Rio de Janeiro — 2012
Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa.
Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação.
Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado.
Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás.
Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão.
Meu irmão. Onde ele estava?
Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele.
Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu devia ter uns cinco anos. Meu irmão um pouco mais velho. Minha mãe saia todas as noites e ficávamos sozinhos. A senhora que morava na casa da frente, vinha nos perguntar se estava tudo bem e trazia comida.
Algumas vezes a polícia batia na nossa porta e tinha sérias discussões com minha mãe e uma noite, nos levou para um abrigo e ficamos lá por uma semana.
Ela conseguiu nos trazer de volta e foi ali que ela sumiu com meu irmão.
Meu coração doía ao pensar que eu não sabia o nome dele. Eu o chamava de Leleco, mas aos cinco anos não era comum uma criança se ligar nesses detalhes.
Ela nunca me falou o paradeiro dele e por mais que eu chorasse e implorasse, ela não me falou onde tinha deixado meu irmão.
Eu mesmo tinha sido vítima da irresponsabilidade dela, mas por sorte ela me deu para a vizinha da frente e embora ela fizesse pouca questão de ter contato comigo, eu cresci vendo minha mãe entrar e sair daquele quarto nos fundos da casa. Muitas vezes a senhora que cuidava de mim ameaçou mandá-la embora mas eu, implorava para que ela a deixasse ficar lá e dizia que um dia eu pagaria pelos anos que ela ficou ali sem pagar aluguel.
Com 12 anos comecei a trabalhar na oficina mecânica que ficava na minha rua e todo meu dinheiro era para ajudar minha mãe.
Eu a amava, mas ela se aproveitou que eu já trabalhava e ganhava dinheiro e então me levou para morar com ela em um pequeno apartamento de quarto e sala, que ela fazia de ponto de encontro com clientes.
Foram os piores anos da minha vida.
Tentei me manter longe daquele mundo sujo que ela frequentava e passavas dias na oficina,, trabalhando e estudando. Voltava para casa apenas para trazer algum dinheiro e comida para ela.
Eu tive tudo para me tornar um delinquente, mas meu objetivo de vida era claro. Eu não queria uma vida degradante como aquela que eu presenciava todos os dias. Estudei, mesmo sem apoio e sem dinheiro e aos dezoitos anos conclui o ensino médio através de uma prova de aceleração de estudos.
O concurso da polícia, veio em um momento que eu não esperava.
Damon era um garoto que morava ao lado da oficina que eu trabalhava e este sim, era um verdadeiro garoto rebelde. Ele tinha uma moto que volta e meia estava na minha mão, devido a inúmeros acidentes que ele se envolvia e foi ele que me avisou do concurso para a polícia. Era um pouco mais velho que eu e disse sorrindo que o pai dele o obrigou a se inscrever e disse que se ele não fosse aprovado ia deportá-lo para morar num sitio com a avó.
Nós fizemos e passamos nas primeiras colocações e eu me vi aos dezenove anos assumindo o cargo de policial militar no Rio de Janeiro.
Damon era um parceiro de vida e de trabalho.
Ele tinha me ligado uma centena de vezes nos últimos três dias e eu sabia que estava encrencado no trabalho.
Leonardo me enviou várias mensagens, mas eu nem visualizei. Não queria saber dele no momento. Eu me recusava a digerir a informação que ele me deu quando voltamos do cemitério.
— Quem é o cara que atirou na minha mãe Leonardo?
Ele tinha sentado no sofá e abaixou a cabeça talvez pensando se deveria me dizer ou não.
— Você disse que sabe quem é ele. Vamos, me diga!
— Ele... é meu avô.
Pensei ter ouvi errado.
— Seu... o que?!
Ele tinha respirado fundo.
— Meu avô, Hilal Ramazan
Eu fechei os olhos cansado.
Aquela conversa tinha sido há uma semana atrás e eu ainda estava meio incrédulo. Primeiro por descobrir a identidade do assassino da minha mãe e segundo por saber que o Leonardo o odiava tanto quanto eu.
— Você também quer se vingar dele? Porquê?
Ele tinha me olhado de uma forma tão fria que ali eu descobri que tinha um aliado na minha luta por justiça.
— Ele também destruiu a vida minha mãe. Eu só não o matei ainda por causa da minha irmã. Ela é que tem mantido preso aquela casa. Ela precisa de mim.
— Você sabe que eu vou matá-lo não sabe?
Ele tinha se aproximado de mim e segurado meu ombro com força.
— Aprenda uma coisa Rafael. Não devemos deixar a emoção dominar nosso pensamento. Tudo tem a hora certa.
Fiquei calado por um momento e ele bateu no meu peito me fazendo olhar para ele.
— Quer entrar nessa comigo? que fazer justiça pela morte da sua mãe?
— É meu objetivo de vida de agora em diante.
— Então estamos juntos nessa, cara.
Eu só podia confiar nele. Ele me levaria para dentro da casa de Hilal Ramazan e lá eu destruiria aquele homem. Nada me faria parar até devolver aquela bala que ele cravou na cabeça da minha mãe.
Meus pensamentos foram interrompidos pela voz do Damon batendo na porta.
— Rafael! Abre aqui seu idiota!
Não me movi do lugar esperando. Se eu conhecia bem o Damon, eu já sabia qual seria o passo seguinte.
Não deu outra. Ele meteu o pé na porta e passou por cima dela caída do no chão.
Levantei devagar e o encarei calmo.
— Você vai consertar minha porta.
Ele se aproximou e me deu um soco me fazendo recuar cambaleando.
— Quer merda você tá fazendo? Que ser demitido porra?
Passei a mão no queixo e cruzei os braços.
— Ih já vi que não conseguiu levar a Juliete para cama. Está de mal humor.
Ele jogou a cabeça para trás rindo abertamente.
— Engano seu. Levei e transei com ela até cansar. O pai dela que se foda, a Juliete agora é minha.
— Então me deixe aqui e vá trepar com sua namorada.
— Nunca!
Ele pegou minha farda jogada no canto do sofá e atirou em cima de mim.
— Vamos, veste isso logo, porque hoje eu não tenho desculpas para o chefe.
Contrariado peguei a farda e vesti enquanto ele carregava minha arma.
— Preciso comer, estou quase desmaiando.
Ele tentava colocar a porta no lugar.
— Tem sanduíche no carro. A Juliete pegou escondido em casa e me deu.
Eu ri debochado.
— Juliete pra lá, juliete pra cá, Damon tá apaixonado!
— Estou sim, não tenho culpa se sua namorada te deixou.
— Não estou nem ai, eu nem gostava tanto dela.
— Então vamos, por que nosso chefe está gostando menos ainda de você.
Junho de 2014 — TurquiaEu não queria sair da minha cama. Nunca mais.Eu só queria ver minha mãe.Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.— Sulamita Ramazan!Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferen
Janeiro de 2015 — TurquiaOlhei para o Leonardo fixamente pensando no que responder diante daquela pergunta.— Você pode repetir o que falou?Ele cruzou as pernas e me olhou sério.— Estou te convidando para vim morar aqui na Turquia e trabalhar comigo.Tive que soltar uma gargalhada. Aquele homem era mesmo uma figura.— Você está me propondo trabalhar transportando drogas e coisas do tipo?Ele arqueou uma sobrancelha rindo.— Estou. Algum problema?— Todos não é Leonardo, eu sou um policial, esqueceu?Ele tinha levantado e começado a andar pela sala lentamente.— Pense comigo. Você ganha uma merreca como policial e gasta tudo andando de lá para cá tentando fazer justiça contra um homem muito poderoso. Junte-se a mim e venha para perto dele.Franzi a testa confuso.— Como assim?— Você não vai conseguir pegar Hilal estando longe dele Rafael, precisamos achar um jeito de você frequentar aquela casa.Ele tinha razão. Fazia três anos que estava naquela busca insana por vingança e nem se
Rio de Janeiro — Dezembro de 2015Agora que eu tinha decidido me mudar me definitivamente para a Turquia, estar ali no Brasil parecia algo estranho. Era como se eu tivesse traindo minha história de vida. Como se estivesse deixando uma parte da minha vida para trás.Damon estava sentado do outro lado da mesa e parecia meio ausente dali. Eu estava preocupado com ele. Ele não tinha parado de beber desde que chegamos ao bar cerca de uma hora atrás. Leonardo, como sempre estava calado e introspectivo.— Que merda vocês têm, hein? Se estavam nessa depressão, o que vieram fazer em um bar?Damon virou mais um copo de cerveja e pigarreou.— Eu só quero ficar bêbado e esquecer que a Juliete se casou com aquele bosta do Joan.O caso era sério.— Porra Dam, isso já faz dois anos e você ainda não se acostumou? Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Parecia realmente esgotado.— Nem que passe mil anos.Respirei fundo e olhei para Leonardo. Ele encolheu os ombros e encheu o copo del
Turquia — Janeiro de 2016Era arriscado, mas eu tentaria.Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como s
Era chegada a hora.Seis anos depois daquela tragédia eu iria conhecer Hilal Ramazan. Hoje eu estaria cara a cara com o assassino da minha mãe e finalmente minha vingança se aproximava.Estava parado em frente à mansão e esperava Leonardo autorizar minha entrada.Meu coração estava acelerado e minhas mãos suadas. Eu estava prestes a entrar na casa do homem que eu pretendia matar. Não era minha intenção demorar muito ali. Eu só precisava achar um jeito de ficar sozinho com ele.Estava tudo planejado em minha mente. Eu atiraria nele e me entregaria para a polícia. Seria o fim daquele tortura. Nada me faria desistir daquela vingança. Eu não ficaria nem um minuto a mais do que o necessário dentro daquela casa.O portão abriu e o segurança fez sinal para que eu entrasse.A alameda até a porta de entrada era longa e iluminada com luzes coloridas ao redor. Era uma casa enorme no centro de um jardim repleto de flores. Seria um lugar bonito, se fosse sustentado com dinheiro sujo do tráfico de
Teoricamente aquele era meu primeiro dia de trabalho como segurança particular de Sulamita Ramazan e minha primeira tarefa do dia seria levá-la para a escola, trazer de volta para casa e depois do almoço levá-la para a seção de análise que ela fazia com um psicólogo.Como me comportar com uma garota que não falava? Não por que fosse muda, ela tinha parado de falar, segundo Leonardo. O que era muito estranho. Ninguém deixava de falar de uma hora para outra.Cheguei antes das sete horas e aguardei dentro do carro, do lado de fora do portão. Leonardo tinha me dado o número do telefone dela e me instruiu que deveria mandar uma mensagem quando chegasse. Aquele idiota tinha que inventar uma viagem bem no primeiro dia que eu estava naquela casa?Vi que ela visualizou a mensagem mas não respondeu. Alguns minutos depois ela surgiu na porta da frente. Não estava muito diferente da noite anterior. Vestia um jeans e um moletom enorme. Os cabelos estavam soltos e ela carregava uma mochila que pare
Tinha alguma coisa errada.A garota não foi para a consulta com a psicóloga e não respondeu minhas mensagens. Nem sequer visualizou.Já eram seis horas da tarde e nada.E agora? O que fazer?O desgraçado do segurança apenas tinha dito que ela não poderia ir e mais nada.Deveria ligar para Leonardo? Não. Ele estava no Brasil. Não podia resolver nada.Eu precisa entrar naquela casa e descobrir o que estava acontecendo com ela.Ainda não tinha passe livre ali e eu teria que arrumar um jeito de me infiltrar lá dentro.Me aproximei do portão e o segurança me olhou desconfiado.— Diga, rapaz— Diga ao Sr. Hilal, que preciso falar com ele. É importante.Alguns minutos depois ele abriu o portão e eu entrei devagar.Fui escoltado até o escritório de Hilal Ramazan e eu ainda não sabia o que inventar para falar com ele.O homem me aguardava atrás da imensa mesa de madeira e outro cara, que eu conhecia da fábrica como Zaruk Madal estava ao lado dele.— O que deseja rapaz?Pigarreei e sentei em fr
Leonardo me olhava surpreso.— Você fez o que?Sustentei o olhar dele.— Comprei um telefone para ela. Aquele traste do seu avô tomou o celular da menina.Estávamos sentados em uma mesa no fundo do bar que costumávamos frequentar. Pela primeira vez eu não estava me sentindo bem ali, principalmente por que a garota que trabalhava ali como garçonete e que ficava comigo de vez em quando não parava de me olhar. Eu não estava com cabeça para mulheres naquela hora. — Como ela passou esses dias?Encolhi os ombros.— Do mesmo jeito. Acho que estava sentindo sua falta.Ele parecia preocupado.— Não consigo entender por que ela parou de falar. Meu Deus! Isso não faz sentido.— Porra cara! Não estava nos nossos planos que eu fosse escoltar sua irmã, meu objetivo naquela casa é outro e você sabe qual é.Ele me olhou sério.— Vai me deixar sozinho agora? Eu não sei como cuidar dela.Eu estava agoniado, por que agora eu também estava preocupado com ela.— Vou segurar a onda um pouco, mas não pense