O dia dos mortos

Após aquela visita, Tyler voltou para casa, encarando a solidão. Apesar da presença de seu pai, estar sozinho era uma sensação frequente da qual ele desfrutava. 

Ele remaneja seus pensamentos na direção de Violet, tentando se ludibriar. Planeja sua morte, mas nada lhe funciona tão bem ao ponto de lhe puxar para cima.

Agarrado ao ferro frio, o rapaz bonito e solitário encara os degraus, descendo as escadas. O espaço em seu coração fica um pouco mais vazio, formando um abismo entre sua humanidade e a criatura letal sendo contida dentro de si aos poucos.

Na sala, seu pai conversa com alguém ao telefone. Parece inconformado. Teme por algo.

Não se importa.

Não o percebe.

Tyler troca passos leves na direção da cozinha, adentrando ao local. O cheiro de suas panquecas preferidas lhe invade o estômago, mas não há fome para consumí-las.

—Senhor Tyler! Bom dia. Eu lhe fiz suas panquecas favoritas, não quer comer?

A empregada percebe o suspiro. Os ombros caídos sustentando os cotovelos que despencam na beirada da mesa. 

Mas, o que há de errado?

Por que Tyler se sente tão sozinho?

—Obrigado, eu não estou com fome. Apenas quero um suco amargo. —Balbucia, debruçando sobre os braços cruzados na madeira de marfim. 

Os empregados se olham. Eles sabem o que está acontecendo.

É aquele dia

O dia de visitar os mortos e levá-los flores que irão murchar. 

Era o dia em que Tyler gostaria de sentir alguma coisa, mas não conseguia sentir nada. Ele se sentia frequentemente vazio e sozinho. E a única pessoa que o preencheu, estava sem o fôlego. Ele o tirou.

O seu pai passa pelo vão da porta, na cozinha, e adentra. Dá algumas ordens para os funcionários, segura uma xícara pela asa e para diante de Tyler.

Ele não o perdoa. 

Nunca o perdoou.

Talvez tentar salvá-lo nas psicoterapias era a sua forma de amá-lo. E, apesar de saber que Tyler não tinha salvação, Tonny nutria esperanças. Infelizmente, seus sentimentos de mágoa e dor eram intensos demais para ignorar os fatos e aceitar a presença de seu filho.

Após secar a xícara, Tonny a deixa sobre a bancada e passa por Tyler. Passa a mão sobre as costas do filho, mas não fala. Apenas sai de cabeça erguida.

Uma mão invade o campo de visão torto do garoto. Ele levanta a cabeça, olhando para a empregada. O olhar vazio e distante é lançado como alfinetes, mas ela já está acostumada e sorrir gentilmente, acenando positivamente para que o rapaz se alimente com alguma coisa. 

Suas preocupações com Tyler eram as promessas que ela havia feito para Morgana, a primeira vítima de Tyler Monron. 

Sua mãe.

...

De estômago vazio, carregando poucos goles de suco, Tyler deixa a mansão e adentra à SW4 branca. Ele põe as duas mãos sobre o volante e encara a traseira do carro de seu pai. Está quente. O sol ilumina os cílios loiros num olhar espremido pelo incômodo.

Ele espera sereno. 

Tonny acelera e Tyler o segue por todo o percurso até o cemitério. 

Ele não entende o porquê de se sentir assim, mas se lembra que nunca sentiu nada antes.

A chegada ao cemitério é discreta. Eles estacionam numa área privada e descem. 

Pai e filho andam lado a lado sem trocar uma única palavra. 

Parecem estranhos.

Olham para os próprios pés enquanto caminham sobre a grama, em busca do túmulo da felecida Monron.

O rapaz morde a mandíbula, inconformado.

Quando ele vai parar de visitar sua vítima? Por que ele não consegue sentir nada? Por que ela tinha que ter encontrado aqueles malditos ossos em seu armário?

A caminhada reflexiva tem fim quando ele enxerga a lápide: "Morgana Monron, 'mãe amada, esposa amada. Que os portões dos céus contemplem a sua chegada e lhe protejam por toda a eternidade da maldade desse mundo'. 1984 - 2018"

Olhando seu pai ajoelhado sobre a grama, ele coça a mandíbula e, ainda de cabeça baixa, olha em volta. Está quase vazio. Sua garganta queima por algo para beber. 

—Vou tomar água. —Anuncia, mesmo sabendo que está sendo ignorado. 

Ele segue na direção da capela, sentindo o sossego. Fecha os olhos e inspira, erguendo o queixo. Ao final da caminhada curta, Tyler estica a mão, empurrando a porta, e avista alguém. É um rapaz de cabelos negros. Parece ter a mesma idade que ele. O garoto menor se vira, abandonando o terço entre as mãos postas. 

—É... Eu não sabia que chegaria alguém, sinto muito. Estava apenas... Estava rezando por eles. —Explica, sorrindo brevemente.

Tyler o olha, sereno. Distante. Vazio.

Parece não se importar.

—Você quer alguma coisa?- 

—Água. —Dispara, sem cerimônias.

Mas, afinal, quem era aquele rapaz que havia tirado a sensação de sossego do garoto sombrio?

Agarrado à sua natureza, Tyler o segue. O garoto em sua frente explica a ausência de funcionários e como toda a sua agenda estava sendo mudada em prol disso.

Fútil demais para Tyler.

Eles entram na sala do padre. O garoto desconhecido estica o braço em um floreio, indicando a poltrona para Tyler se sentar. Atravessa a porta e retorna com água para o mesmo, que beberica o líquido frio olhando fixamente o jovem de pé diante dele. 

A altura. O peso. A facilidade de derrubálo.

E se alguém soubesse?

E se alguém chegasse?

Tyler morde a borda do copo de plástico, fazendo um estalo.

Ele não se importa.

Seus olhos fixos para cima, enquanto o jovem está de pé, diante dele, falando as besteiras do seu dia entediante, Tyler só consegue imaginar o quão linda aquela pele parda ficaria pintada de vermelho sangue.

O líquido escorrendo pelas paredes, iluminando o lugar. As manchas descendo pelas bochechas robustas.

O cheiro de cobre quando ele inspirasse profundamente...

E por último, o momento em que Tyler se curvaria diante do corpo agonizante, e beijaria os lábios do jovem, roubando-lhe seu último suspiro, e engolindo.

Saciado.

Calmo.

Em casa.

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