Dezembro de 2010 – Rio de Janeiro
Não sei se ainda haveria um pior dia na minha vida, mas aquele estava sendo particularmente péssimo. Finalmente eu tinha recebido uma notícia da minha mãe. A garota de cabelos azuis que trabalhava com ela na rua, finalmente abriu o bico e deixou escapar o paradeiro dela.
Depois de dois meses de angústia e procura, agora eu sabia onde ela estava.
Apertei o pescoço da garota e levantei-a no ar, encostando as costas dela na parede suja do apartamento em que ela morava. Ela começou a tossir de olhos arregalados.
— Desgraçada! Por que não me disse logo?
Ela esperneava, meio sufocada e eu a soltei, fazendo-a despencar no chão.
Ela levantou cambaleante e se afastou, me olhando com aquela cara cínica de puta dissimulada.
— Ela pediu pra não falar — ela disse com voz engasgada.
Fechei os punhos, tentando me controlar para não partir pra cima dela de novo. Aquela menina era uma peste e eu não duvidava que foi ela que armou aquela ida da minha mãe para um pais estranho.
— Me conte tudo agora!
Ela sentou despreocupada, no único móvel que ocupava aquela sala feia e escura. Era ali que minha mãe viveu nos últimos cinco últimos anos e de onde eu tinha saído, por não aguentar presenciar tanta miséria.
Eu estava a ponto de surtar.
— Fala logo! Como minha mãe foi parar na Turquia? Você intermediou isso, não foi sua vadia?
Ela acendeu um cigarro.
— Rafinha querido, sua mãe está velha. Aqui não tem mais mercado pra ela. Lá os homens gostam de mulheres mais maduras, ela vai se dar bem.
O que ela considerava velha, eram os trinta e oitos anos que minha mãe tinha. Se bem que, ao olhar para ela qualquer um daria uns dez anos a mais. As drogas e a prostituição se encarregaram de cobrar seu preço.
Quantos anos aquela garota tinha? Não parecia ser tão mais velha que eu? No máximo teria uns vinte e cinco anos e já era considerada uma cafetina perigosa nas ruas do Rio de Janeiro.
Parei em frente à garota, cogitando a ideia de meter uma bala na cabeça dela e perder o emprego que eu tinha acabado de conquistar.
— Me dê nomes. Eu preciso ir buscar minha mãe.
Ela riu cínica.
— Você não é da polícia? Descubra onde ela está.
Inspirei profundamente e contei a até dez.
— Vamos garota, me diga como chegar até ela.
Ela levantou e se aproximou, encostando o corpo sensualmente no meu.
— Podemos negociar. Eu te falo e você me deixa provar esse seu corpinho delicioso.
Segurei-a com força, apertando o braço dela até ela gemer de dor.
— Eu prefiro ir procurar no inferno, antes de meter meu pau nessa sua buceta suja.
Ela me empurrou e voltou a sentar, de pernas cruzadas.
— Então não vou te dizer nada.
Se eu não saísse dali imediatamente, eu ia matar aquela piranha e eu não podia me dar ao luxo de ser expulso da polícia. Era lá que eu tinha poder para chegar até a Turquia e resgatar minha mãe.
Me dirigi à porta, desistindo por hora de apertar aquela garota até ela falar tudo que sabia.
— Eu tenho uma operação importante agora, mas eu volto e você vai me dizer tudo que sabe.
Bati a porta com tanta força, que o trinco caiu no chão. Aquela merda de trinco sempre me irritou.
Entrei na viatura e olhei para meu colega, Damon, de cara feia.
— O que temos agora?
Ele respirou profundamente. Ele também estava com problemas. O cara estava louco da vida por causa de uma garota que os pais não aceitavam o namoro.
— Vamos ao aeroporto. Precisamos interceptar uma mala cheia de cocaína vinda da Turquia.
Inferno! Aquele país estava me perseguindo?
Liguei o carro puto de ódio.
— Vamos lá, esse bastardo não vai trazer essa mala de jeito nenhum, nem que eu tenha que estourar a cabeça dele.
Damon riu, a despeito de sua carranca assustadora.
— Até eu fiquei com medo dessa sua voz. Coitado desse turco, pegou você em um dia ruim.
Encarei-o rindo também.
— Seu dia está bom?
Ele fechou os olhos.
— Não. Está péssimo.
— Ótimo, vamos descontar nesse traficante de uma figa.
O aeroporto estava tranquilo demais e aquilo dificultava nossa ação. Passaríamos despercebidos se ali estivesse cheio de gente, mas por onde eu e o Damon passávamos, milhares de olhares se fixavam em nós. Todos sabiam que haveria uma abordagem ali, e estavam tensos. De acordo com as informações o homem desceria no próximo voo e era preciso ser certeiro na abordagem.
Alguns minutos depois o avião taxiou na pista e nós montamos guarda em frente ao desembarque.
Era um voo pequeno, não mais que cem pessoas e não foi difícil localizar Leonardo Ramazan. O homem estava a caráter, todo vestido de preto e caminhava imponente em meio aos passageiros.
Na esteira de bagagens nós entramos em ação.
Quando a mala dele se aproximou, o Damon pegou um segundo antes que o tal Leonardo tocasse nela.
Ele então virou-se e nos encarou.
Retirou os óculos escuros e se aproximou sem demonstrar nenhuma emoção.
— Poderia me dar minha mala, por favor?
Ele não era turco? Por que falava português tão fluentemente?
Olhei com atenção aquela figura quase cinematográfica. Era pouco mais alto do que eu e aparentava ter por volta de vinte e poucos anos. Era muito magro e a pele morena evidenciava os traços da raça turca, mas a voz falava um português, claro e fluente. Aquele homem poderia ser minha chave para entrar na Turquia?
Passei na frente do Damon e me aproximei dele.
— Sua mala será confiscada.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Posso saber o porquê?
Encarei-o, com um sorriso cínico.
— Nos acompanhe e você saberá.
Ele passou em nossa frente e já fora do prédio do hall do aeroporto, ele parou e virou-se.
— Senhores, poderiam me dizer o que está havendo?
Joguei a mala no chão, próximo à viatura e apontei a arma para ele.
— Abra a mala!
Ele cruzou os braços, desafiador. Era corajoso, eu tinha que admitir.
— Você não confiscou? Agora é sua. Abra.
Damon se aproximou por trás dele e deu uma coronhada na nuca dele, fazendo-o se curvar para a frente.
Ele cambaleou e levantou o corpo, sem demonstrar nenhuma emoção.
Algo me incomodou na frieza daquele homem. Ele era um cara que poderia ser bom, tanto para o bem quanto para o mal. Era o homem certo para o que eu precisava.
Fiz um sinal para Damon se afastar e então, abri a mala.
— Uau! Não perdemos a viagem afinal.
A mala estava cheia de tabletes de cocaína.
Leonardo Ramazan, não mexeu um músculo sequer e continuou de braços cruzados, esperando minha reação.
— Para quem você ia entregar isso?
Ele riu debochado.
— Para sua mãe é que não era!
Apertei o cano da arma, com força e cheguei perto dele.
— Não gosto de piadas, Leonardo Ramazan!
E desferi um soco no estômago dele, fazendo-os se ajoelhar aos meus pés.
Ele gemeu e levantou, lentamente.
— Se quiser, podemos negociar — ele falou ofegante.
Damon engatilhou a arma, e eu fiz sinal para ele parar.
Eu estava indo pelo caminho errado, mas ali estava uma oportunidade única. Aquele homem me levaria para a Turquia e me ajudaria a resgatar minha mãe. Ele era corajoso o bastante para uma missão daquele porte.
— Eu tenho uma proposta para você.
Damon se aproximou.
— Que porra é essa, cara? Que diabo de proposta é essa?
Virei para o cara, que não era só meu colega de trabalho, era um amigo que eu confiava.
— Me ajude, Dam, eu preciso fazer isso.
Ele balançou a cabeça contrariado.
— Merda! Isso não vai dar certo.
Olhei para Leonardo que ainda segurava o estômago, respirando pesadamente.
— Eu preciso de ajuda para resgatar alguém que está preso na Turquia.
Ele não demonstrou interesse em colaborar.
— Não tenho nada a ver com isso.
— Tem. Eu libero você dessa merda toda e você me ajuda a encontra a pessoa que eu preciso.
Ele deu uma risada cínica.
— Não estou interessado, pode me prender.
Apontei a arma para ele.
— Te prender é o mínimo, mas eu posso dificultar sua saída de lá e te garanto que não tenho nenhuma dificuldade em fazer isso.
— O que eu vou ganhar com isso? Não quero resgatar nenhum foragido da justiça, isso é trabalho seu.
— Não vou resgatar nenhum foragido da justiça.
Ele me olhou cético.
— Então?...
— Quero ajuda para libertar minha mãe das mãos de uma quadrilha de traficantes de mulheres.
Janeiro de 2012 – Turquia Finalmente eu estava na Turquia. Leonardo caminhava na minha frente de cabeça baixa. O cara estava tão mal quanto eu. Ele tinha acabado de voltar de uma clínica de reabilitação, onde tinha internado a mãe depois de uma crise de ansiedade, que quase a levou ao suicídio. Infelizmente naquele momento meu problema era maior que o dele. Eu precisava encontrar minha mãe. Se é que ela ainda estava viva. Fazia pouco mais de um ano que ela estava ali , naquele país, e agora, finalmente, tivemos uma pista concreta de onde ela estaria. Aquele era o tempo, que meu caminho tinha cruzado com o de Leonardo Ramazan e desde então estávamos sempre juntos. Eu evitava pensar no tipo de amizade que desenvolvemos, mas agora eu confiava no cara. Ele era um bandido? Talvez. Eu era da polícia e nunca deveria compactuar com algumas coisas que ele fazia, mas ele tinha me convencido que nem sempre as coisas são vistas de um único ponto de vista e agora, eu era obrigado a concor
Rio de Janeiro — 2012 Nos dias que se seguiriam eu apenas sobrevivi. Voltei para o Brasil e me escondi dentro de casa. Meu telefone tocou até descarregar e eu continuava sentado no sofá da sala sem reação. Não bebi, não usei drogas e não comi. Meu corpo estava anestesiado. De nada adiantou os anos tentando tirar minha mãe daquela vida. O que me restou? Enterrar o corpo dela em um cemitério clandestino na Turquia e voltar para casa, me sentindo um fracassado. Deixei meu corpo escorregar para o lado e deitei no sofá duro, que ocupava a sala do pequeno apartamento que eu tinha alugado assim que ingressei na polícia há dois anos atrás. Minha vida passou como um filme em minha mente. Como poderia ter sido a vida de um menino filho de uma prostituta? Uma merda, como a minha tinha sido desde pequeno, exceto pelo pouco tempo que convivi com meu irmão. Meu irmão. Onde ele estava? Minha mãe um dia saiu de casa e voltou sem ele. Nós vivíamos em um quartinho nos fundos de uma casa e eu de
Junho de 2014 — TurquiaEu não queria sair da minha cama. Nunca mais.Eu só queria ver minha mãe.Me encolhi debaixo do edredom e engoli o choro pela centésima vez. O que eu fiz de errado? Por que minha mãe foi embora?Eu estava seca de chorar. Eu não aguentava mais.Minha barriga roncava de fome e a bandeja que a Zaila tinha trazido estava intacta em cima da mesa ao lado da minha cama.Meu estômago revirava, não só pela fome, mas também de raiva pela humilhação que eu tinha passado na escola.O dia anterior tinha sido o dia das mães e a escola promoveu uma festa ridícula para homenagear as mães. Armaram um palco no pátio da escola e cada criança subia e recebia uma lembrança das mãos da mãe. Eu estava escondida atrás de uma pilastra e rezava em silêncio para que não me chamassem, mas a idiota da diretora pegou o microfone e olhou em volta.— Sulamita Ramazan!Aquela mulher odiosa sabia que eu não tinha mãe e me humilhou sem pena na frente dos meus colegas. Não que eles fossem diferen
Janeiro de 2015 — TurquiaOlhei para o Leonardo fixamente pensando no que responder diante daquela pergunta.— Você pode repetir o que falou?Ele cruzou as pernas e me olhou sério.— Estou te convidando para vim morar aqui na Turquia e trabalhar comigo.Tive que soltar uma gargalhada. Aquele homem era mesmo uma figura.— Você está me propondo trabalhar transportando drogas e coisas do tipo?Ele arqueou uma sobrancelha rindo.— Estou. Algum problema?— Todos não é Leonardo, eu sou um policial, esqueceu?Ele tinha levantado e começado a andar pela sala lentamente.— Pense comigo. Você ganha uma merreca como policial e gasta tudo andando de lá para cá tentando fazer justiça contra um homem muito poderoso. Junte-se a mim e venha para perto dele.Franzi a testa confuso.— Como assim?— Você não vai conseguir pegar Hilal estando longe dele Rafael, precisamos achar um jeito de você frequentar aquela casa.Ele tinha razão. Fazia três anos que estava naquela busca insana por vingança e nem se
Rio de Janeiro — Dezembro de 2015Agora que eu tinha decidido me mudar me definitivamente para a Turquia, estar ali no Brasil parecia algo estranho. Era como se eu tivesse traindo minha história de vida. Como se estivesse deixando uma parte da minha vida para trás.Damon estava sentado do outro lado da mesa e parecia meio ausente dali. Eu estava preocupado com ele. Ele não tinha parado de beber desde que chegamos ao bar cerca de uma hora atrás. Leonardo, como sempre estava calado e introspectivo.— Que merda vocês têm, hein? Se estavam nessa depressão, o que vieram fazer em um bar?Damon virou mais um copo de cerveja e pigarreou.— Eu só quero ficar bêbado e esquecer que a Juliete se casou com aquele bosta do Joan.O caso era sério.— Porra Dam, isso já faz dois anos e você ainda não se acostumou? Ele colocou as mãos atrás da cabeça e fechou os olhos. Parecia realmente esgotado.— Nem que passe mil anos.Respirei fundo e olhei para Leonardo. Ele encolheu os ombros e encheu o copo del
Turquia — Janeiro de 2016Era arriscado, mas eu tentaria.Eu precisava levar a Sulamita para o Brasil escondida do meu avô. Minha mãe tinha saído da clínica e estava um pouco melhor. Estava na hora de levar a Sula para conhecer a mãe. Conhecer no sentido de reconhecer, por que quando Angélica foi expulsa da Turquia ela estava com apenas dois anos de idade e agora aos quatorze anos, eu duvidava que a Sula ainda se lembrasse dela. Eu me sentia egoísta por poder ter contato com minha mãe, enquanto ela vivia prisioneira naquela casa, mas o desgraçado tinha a guarda dela e eu não podia fazer nada.Naquela noite, porém, eu pretendia tirá-la dali pelo menos por uns dois dias.Consegui que um amigo me desse uma licença falsa para viajar com ela e eu tinha conseguido pegar o passaporte no escritório do meu avô.O voo sairia às 22:00h e agora eu tinha duas horas para fugir com ela dali.Sai do banheiro e conferi minha mochila. Eu tinha colocado algumas roupas da Sula ali e sairia com ela como s
Era chegada a hora.Seis anos depois daquela tragédia eu iria conhecer Hilal Ramazan. Hoje eu estaria cara a cara com o assassino da minha mãe e finalmente minha vingança se aproximava.Estava parado em frente à mansão e esperava Leonardo autorizar minha entrada.Meu coração estava acelerado e minhas mãos suadas. Eu estava prestes a entrar na casa do homem que eu pretendia matar. Não era minha intenção demorar muito ali. Eu só precisava achar um jeito de ficar sozinho com ele.Estava tudo planejado em minha mente. Eu atiraria nele e me entregaria para a polícia. Seria o fim daquele tortura. Nada me faria desistir daquela vingança. Eu não ficaria nem um minuto a mais do que o necessário dentro daquela casa.O portão abriu e o segurança fez sinal para que eu entrasse.A alameda até a porta de entrada era longa e iluminada com luzes coloridas ao redor. Era uma casa enorme no centro de um jardim repleto de flores. Seria um lugar bonito, se fosse sustentado com dinheiro sujo do tráfico de
Teoricamente aquele era meu primeiro dia de trabalho como segurança particular de Sulamita Ramazan e minha primeira tarefa do dia seria levá-la para a escola, trazer de volta para casa e depois do almoço levá-la para a seção de análise que ela fazia com um psicólogo.Como me comportar com uma garota que não falava? Não por que fosse muda, ela tinha parado de falar, segundo Leonardo. O que era muito estranho. Ninguém deixava de falar de uma hora para outra.Cheguei antes das sete horas e aguardei dentro do carro, do lado de fora do portão. Leonardo tinha me dado o número do telefone dela e me instruiu que deveria mandar uma mensagem quando chegasse. Aquele idiota tinha que inventar uma viagem bem no primeiro dia que eu estava naquela casa?Vi que ela visualizou a mensagem mas não respondeu. Alguns minutos depois ela surgiu na porta da frente. Não estava muito diferente da noite anterior. Vestia um jeans e um moletom enorme. Os cabelos estavam soltos e ela carregava uma mochila que pare