver e corri para a porta, destrancando-a e saindo em disparada pelo corredor.
E agora? Aquela casa era cheia de seguranças, como eu faria para sair dali?
No último degrau da escada, a luz da sala acendeu e a Zaila estava de pé na porta da cozinha.
— Sula! O que faz de pé a essa hora menina?
— Eu...eu… estou com fome…
Ela se aproximou de mim e me segurou pelo braço.
— Nossa menina! Você está gelada! Tá vendo o que dá ficar sem comer? Venha, eu vou esquentar uma sopa pra você.
Minhas pernas tremiam e eu andei como um robô até a cozinha, aguçando os ouvidos para ouvir algum som vindo de cima. Nada.
Estava sentada esperando a Zaila esquentar a sopa quando ele entrou na cozinha.
Meu coração disparou. O miserável estava vivo.
Ele segurava o braço sujo de sangue.
— Zaila, me ajude, tive uma acidente com uma faca tentando consertar a janela do quarto.
Eu tinha errado o golpe. Foi apenas um corte no antebraço dele.
Minha satisfação era que ele não podia dizer o que foi.
Da próxima vez eu calcularia melhor.
A Zaila correu para ajudar o infame e eu peguei o prato de sopa e sai calmamente em direção ao quarto.
Pelo menos naquela noite, eu me sentia um pouco melhor. Era questão de tempo.
Turquia — Janeiro de 2016Era arriscado, mas eu tentaria.Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como s
Era chegada a hora.Seis anos depois daquela tragédia eu iria conhecer Hilal Ramazan. Hoje eu estaria cara a cara com o assassino da minha mãe e finalmente minha vingança se aproximava.Estava parado em frente à mansão e esperava Leonardo autorizar minha entrada.Meu coração estava acelerado e minhas mãos suadas. Eu estava prestes a entrar na casa do homem que eu pretendia matar. Não era minha intenção demorar muito ali. Eu só precisava achar um jeito de ficar sozinho com ele.Estava tudo planejado em minha mente. Eu atiraria nele e me entregaria para a polícia. Seria o fim daquele tortura. Nada me faria desistir daquela vingança. Eu não ficaria nem um minuto a mais do que o necessário dentro daquela casa.O portão abriu e o segurança fez sinal para que eu entrasse.A alameda até a porta de entrada era longa e iluminada com luzes coloridas ao redor. Era uma casa enorme no centro de um jardim repleto de flores. Seria um lugar bonito, se fosse sustentado com dinheiro sujo do tráfico de
Teoricamente aquele era meu primeiro dia de trabalho como segurança particular de Sulamita Ramazan e minha primeira tarefa do dia seria levá-la para a escola, trazer de volta para casa e depois do almoço levá-la para a seção de análise que ela fazia com um psicólogo.Como me comportar com uma garota que não falava? Não por que fosse muda, ela tinha parado de falar, segundo Leonardo. O que era muito estranho. Ninguém deixava de falar de uma hora para outra.Cheguei antes das sete horas e aguardei dentro do carro, do lado de fora do portão. Leonardo tinha me dado o número do telefone dela e me instruiu que deveria mandar uma mensagem quando chegasse. Aquele idiota tinha que inventar uma viagem bem no primeiro dia que eu estava naquela casa?Vi que ela visualizou a mensagem mas não respondeu. Alguns minutos depois ela surgiu na porta da frente. Não estava muito diferente da noite anterior. Vestia um jeans e um moletom enorme. Os cabelos estavam soltos e ela carregava uma mochila que pare
Tinha alguma coisa errada.A garota não foi para a consulta com a psicóloga e não respondeu minhas mensagens. Nem sequer visualizou.Já eram seis horas da tarde e nada.E agora? O que fazer?O desgraçado do segurança apenas tinha dito que ela não poderia ir e mais nada.Deveria ligar para Leonardo? Não. Ele estava no Brasil. Não podia resolver nada.Eu precisa entrar naquela casa e descobrir o que estava acontecendo com ela.Ainda não tinha passe livre ali e eu teria que arrumar um jeito de me infiltrar lá dentro.Me aproximei do portão e o segurança me olhou desconfiado.— Diga, rapaz— Diga ao Sr. Hilal, que preciso falar com ele. É importante.Alguns minutos depois ele abriu o portão e eu entrei devagar.Fui escoltado até o escritório de Hilal Ramazan e eu ainda não sabia o que inventar para falar com ele.O homem me aguardava atrás da imensa mesa de madeira e outro cara, que eu conhecia da fábrica como Zaruk Madal estava ao lado dele.— O que deseja rapaz?Pigarreei e sentei em fr
Leonardo me olhava surpreso.— Você fez o que?Sustentei o olhar dele.— Comprei um telefone para ela. Aquele traste do seu avô tomou o celular da menina.Estávamos sentados em uma mesa no fundo do bar que costumávamos frequentar. Pela primeira vez eu não estava me sentindo bem ali, principalmente por que a garota que trabalhava ali como garçonete e que ficava comigo de vez em quando não parava de me olhar. Eu não estava com cabeça para mulheres naquela hora. — Como ela passou esses dias?Encolhi os ombros.— Do mesmo jeito. Acho que estava sentindo sua falta.Ele parecia preocupado.— Não consigo entender por que ela parou de falar. Meu Deus! Isso não faz sentido.— Porra cara! Não estava nos nossos planos que eu fosse escoltar sua irmã, meu objetivo naquela casa é outro e você sabe qual é.Ele me olhou sério.— Vai me deixar sozinho agora? Eu não sei como cuidar dela.Eu estava agoniado, por que agora eu também estava preocupado com ela.— Vou segurar a onda um pouco, mas não pense
Pensei mil vezes se passaria a noite de natal ali, ou se deveria ir ao Brasil, mas de repente uma ideia me passou pela cabeça.Leonardo me avisou que haveria uma festa na mansão e talvez aquela fosse a minha chance de matar Hilal Ramazan sem levantar suspeitas. Aos poucos abandonei a ideia de enfrentá-lo cara a cara e atirar nele. Aquela casa vivia cheia de seguranças e eu seria morto no primeiro suspiro se atirasse no homem a queima roupa. Com a casa cheia de gente, talvez fosse mais fácil executar meu plano. Minha arma tinha silenciador, então bastava achar o melhor ângulo e disparar. Todos ali seriam suspeitos e se eu fizesse tudo bem planejado, ninguém nunca descobriria.Por mim, eu já teria acabado com a raça daquele infeliz e ido para a cadeia, mas no fundo eu acabei me segurando para não fazer aquilo na presença da Sulamita. A menina parecia confiar em mim a cada dia que passava e eu não queria destruir a imagem que ela tinha de mim.Me recusei a pensar que já se passara seis m
A mansão estava cheia de gente. A maioria eram pessoas do círculo de Hilal Ramazan e eu reconheci alguns empresários de fachada que ele fazia negócios escusos, escondidos sob o nome da fábrica de tecidos. Mulheres fúteis, amantes dos criminosos. A esposa deveria estar em casa chorando a ausência daqueles merdas na noite de natal.Virei a garrafa de cerveja e procurei a Sula com o olhar. Onde ela estava? Leonardo conversava com a Zaila na cozinha.Olhei fixamente a figura austera de Hilal Ramazan. Quem o visse de longe acharia que era um exímio pai de família. Era um assassino e eu pretendia matá-lo naquela noite. Toquei o cabo da pistola por baixo da jaqueta de couro preta que eu usava e respirei fundo. Tinha que ser hoje.Novamente olhei ao redor. Onde estava aquela garota?Coloquei a garrafa de cerveja vazia sobre a mesa e estava indo falar com o Léo, quando meu celular vibrou no meu bolso.Olhei o visor e meu coração acelerou.“ Rafael, me ajuda!”Olhei em volta. O Leo saia da cozi
Aquele era um dia feliz pra mim.Era meu aniversário de dezesseis anos e eu estava no apartamento do Léo. Nós vamos jantar juntos. Apenas eu, ele e o Rafael. Não tinha coisa melhor do que passar meu aniversario longe daquela casa.Leonardo comprou um bolo e pediu uma pizza.Eles tinham saído para comprar um presente pra mim e eu aproveitei para tomar um banho e me arrumar um pouco. Hoje eu tiraria aquele moletom caindo aos pedaços e vestiria algo bonito. Ali eu estava protegida. Pelo menos naquela noite eu não corria perigo. O dia seguinte era algo que eu não queria pensar naquela hora.Tomei banho e lavei os cabelos, demorando um longo tempo embaixo da agua quente. Eu gostava de ficar ali e naqueles últimos meses o Léo tinha me levado várias vezes par ficar com eles. Aqueles eram os melhores dias da minha vida. Lógico que o bandido do meu avô tentou impedir, mas o Léo foi firme e o enfrentou.Pelo menos eu podia respirar um pouco longe da maldade de Hilal Ramazan. Minha mente também