Londres, 2019.
— Não é possível. Vazio?
— Totalmente vazio.
— Não pode ser! — Oliver arrasta sua cadeira e se levanta, caminhando de um lado para o outro de sua sala. — Nós fundamos a primeira e única vinícola de vinho em Londres. Nossos cofres não podem estar vazios!
— Eu entendo sua frustração, Oliver. Parece inacreditável que nossos cofres estejam vazios, especialmente considerando todo o trabalho duro que investimos na fundação da vinícola. No entanto, é importante mantermos a calma e abordarmos a situação de forma racional.
— Primeiro, como isso aconteceu? Será que houve algum problema contábil ou financeiro? Será que houve alguma fraude ou erro?
Aidan, o secretário e braço direito de Oliver, olha diretamente para Guilhermo, o advogado e pondera. Ele tinha certeza que seu chefe não iria gostar do real motivo.
— O que foi? — Oliver questiona, notando a troca de olhares entre os outros dois homens. — O que foi? Falem.
— Bem, senhor... não houve nenhum erro. Foram apenas...
Oliver estava apreensivo e perdendo a paciência com toda aquela enrolação.
— FALA!
— Foram os gastos excessivos da sua família. — Oliver olha para seu advogado e ele apenas assente. — Principalmente das gêmeas...
— Ah... não pode ser. Elas não gastam tanto assim.
— Chloe e Pietra tem um cartão corporativo sem limite, cada uma. — Aidan diz, olhando um relatório em suas mãos. — A Pietra viajou por um ano, ficando menos de um mês em cada país, viajando apenas de primeira classe, hotel cinco estrelas, lojas caríssimas... Já a Chloe...
— Espera. Isso não pode ter minado tudo. Pode?
— Senhor, nós temos o gasto mensal com os funcionários, com manutenção da vinícola, com a produção dos vinhos, entre outros custos operacionais. Mas os gastos das gêmeas ultrapassaram significativamente todas essas despesas combinadas.
— E por que vocês não controlaram isso? — Oliver pergunta indignado.
— Nós tentamos, senhor. Mas elas sempre encontravam uma maneira de contornar nossos limites e restrições. Elas têm acesso irrestrito aos recursos da empresa e não nos consultavam sobre seus gastos.
Oliver passa as mãos pelo cabelo frustrado.
— Então, o que vamos fazer agora?
— A situação é delicada, senhor. Nossas reservas estão exauridas e temos contas a pagar. Precisamos de uma injeção de capital urgente ou enfrentaremos sérias dificuldades financeiras.
— Empréstimo não seria uma solução?
— Seria, mas nós já estamos devendo empréstimos gigantescos aos maiores bancos de Londres. Ninguém irá nos liberar um euro sequer.
— Vamos ter que buscar investidores, então. — Oliver suspira. — Não gosto de perder o controle da empresa, mas não vejo outra opção no momento.
Aidan concorda com a cabeça.
— Vou iniciar as negociações imediatamente. Precisamos agir rapidamente para evitar mais danos.
Oliver caminha até a janela, olhando para fora enquanto pondera sobre as decisões que terão que ser tomadas. Ele conseguia ver tudo aquilo que tanto lutou, se esvaindo por seus dedos e não parecia haver uma solução sequer, para resolver tudo.
— Oliver?
O dono da Vinhos Montenegro se vira e abre os braços para receber o convidado.
— Ethan! Eu ia sair daqui direto para a sua empresa. Como está?
— Indo. A morte do papai foi... enfim. Estamos levando.
— Eu sinto muito.
— Obrigado, Oliver.
— E então? A que lhe devo a honra?
— Bem, Oliver, eu tenho uma proposta para você. Com a morte do meu pai e sendo o único herdeiro, herdei uma fortuna considerável. E, após uma longa reflexão, decidi vender a empresa da nossa família e investir em um novo empreendimento. E é exatamente aí que você entra.
Oliver arqueia as sobrancelhas, curioso.
— Continue, Ethan. Estou ouvindo.
— Eu quero investir na sua vinícola, Oliver. Tenho acompanhado de longe o sucesso que você alcançou e acredito que, juntos, podemos levar a Vinhos Montenegro a um patamar ainda maior. Estou disposto a injetar um capital significativo e me tornar um parceiro majoritário. O que você acha?
Oliver fica surpreso com a proposta de Ethan. Uma mistura de emoções toma conta dele, mas, no fundo, a esperança começa a surgir novamente.
— Sabe que eu nunca fui religioso, mas parece até que foi Deus que lhe enviou até aqui! — aos risos, Oliver abandona a sua cadeira e se senta em um sofá de canto com Ethan. — Isso é perfeito. Óbvio que eu aceito. Acho que meu advogado está por aqui ainda, então nós podemos conversar sobre os termos.
— Eu só tenho uma única condição, Oliver. Eu vou dar o dinheiro, terei direito a votações importantes, mas de resto, tudo permanece igual.
Aquilo parecia música para Oliver.
— Claro. Que condição é essa?
— No aniversário de quinze anos da empresa, eu conheci uma garota que... eu não sei descrever, Oliver, mas aquela garota permanece em minha memória até hoje.
— Não sei se entendi. — Oliver estava realmente confuso. — Achei que estávamos falando sobre uma sociedade...
— E estamos. Só estou explicando o contexto de tudo. Posso continuar? — Oliver assente, mesmo sem saber até onde aquele assunto chegará. — Bastou eu vê-la uma vez, para nunca mais esquecer. Aqueles olhos azuis vibrantes... a Wendy me cativou de uma forma única.
— Ei, ei... espera. Wendy? A minha filha mais nova, Wendy?
— A própria.
Oliver faz as contas rapidamente e se levanta, com a fúria o consumindo.
— Você está falando da minha filha de quinze anos? QUINZE?
— Pelas minhas contas ela tem dezenove. Não?
— Não quando você a olhou. — ele olha Ethan de cima a baixo, com uma ânsia de despejar os piores xingamentos possíveis em cima dele. Ethan por outro lado, estava sentado com as pernas cruzadas e com um sorriso ganancioso de lado. — Uma criança, Ethan. Minha filha! Você tem o que? Quarenta?
— Trinta e quatro, mas isso não vem ao caso. Eu jamais tocaria em uma menor de idade. Jamais. Não faz parte da minha índole. Eu disse a ela naquele dia, que iria esperá-la crescer e bem... ela cresceu.
— Você é doente.
— Eis aqui a minha proposta. Um casamento por contrato. Ela precisa ficar nesse casamento por pelo menos um ano. Não me importo como você fará com que ela aceite, desde que faça. E se você aceitar, nós reerguemos a Vinhos Montenegro e eu farei sua filha se apaixonar por mim.
Londres, 2023. — O meu pai não faria isso. Theo diz, assim que Ethan termina o seu relato de como chegaram àquele acordo sobre o casamento por contrato com Wendy. Já ela, permanecia em silêncio e imóvel. E ao mesmo tempo que evitava enfrentar os olhos verdes dele, se questionava como um quarentão podia ser tão bonito quanto Ethan era. — Você trabalhava ao lado dele na fábrica, Theodore. Realmente acha que ele se importava com alguma coisa, tanto quanto com a vinícola? Wendy finalmente ergue o olhar para encarar Ethan, seus olhos azuis brilhando com uma mistura de tristeza e determinação. — Theo, eu sei que para você pode parecer difícil de acreditar, mas... Nosso pai nunca foi realmente presente. Ele sempre esteve obcecado com a Vinhos Montenegro e deixou muitas responsabilidades pessoais de lado. Eu cresci vendo isso, sentindo a falta dele. Aí quando a empresa esteve à beira da falência e ele poderia perder tudo o que mais amou, papai não hesitou em me vender. Theo suspira pro
Wendy e Ethan concordaram em se encontrar naquele mesmo dia, para determinar todos os próximos passos. Ele enviou um carro de aplicativo para buscá-la e levá-la até o restaurante mais chique da cidade. Antes de entrar no restaurante, Wendy se olhou no vidro do lugar e teve certeza de que seria julgada pela sua escolha de roupa. Jeans e moletom não parecia ser o modelito que os clientes daquele lugar usariam. — Olá... — a recepcionista a encara de lado. — Tem reserva? — Blackwell? É. Ethan. A recepcionista sai de trás do balcão para direcionar Wendy até a mesa em que Ethan está, mas ela não faz isso sem antes dar uma boa encarada na garota. Wendy sente-se desconfortável com o olhar da recepcionista, mas mantém a compostura e a acompanha até a mesa onde Ethan está sentado. Ela dá um sorriso nervoso ao se aproximar. — Desculpe a demora. O trânsito estava terrível. — Wendy cumprimenta-o, tentando disfarçar sua insegurança. Ethan olha para Wendy, notando sua expressão preocupada e o
Após o almoço, Ethan se propôs a levar Wendy de volta para o seu apartamento. Eles não trocaram uma palavra sequer durante o caminho. Ethan permaneceu com a cara enfiada no celular, enquanto a mulher se perguntava o que iria comer a noite. — Ainda hoje alguém virá trazer opções de vestidos para você escolher. — ele diz, sem olhar para ela. — Não acha que eu deveria saber mais informações sobre amanhã? Como onde será... o horário. Ethan lançou um olhar de relance para Wendy, seus olhos carregados de desinteresse. — Escolha o que quiser, Wendy. Não faz diferença. Seu irmão e o advogado da sua família só estarão lá, porque precisamos de testemunhas. Wendy sentiu um nó no estômago com a falta de interesse de Ethan e a forma desinteressada com que ele abordava os detalhes do casamento. Ela queria que fosse algo mais significativo, mesmo que fosse apenas um casamento por contrato. — Não é porque esse casamento é mera formalidade e minha opinião não é válida para nada, que eu não
Não era dez da manhã ainda, quando a campainha do apartamento de Wendy começou a soar como uma sinfonia. Ela abandonou suas cobertas extremamente irritada e foi até a porta, louca para gritar com quem estava do outro lado. — Chegamoooos! — Pierre cantarola, assim que Wendy abre a porta. — Vamos! Entre todos. Há bastante espaço na sala. — O que é tudo isso? Wendy questiona, ao ver diversas pessoas desconhecidas tomando posse de seu apartamento. Enquanto alguns improvisavam um salão de beleza próximo a janela, outros arrumavam uma farta mesa com diversos alimentos e bebidas, deixando tudo em um completo caos. — O que está acontecendo aqui? Eu não autorizei tudo isso! — Wendy exclama, sua irritação evidente em sua voz. Pierre Dubois se aproxima, com um sorriso presunçoso no rosto e começa a enrolar o cabelo escorrido de Wendy, em seu dedo. — Queridinha, você não precisa autorizar nada. O seu noivo nos enviou para transformar você em uma noiva digna e tentar deixá-la bonita. Ele até
— Você ainda pode desistir. — Theo murmura para Wendy, ao vê-la paralisada na porta do apartamento de Ethan. — Nós damos um jeito. Wendy olha nos olhos de seu irmão, apreciando seu apoio incondicional. Por um momento, ela considera a possibilidade de desistir, mas a determinação toma conta de seu coração. Ela balança a cabeça, transmitindo a decisão tomada. — Theo, eu entendo que esteja preocupado comigo, mas já tomei minha decisão. Preciso fazer isso por mim e pela nossa família. Eu vou entrar nesse apartamento e cumprir com o compromisso que foi estabelecido. Theo suspira novamente, resignado, mas respeitando a escolha de sua irmã. Ele dá um abraço apertado em Wendy, desejando-lhe coragem e felicidade. Enquanto Wendy se aproxima da porta do apartamento de Ethan, seu coração bate acelerado. Ela respira fundo e toca a campainha, esperando com uma mistura de ansiedade e determinação. Após alguns instantes, a porta se abre, revelando Ethan parado diante dela. Ethan, alto e elegante
Logo que o juiz de paz deixa o apartamento, Ethan surge com um contrato para que Wendy assine. — Deixe o advogado dar uma lida e revisar, antes que você assine. — ele diz, esticando o papel na direção de Guilhermo. Em um rápido golpe, Wendy puxa a folha e se afasta um pouco. — Eu sou muito capaz de ler um documento. — Há termos que possam ser difíceis de você entender, Wendy. — Ethan responde, olhando o seu relógio de pulso. — Um advogado é a melhor pessoa para ler um contrato. Wendy o ignora totalmente e continua a ler o documento que está em mãos. Theo se vira para o novo cunhado e diz: — Wendy sabe o que faz. Ela fez advocacia. — Ah, é? — os olhos de Ethan brilham, ao olhar para Wendy novamente. Ele não imaginava que ela tivesse pretensões para sua vida. — Então me casei com uma advogada? — Quase. Ainda não fiz o exame da ordem. — Não? — Theo questiona, confuso. — Minha vida começou a afundar antes que eu fosse capaz de fazê-la. — Wendy coloca o contrato sobre a mesa e
Doze horas haviam se passado e Wendy permanecia dentro da cela. Cansada de esperar pelo seu direito de ligação, que lhe disseram só ser possível na manhã seguinte, ela estava adormecendo, quando os primeiros e tímidos raios solares passaram pelas pequenas grades da cela. — Ei, garota? — um guarda bateu com sua caneca de alumínio na grade, fazendo com que Wendy o olhe assustada. — Cinco minutos para fazer sua tão esperada ligação. Sentada na cama estreita, Wendy olhou em volta da cela. Era um espaço pequeno e frio, com paredes de concreto desgastadas e uma única janela gradeada que oferecia uma vista limitada para o céu londrino. Os sons abafados da movimentação na prisão ecoavam pelos corredores, indicando que mais um dia estava começando. Wendy se perguntava o que o dia lhe reservava. Ela ansiava pelo momento de ligar para o único telefone que ainda lembrava. O da casa que cresceu. Os cinco minutos se passam e o mesmo guarda se aproxima para abrir a cela. — Você só pode ligar
Algumas semanas haviam se passado desde o casamento de Wendy e Ethan. E ao contrário do que os dois um dia pensaram, eles não haviam se aproximado. Sequer tinham assuntos em comum. Wendy observou algumas coisas nas últimas semanas. Todos os dias, Ethan sai bem cedo, logo após o café da manhã que fazem em silêncio. Ao voltar pouco depois do entardecer, ele se enfia em seu quarto, sai apenas para jantar e permanece lá até o dia seguinte. Com exceção dos finais de semana. Sexta, sábado e domingo, Ethan chega após o trabalho e sai uma hora após o jantar. Uma noite, curiosa para saber a hora que ele voltava, Wendy ficou acordada e deixou a porta de seu quarto aberta. Três da manhã. Essa era a hora que Ethan chegava nos finais de semana. Obviamente que ela não se importava com onde e com quem ele estava. Ethan já havia deixado bem claro que ela era a única que devia fidelidade naquele casamento. Mas mesmo assim, uma pulga cismava em ficar atrás de sua orelha em relação àquelas saídas. E