O clima estava insuportável. A sala, antes tão familiar, parecia um campo minado. Ninguém sabia onde pisar. O silêncio depois da fala da Rosa se estendia como um fio esticado demais, prestes a arrebentar. Foi então que o Diogo deu um passo à frente. A expressão dele era séria, tensa. E, diferente do costume, havia dureza na voz quando falou: — Chega. Todo mundo se virou pra ele. — Thomás, você vai sair do casarão agora. — continuou, firme. — Se quiser continuar vendo sua irmã e sua mãe, pode ficar no povoado. Em uma das casas da cooperativa, a gente dá um jeito. Mas aqui dentro, não mais. Thomás abriu a boca, pronto pra rebater, mas Diogo não deu espaço. — Eu não vou discutir. Não aqui, não agora. Você cruzou uma linha e eu não vou assistir quieto. O sorriso sumiu do rosto do Thomás. — E a Rosa… — Diogo virou-se para ela, com o mesmo tom firme, mas mais cuidadoso. — A senhora vai pra casa agora. Amanhã a gente conversa com calma. Rosa hesitou. Seus olhos encontraram
Mariana piscou algumas vezes, como se tentando encontrar uma resposta no meio do nervosismo. Puxou a bolsa para mais perto do corpo, como se pudesse se esconder atrás dela. De repente, o Bernardo já estava na sala novamente, junto com a minha tia Helô e a Lena. O circo estava armado mais uma vez. — O que está acontecendo aqui mesmo? Não estou entendendo. — Mariana falou, parecendo confusa. — Mariana, você esteve com o Thomas hoje à tarde aqui no casarão? Vocês ficaram? — Lena perguntou, direta. — Eu não tenho que ficar dando satisfação pra vocês — rebateu, a voz ficando mais aguda, defensiva. — Tem, sim. — Diogo respondeu, sério. — Só fiz uma pergunta, Mariana. Sim ou não. — Lena insistiu, a voz carregada de tensão. — O Thomas está espalhando mentiras sobre a Laura. Sua mãe ouviu os barulhos… e endossou a fala de Thomas. Você percebe a gravidade da situação? Sua mãe pode perder o emprego por sua causa. Mariana hesitou, um pânico evidente tomando conta de seu rosto. Ela se mexe
Caminhei de um lado pro outro, tentando manter a calma, enquanto o Bernardo permanecia encostado na porta, me observando em silêncio. — Abre a porta, Bernardo… por favor. Eu estou irritada, não quero conversar agora. — Senta um pouco, Laura — ele pediu, com a voz baixa, quase um apelo. — Quando você estiver mais calma, eu te deixo sair. Bufei, contrariada, mas acabei me jogando no sofá, cruzando os braços, como uma criança teimosa. Eu não queria estar ali, não queria falar, não queria sentir… mas, ao mesmo tempo, meu corpo parecia preso àquele lugar, àquela presença. Bernardo se aproximou devagar, como quem sabe que qualquer movimento brusco poderia me fazer recuar ainda mais. Ele se agachou na minha frente, ficando na altura dos meus olhos. — Me desculpe — disse, a voz rouca de arrependimento. — De verdade, Laura, eu sinto muito por tudo que aconteceu ontem. Não é que eu não acreditasse em você… — ele passou a mão pelos cabelos, num gesto nervoso — mas a Rosa falou com tant
Me viro na cama ao som insistente do celular. Atendo sem olhar quem é. — Alô? — Laura, desculpa te acordar. — A voz de Diogo ressoa do outro lado da linha. Meu cérebro ainda está despertando, mas algo no tom dele me faz sentar na cama, alerta. — O que aconteceu? — É a Helena… Você é psicóloga e nossa amiga. Eu preciso de você aqui. Estou vendo meu casamento desmoronar e não sei o que fazer. Minha mente ainda luta para processar as palavras. — Diogo, o que exatamente está acontecendo? — Vou viajar para a pecuária, e não quero deixar a Helena sozinha. A fazenda tem funcionários, claro, mas ela precisa de alguém próximo. Solto um suspiro, coço os olhos. Não faz sentido discutir pelo telefone. — Ok. Quando eu chegar, entendo melhor. — Obrigado, Laura. O silêncio se instala depois que a ligação é encerrada. Olho as horas no celular. 5h25. Muito cedo. Tento deitar novamente, mas o peso do pedido de Diogo não me deixa relaxar. Ele não é o tipo de pessoa que pede ajuda
Helena e eu decidimos ir conversar na varanda e aproveitar um pouco do ar fresco. Ela me falava sobre sua rotina na fazenda quando o som de um carro se aproximando chamou nossa atenção. O motor desligou, e em poucos segundos a porta do veículo se abriu. Diogo foi o primeiro a sair, ajeitando a aba do chapéu enquanto subia os degraus da varanda com a postura rígida de sempre. O olhar atento percorreu a cena diante dele antes de se fixar em mim. — Olha só quem resolveu aparecer — comentou, e sorriu - estou feliz que tenha vindo, Laura. A Lena sempre comenta o quanto sente sua falta. Antes que eu pudesse responder, a outra porta se abriu. E então eu o vi. O homem que desceu do carro tinha uma presença marcante, algo difícil de ignorar. Era alto, de ombros largos e porte elegante, mas sem a rigidez do irmão. Sua expressão trazia um ar de confiança descontraída, como alguém acostumado a ser notado sem fazer esforço. O cabelo escuro, ligeiramente bagunçado, dava a impressão de que
O tempo passou sem que eu percebesse. Depois de um banho revigorante e um tempo para me organizar, desci para o jantar, sentindo o aroma reconfortante da comida caseira se espalhando pela casa.A mesa estava posta na sala de jantar, e Helena conversava animadamente com Diogo sobre algum problema na fazenda. Bernardo, ao lado do irmão, participava ocasionalmente da conversa, mas parecia mais interessado na comida do que em qualquer outra coisa.— Você vai gostar do ritmo daqui, Laura. O Rio de Janeiro é muito barulhento — Helena comentou, lançando-me um olhar cúmplice.Dei de ombros, tentando manter a neutralidade.— Ainda estou me acostumando. Mas é um lugar agradável.— Não é a sua primeira vez aqui, Laura, mas acredito que será a primeira vez que passará mais do que um fim de semana com a gente. — Diogo comentou.Assenti levemente, pegando o copo d’água à minha frente.— Algumas coisas me lembram a fazenda do meu avô. Não é igual, claro, mas tem um clima parecido.Helena sorriu, sat
A casa ainda estava silenciosa quando desci para a cozinha. O sol mal tinha nascido, e um tom alaranjado banhava os móveis de madeira, criando um cenário quase acolhedor. O cheiro de café fresco preenchia o ambiente, e foi esse aroma familiar que me guiou até ali.Mas não era só o café que me esperava.Bernardo estava encostado no balcão, vestido com jeans e uma camisa de botões com as mangas dobradas até os antebraços. Era o tipo de descuido calculado que só alguém absurdamente confiante conseguia carregar.Ele ergueu os olhos ao me ver e sorriu de canto, daquele jeito preguiçoso que parecia provocar sem esforço.— Bom dia, dorminhoca. Achei que ia perder a gente saindo.Tentei ignorar a forma como aquele tom rouco soava mais intimista no silêncio da cozinha.— Não sou de acordar tão tarde — respondi, indo até a cafeteira. — Só não costumo ter motivos para madrugar.Peguei uma xícara e servi o café, sentindo o peso do olhar dele sobre mim. Bernardo observava de um jeito intenso, como
Não demorou muito para minha prima descer as escadas, ainda com os cabelos levemente bagunçados e um sorriso acolhedor no rosto. A casa começava a se movimentar à medida que a manhã avançava. Rosa já circulava pela cozinha, o cheiro de café fresco e pão assado preenchendo o ambiente. Do lado de fora, pela janela entreaberta, observei a rotina pulsante da fazenda: funcionários caminhavam apressados em direção à hípica, outros seguiam para a plantação de café, enquanto os caminhões da transportadora iam e vinham carregados de insumos. Era um mundo muito diferente da minha rotina no Rio, mas algo naquela energia movimentada me trazia uma sensação estranha de pertencimento. Lena se aproximou e se sentou ao meu lado no sofá, com uma xícara de café na mão, puxando os joelhos para perto do corpo, como fazia quando queria uma conversa mais longa. — Como foi sua primeira noite aqui? — perguntou, olhando para mim com curiosidade genuína. — Foi tranquila. Talvez esse lugar seja exatamente o q