Londres, 2023.
— Por dirigir alcoolizada, não respeitar o sinal vermelho e quase atropelar um homem na calçada, cinco mil dólares.
— O QUE? ISSO É...
— Sem gritos, senhorita Montenegro. Isso aqui não é a sua casa.
Wendy fecha os olhos e respira fundo. Não era sua intenção sair presa da corte.
— Desculpe, meritíssimo. Eu só... eu não tenho esse dinheiro. Não tenho de onde tirar.
O homem de cabelos brancos e paciência zero, encara Wendy de cima a baixo. Geralmente ele enviaria a pessoa diretamente para a cadeia, devido a gravidade da multa, mas ele sentiu um pouco de empatia por Wendy. Talvez fosse os olhos lacrimejados; talvez a expressão genuína de arrependimento em seu rosto, ou a percepção de que ela não representava uma ameaça direta à sociedade. O juiz pondera por um momento antes de falar:
— Senhorita Montenegro, suas ações foram extremamente irresponsáveis e poderiam ter causado danos irreversíveis. No entanto, considerando que esta é sua primeira ofensa e levando em conta seu aparente arrependimento, estou disposto a oferecer uma alternativa ao pagamento da multa.
Wendy levanta o olhar, esperançosa.
— O que o senhor sugere, meritíssimo?
— Concederei a você a oportunidade de participar de um programa de reabilitação para condutores, focado em conscientização sobre os perigos da direção sob influência de álcool. Além disso, você terá que prestar serviço comunitário em uma organização que lida com vítimas de acidentes de trânsito.
Wendy assente, aliviada por ter uma chance de se redimir.
— Aceito, meritíssimo. Farei tudo o que for necessário para corrigir meu erro e aprender com ele.
O juiz assente, satisfeito com a resposta de Wendy.
— Muito bem, senhorita Montenegro. Estou dando a você uma oportunidade de mudar seu comportamento e evitar consequências mais graves. Não desperdice essa chance. O programa de reabilitação terá início imediatamente, e você será designada para o serviço comunitário assim que for concluído. Certifique-se de cumprir todas as suas obrigações de forma diligente e responsável.
Ela sorri largamente e assente diversas vezes, feliz com aquele final.
— Obrigada, senhor.
Wendy se apressa em sair do tribunal. Ela não queria dar nenhuma brecha para que o juiz mudasse de ideia.
Quando chega a calçada, ela olha em volta. A polícia havia apreendido o seu carro e ela não carregava mais do que cinco libras no bolso. Após caminhar um pouco, ela pegou um ônibus que a deixou próximo de seu prédio.
Ao ver que o síndico estava do outro lado do balcão, Wendy pensou que aquele dia não poderia piorar. Ela abaixou a cabeça e tentou passar despercebida. Só tentou.
— Ei! Sabia que você não é invisível?
Ela para diante do elevador e revira os olhos. Forçando seu melhor sorriso, Wendy se vira para o homem.
— Boa tarde, senhor. Tudo bem?
— Já são quatro meses de aluguel atrasado, senhorita Montenegro. Se não pagar até o fim desse mês, será expulsa.
— Você não pode fazer isso! – Wendy se desespera. – Eu sofri... Um golpe. Não consegui me reerguer.
— Isso não é problema meu.
O síndico volta para trás do balcão, pronto para esperar pelo próximo morador devedor. Wendy encolhe os ombros e entra no elevador.
— É claro que não é. — murmura consigo mesma.
Ao entrar no apartamento praticamente vazio, Wendy reprime sua vontade de se jogar no sofá e vai diretamente para a cozinha. Ela abre a caixa de cupcakes que estava sobre o balcão e pega o último que restava. Wendy puxa uma gaveta e retira dali uma pequena vela colorida. Ela a coloca sobre o bolinho e acende a chama, encarando as labaredas.
— Parabéns para mim. — Wendy murmura, de forma melancólica.
Antes que ela pudesse apagar a vela e devorar o último bolinho cheio de chantilly, a campainha do apartamento é tocada.
— Eu não posso nem ficar triste em paz! Que saco. — Wendy abre a porta e bufa. — Não. Você não. Vai embora.
Wendy não foi capaz de fechar a porta, já que seu visitante indesejável colocou o pé para travá-la.
— Preciso falar com você, Wendy.
— Vai devolver o dinheiro que me roubou? — ela não obtém resposta. — Então não tenho nada para falar com você, Benjamin.
— É importante.
Percebendo que ele não iria parar de insistir, Wendy se afasta da porta e vai diretamente para a sala. Seu então ex-namorado, fecha a porta e se aproxima da mulher, sem se importar com o vazio do apartamento.
— Onde está o seu celular? Estão...
— AH, O MEU CELULAR? — ela explode, se levantando do sofá. — EU PRECISEI VENDER! VENDER, PARA TER O QUE COMER!
— Calma, Wendy... ligaram para...
— Não me pede calma. Você não tem direito. Em três anos de namoro, você conseguiu minar todo o dinheiro que consegui guardar, antes de ir para a faculdade. São só dez mil, amor. Vai voltar cinquenta. — Wendy faz uma voz fina, imitando uma das falas de seu ex-namorado. — É... o mercado deu uma quebrada, mas agora vai dar certo. Me empresta mais vinte mil... COMO EU FUI IDIOTA!
— Wendy...
Wendy tinha o rosto tomado por lágrimas. Benjamin tinha sido um grande amor, mas também a sua maior decepção. Bem, uma delas.
— Aí quando o dinheiro acabou, o que você fez? O que você fez, Benjamin?
— Wendy, esquece isso.
— Você fugiu e me largou aqui sozinha, abortando o nosso filho por causa de estresse.
As palavras de Wendy ecoavam no ar, carregadas de raiva, tristeza e traição. Benjamin permanecia ali, com culpa estampada em seu rosto, incapaz de encarar seu olhar. O peso das palavras de Wendy pairava no ar, a verdade de sua história dolorosa ecoando no apartamento vazio.
Enquanto o silêncio se prolongava, Wendy respirou fundo, tentando se recompor. Ela enxugou suas lágrimas e olhou diretamente para Benjamin, sua voz cheia de dor e determinação.
— Eu te amei, Benjamin. Eu te amei mais do que jamais imaginei ser possível. Tínhamos planos, um futuro junto, e você deixou tudo desmoronar. Você me decepcionou. Você me destruiu.
Percebendo que Wendy não iria parar de despejar sua tristeza óbvia em cima dele, Benjamin resolve gritar e expor o motivo para estar ali.
— SEU PAI MORREU, WENDY.
— O que? — ela pisca algumas vezes, deixando mais algumas lagrimas caírem. — O que você disse?
— Theo disse que não conseguia falar com você e como não sabiam que tínhamos terminado, ele me ligou. Seu pai teve um mal súbito e acabou... enfim. Falaram que o enterro será amanhã, no cemitério da família.
Passaram-se muitos anos desde a última vez que Wendy tinha visto seu pai pela última vez. A vida a havia levado por caminhos diferentes dos planos que ele tinha para ela, e isso havia causado um distanciamento entre os dois. No entanto, agora, ela estava prestes a enfrentar uma visita ao cemitério da família para o enterro de seu pai. Wendy estava nervosa enquanto dirigia pelo caminho familiar que a levava ao cemitério. A paisagem ao redor estava repleta de memórias de sua infância, as quais havia tentado suprimir ao longo dos anos. Mas agora, elas vinham à tona com força total. Ao chegar ao cemitério, Wendy sentiu um aperto no peito. O ambiente tranquilo e sereno transmitia uma sensação de solenidade, ecoando o peso do momento que estava por vir. Ela desceu do carro que lhe fora enviado e respirou fundo, buscando coragem para enfrentar a situação. Ao adentrar o cemitério, Wendy caminhou entre os túmulos da família. Cada lápide era um lembrete tangível de suas raízes, uma conexão c
Assim que o advogado terminou a leitura, a sala se tornou um completo silêncio. Aquilo durou apenas alguns segundos, até que Wendy soltou uma gargalhada alta e estridente, fazendo com que todos os seus irmãos a olhassem. — Muito bom. — ela diz, ainda rindo. — Eu não sei com qual intuito vocês fizeram essa pegadinha comigo, mas foi boa. — Pegadinha? — Pietra pergunta, encarando sua gêmea. — Wendy, nós não temos nada a ver com isso. Ao perceber que seus irmãos mantinham o semblante sério, tão confusos quanto ela com aquele final de testamento, ela se vira para o advogado. — Então foi uma pegadinha do meu pai. Não foi, Guilhermo? Guilhermo não precisava reler aquele documento, para responder à pergunta de Wendy. Ele era advogado da família há tantos anos, que esteve em todas as reuniões que Oliver teve. Principalmente aquela em que fora incluído o adendo do testamento. — O seu pai sempre foi um homem muito sério e odiava brincadeiras sem graça. O testamento é válido. Cada lacu
Londres, 2019. — Não é possível. Vazio? — Totalmente vazio. — Não pode ser! — Oliver arrasta sua cadeira e se levanta, caminhando de um lado para o outro de sua sala. — Nós fundamos a primeira e única vinícola de vinho em Londres. Nossos cofres não podem estar vazios! — Eu entendo sua frustração, Oliver. Parece inacreditável que nossos cofres estejam vazios, especialmente considerando todo o trabalho duro que investimos na fundação da vinícola. No entanto, é importante mantermos a calma e abordarmos a situação de forma racional. — Primeiro, como isso aconteceu? Será que houve algum problema contábil ou financeiro? Será que houve alguma fraude ou erro? Aidan, o secretário e braço direito de Oliver, olha diretamente para Guilhermo, o advogado e pondera. Ele tinha certeza que seu chefe não iria gostar do real motivo. — O que foi? — Oliver questiona, notando a troca de olhares entre os outros dois homens. — O que foi? Falem. — Bem, senhor... não houve nenhum erro. Foram apenas...
Londres, 2023. — O meu pai não faria isso. Theo diz, assim que Ethan termina o seu relato de como chegaram àquele acordo sobre o casamento por contrato com Wendy. Já ela, permanecia em silêncio e imóvel. E ao mesmo tempo que evitava enfrentar os olhos verdes dele, se questionava como um quarentão podia ser tão bonito quanto Ethan era. — Você trabalhava ao lado dele na fábrica, Theodore. Realmente acha que ele se importava com alguma coisa, tanto quanto com a vinícola? Wendy finalmente ergue o olhar para encarar Ethan, seus olhos azuis brilhando com uma mistura de tristeza e determinação. — Theo, eu sei que para você pode parecer difícil de acreditar, mas... Nosso pai nunca foi realmente presente. Ele sempre esteve obcecado com a Vinhos Montenegro e deixou muitas responsabilidades pessoais de lado. Eu cresci vendo isso, sentindo a falta dele. Aí quando a empresa esteve à beira da falência e ele poderia perder tudo o que mais amou, papai não hesitou em me vender. Theo suspira pro
Wendy e Ethan concordaram em se encontrar naquele mesmo dia, para determinar todos os próximos passos. Ele enviou um carro de aplicativo para buscá-la e levá-la até o restaurante mais chique da cidade. Antes de entrar no restaurante, Wendy se olhou no vidro do lugar e teve certeza de que seria julgada pela sua escolha de roupa. Jeans e moletom não parecia ser o modelito que os clientes daquele lugar usariam. — Olá... — a recepcionista a encara de lado. — Tem reserva? — Blackwell? É. Ethan. A recepcionista sai de trás do balcão para direcionar Wendy até a mesa em que Ethan está, mas ela não faz isso sem antes dar uma boa encarada na garota. Wendy sente-se desconfortável com o olhar da recepcionista, mas mantém a compostura e a acompanha até a mesa onde Ethan está sentado. Ela dá um sorriso nervoso ao se aproximar. — Desculpe a demora. O trânsito estava terrível. — Wendy cumprimenta-o, tentando disfarçar sua insegurança. Ethan olha para Wendy, notando sua expressão preocupada e o
Após o almoço, Ethan se propôs a levar Wendy de volta para o seu apartamento. Eles não trocaram uma palavra sequer durante o caminho. Ethan permaneceu com a cara enfiada no celular, enquanto a mulher se perguntava o que iria comer a noite. — Ainda hoje alguém virá trazer opções de vestidos para você escolher. — ele diz, sem olhar para ela. — Não acha que eu deveria saber mais informações sobre amanhã? Como onde será... o horário. Ethan lançou um olhar de relance para Wendy, seus olhos carregados de desinteresse. — Escolha o que quiser, Wendy. Não faz diferença. Seu irmão e o advogado da sua família só estarão lá, porque precisamos de testemunhas. Wendy sentiu um nó no estômago com a falta de interesse de Ethan e a forma desinteressada com que ele abordava os detalhes do casamento. Ela queria que fosse algo mais significativo, mesmo que fosse apenas um casamento por contrato. — Não é porque esse casamento é mera formalidade e minha opinião não é válida para nada, que eu não
Não era dez da manhã ainda, quando a campainha do apartamento de Wendy começou a soar como uma sinfonia. Ela abandonou suas cobertas extremamente irritada e foi até a porta, louca para gritar com quem estava do outro lado. — Chegamoooos! — Pierre cantarola, assim que Wendy abre a porta. — Vamos! Entre todos. Há bastante espaço na sala. — O que é tudo isso? Wendy questiona, ao ver diversas pessoas desconhecidas tomando posse de seu apartamento. Enquanto alguns improvisavam um salão de beleza próximo a janela, outros arrumavam uma farta mesa com diversos alimentos e bebidas, deixando tudo em um completo caos. — O que está acontecendo aqui? Eu não autorizei tudo isso! — Wendy exclama, sua irritação evidente em sua voz. Pierre Dubois se aproxima, com um sorriso presunçoso no rosto e começa a enrolar o cabelo escorrido de Wendy, em seu dedo. — Queridinha, você não precisa autorizar nada. O seu noivo nos enviou para transformar você em uma noiva digna e tentar deixá-la bonita. Ele até
— Você ainda pode desistir. — Theo murmura para Wendy, ao vê-la paralisada na porta do apartamento de Ethan. — Nós damos um jeito. Wendy olha nos olhos de seu irmão, apreciando seu apoio incondicional. Por um momento, ela considera a possibilidade de desistir, mas a determinação toma conta de seu coração. Ela balança a cabeça, transmitindo a decisão tomada. — Theo, eu entendo que esteja preocupado comigo, mas já tomei minha decisão. Preciso fazer isso por mim e pela nossa família. Eu vou entrar nesse apartamento e cumprir com o compromisso que foi estabelecido. Theo suspira novamente, resignado, mas respeitando a escolha de sua irmã. Ele dá um abraço apertado em Wendy, desejando-lhe coragem e felicidade. Enquanto Wendy se aproxima da porta do apartamento de Ethan, seu coração bate acelerado. Ela respira fundo e toca a campainha, esperando com uma mistura de ansiedade e determinação. Após alguns instantes, a porta se abre, revelando Ethan parado diante dela. Ethan, alto e elegante