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Capítulo 03 - Rafael

Rio de Janeiro — 2012

Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa.

Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação.

Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado.

Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás.

Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão.

Meu irmão. Onde ele estava?

Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele.

Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu devia ter uns cinco anos. Meu irmão um pouco mais velho. Minha mãe saia todas as noites e ficávamos sozinhos. A senhora que morava na casa da frente, vinha nos perguntar se estava tudo bem e trazia comida.

Algumas vezes a polícia batia na nossa porta e tinha sérias discussões com minha mãe e uma noite, nos levou para um abrigo e ficamos lá por uma semana.

Ela conseguiu nos trazer de volta e foi ali que ela sumiu com meu irmão.

Meu coração doía ao pensar que eu não sabia o nome dele. Eu o chamava de Leleco, mas aos cinco anos não era comum uma criança se ligar nesses detalhes.

Ela nunca me falou o paradeiro dele e por mais que eu chorasse e implorasse, ela não me falou onde tinha deixado meu irmão.

Eu mesmo tinha sido vítima da irresponsabilidade dela, mas por sorte ela me deu para a vizinha da frente e embora ela fizesse pouca questão de ter contato comigo, eu cresci vendo minha mãe entrar e sair daquele quarto nos fundos da casa. Muitas vezes a senhora que cuidava de mim ameaçou mandá-la embora mas eu, implorava para que ela a deixasse ficar lá e dizia que um dia eu pagaria pelos anos que ela ficou ali sem pagar aluguel.

Com 12 anos comecei a trabalhar na oficina mecânica que ficava na minha rua e todo meu dinheiro era para ajudar minha mãe.

Eu a amava, mas ela se aproveitou que eu já trabalhava e ganhava dinheiro e então me levou para morar com ela em um pequeno apartamento de quarto e sala, que ela fazia de ponto de encontro com clientes.

Foram os piores anos da minha vida.

Tentei me manter longe daquele mundo sujo que ela frequentava e passavas dias na oficina,, trabalhando e estudando. Voltava para casa apenas para trazer algum dinheiro e comida para ela.

Eu tive tudo para me tornar um delinquente, mas meu objetivo de vida era claro. Eu não queria uma vida degradante como aquela que eu presenciava todos os dias. Estudei, mesmo sem apoio e sem dinheiro e aos dezoitos anos conclui o ensino médio através de uma prova de aceleração de estudos.

O concurso da polícia, veio em um momento que eu não esperava.

Damon era um garoto que morava ao lado da oficina que eu trabalhava e este sim, era um verdadeiro garoto rebelde. Ele tinha uma moto que volta e meia estava na minha mão, devido a inúmeros acidentes que ele se envolvia e foi ele que me avisou do concurso para a polícia. Era um pouco mais velho que eu e disse sorrindo que o pai dele o obrigou a se inscrever e disse que se ele não fosse aprovado ia deportá-lo para morar num sitio com a avó.

Nós fizemos e passamos nas primeiras colocações e eu me vi aos dezenove anos assumindo o cargo de policial militar no Rio de Janeiro.

Damon era um parceiro de vida e de trabalho.

Ele tinha me ligado uma centena de vezes nos últimos três dias e eu sabia que estava encrencado no trabalho.

Leonardo me enviou várias mensagens, mas eu nem visualizei. Não queria saber dele no momento. Eu me recusava a digerir a informação que ele me deu quando voltamos do cemitério.

— Quem é o cara que atirou na minha mãe Leonardo?

Ele tinha sentado no sofá e abaixou a cabeça talvez pensando se deveria me dizer ou não.

— Você disse que sabe quem é ele. Vamos, me diga!

— Ele... é meu avô.

Pensei ter ouvi errado.

— Seu... o que?!

Ele tinha respirado fundo.

— Meu avô, Hilal Ramazan

Eu fechei os olhos cansado.

Aquela conversa tinha sido há uma semana  atrás e eu ainda estava meio incrédulo. Primeiro por descobrir a identidade do assassino da minha mãe e segundo por saber que o Leonardo o odiava tanto quanto eu.

— Você também quer se vingar dele? Porquê?

Ele tinha me olhado de uma forma tão fria que ali eu descobri que tinha um aliado na minha luta por justiça.

— Ele também destruiu a vida minha mãe. Eu só não o matei ainda por causa da minha irmã. Ela é que tem mantido preso aquela casa. Ela precisa de mim.

— Você sabe que eu vou matá-lo não sabe?

Ele tinha se aproximado de mim e segurado meu ombro com força.

— Aprenda uma coisa Rafael. Não devemos deixar a emoção dominar nosso pensamento. Tudo tem a hora certa.

Fiquei calado por um momento e ele bateu no meu peito me fazendo olhar para ele.

— Quer entrar nessa comigo? que fazer justiça pela morte da sua mãe?

— É meu objetivo de vida de agora em diante.

— Então estamos juntos nessa, cara.

Eu só podia confiar nele. Ele me levaria para dentro da casa de Hilal Ramazan e lá eu destruiria aquele homem. Nada me faria parar até devolver aquela bala que ele cravou na cabeça da minha mãe.

Meus pensamentos foram interrompidos pela voz do Damon batendo na porta.

— Rafael! Abre aqui seu idiota!

Não me movi do lugar esperando. Se eu conhecia bem o Damon, eu já sabia qual seria o passo seguinte.

Não deu outra. Ele meteu o pé na porta e passou por cima dela caída do no chão.

Levantei devagar e o encarei calmo.

— Você vai consertar minha porta.

Ele se aproximou e me deu um soco me fazendo recuar cambaleando.

— Quer merda você tá fazendo? Que ser demitido porra?

Passei a mão no queixo e cruzei os braços.

— Ih já vi que não conseguiu levar a Juliete para cama. Está de mal humor.

Ele jogou a cabeça para trás rindo abertamente.

— Engano seu. Levei e transei com ela até cansar. O pai dela que se foda, a Juliete agora é minha.

— Então me deixe aqui e vá trepar com sua namorada.

— Nunca!

Ele pegou minha farda jogada no canto do sofá e atirou em cima de mim.

— Vamos, veste isso logo, porque hoje eu não tenho desculpas para o chefe.

Contrariado peguei a farda e vesti enquanto ele carregava minha arma.

— Preciso comer, estou quase desmaiando.

Ele tentava colocar a porta no lugar.

— Tem sanduíche no carro. A Juliete pegou escondido em casa e me deu.

Eu ri debochado.

— Juliete pra lá, juliete pra cá, Damon tá apaixonado!

— Estou sim, não tenho culpa se sua namorada te deixou.

— Não estou nem ai, eu nem gostava tanto dela.

— Então vamos, por que nosso chefe está gostando menos ainda de você.

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